Dou uma olhadinha pra trás, para os anos passados e os divididos em etapas marcadas por referências cronológicas ou tempos importantes vividos. Sem medo de errar, entendo que todo mundo tem suas etapas a serem lembradas. Eu tenho as minhas e são duas as que mais gosto.
A primeira, a vivida dos onze aos dezoito anos − de 1957 a 1964− para mim, os anos dourados. Em 1957, o momento mágico de vestir uma “farda de caqui” e poder assistir as aulas no Ginásio do Estado, o templo do ensino. Foi quando, conheci os meus primeiros amigos de verdade, guardados até hoje. Vivia mais com eles nas ruas e menos na escola e em casa.
Sentados nos bancos da praça ou nos degraus da escadinha do prédio, conhecida como “Cativeiro”, aprendi as coisas da vida. Da primeira tragada, do primeiro porre de rabo de galo, da primeira excursão até a “zona” para as aulas práticas de educação sexual.
Até os 14 anos, a expectativa era de poder entrar no cinema nos filmes proibidos para menores de 14 anos. Era um apaixonado pela Brigitte Bardot e sonhava em vê-la na telona do Cine São Luis, inteirinha e peladona.
A vida explodia e se mostrava cheia de energia, novidades e descobertas a cada dia.  As expectativas dessa etapa: para as meninas era o baile das debutantes aos 15 anos; para os meninos, o alistamento militar, aos dezoito anos. Anos dourados dos primeiros amores, beijos, abraços e amassos. Da primeira dança de rosto colado.
A etapa que mudou tudo: os cinco anos de faculdade, de 1968 a 1972!
Para mim o coroamento dos anos dourados. Foi quando novos amigos − da escadinha da faculdade − se fundiram aos velhos amigos − da escadinha do ginásio −  e alimentaram a minha alma, embasando o meu futuro e me mostrando o caminho das pedras, onde pisar.
Já passadas algumas outras etapas, cinquenta anos depois, lembrei-me daqueles cinco anos e, cheio de saudades, mandei um e-mail para o meu amigo arquiteto mackenzista e paulistano Otávio Hosokawa: “Precisamos comemorar! Nesse ano de 2018, são cinquenta anos que nos conhecemos, quando entramos na faculdade! Precisamos fazer uma festa!”.
E ele fez.  Organizou sozinho uma baita festa! (E eu não fiz nada).
Animado, meu amigo, convidou todo mundo. Os nossos veteranos, calouros, funcionários e alguns professores. Foi uma bela festa, onde todos, devidamente instruídos, se apresentaram munidos com crachás, mostrando suas fotos de cinquenta anos atrás. Deu certo.
Mudamos muito. Cabelos brancos, traços riscados pelo tempo (não no papel vegetal) no rosto de cada um. Algumas barriguinhas também. Mudamos sim e muito, mas, não envelhecemos.
O brilho nos olhos, aquele mesmo de cinquenta anos atrás, estava lá, com mais brilho ainda. O sorriso escancarado daqueles jovens dos anos “sessenta, setenta”, estava lá. A alegria de reencontrar o amigo, como se estivesse voltando das férias da escola, também estava lá.
Era todo mundo se abraçando e algumas lágrimas rolando. Falamos de tudo − filhos, netos, receitas, cirurgias e lembranças de boas histórias, algumas esquecidas (normal). No abraço do Maia, ele me lembrou de uma:
− Numa das minhas viagens para Marília, você ofereceu-me a sua casa para ficar lá e fiquei. No último almoço, sua mãe, atrapalhou-se com a “mistura” e não conseguiu servi-la. Comi arroz com alface e só! Ela, constrangida e profundamente chateada, me pedia desculpas e desculpas. Eu, para amenizar a sua chateação, contei que “arroz só com alface” era o que eu mais gostava. Ela duvidou… Passou um tempo, encontramo-nos na faculdade e você me deu o recado – Minha mãe mandou um abraço e dizer que ela está adorando “arroz só com alface”. Ela disse que é muito bom!
Abracei mais uma vez o Maia, mais forte ainda e chorei um pouquinho, quietinho…
− Quem aguenta encontrar um amigo depois de anos e anos e ele ter uma história guardada, da sua mãe, durante esses tantos anos?
Respirei fundo e corri para os abraços e mais abraços, ansioso como em outras etapas vividas. Queria fazer tudo ao mesmo tempo para não perder aquele tempo − rir, lembrar, ouvir, conversar…
De arquitetura, muito pouco. Lembro-me de alguém comentando que o Oscar Niemeyer era um tarado.
− Encontro de arquitetos?!?
 
Laerte Rojo Rosseto é arquiteto

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