Talvez você tenha se embevecido assistindo a trilogia Senhor dos Anéis, que recebeu nada menos que trinta indicações ao Oscar, conquistou dezessete estatuetas e foi finalista ao Prêmio de Melhor. Ou, quem sabe você ouviu sobre as Três Górgonas, as figuras cuja mais conhecida foi Medusa, que compunha a tríade junto com Esteno e Euríale. Juntas tinham poder para transformar em pedra qualquer um que as olhasse nos olhos. Creio que esta é a melhor analogia pinçada da cultura e da história para entendermos nosso momento. Aliás, se você olhar nos olhos da tríade que temos a nossa frente, ficará com a alma e a cosmovisão petrificadas. Basta que um fato novo venha à mídia e a sociedade brasileira rapidamente se facciona. Tenho a impressão de que cada vez mais mergulhamos no poço abismal da tripolarização recheada de discussões, argumentações, réplicas e tréplicas que vão desde os botecos de esquina até o Planalto e Congresso. Hoje em plena pandemia, indo para três centenas de milhares de mortos em onze meses, ainda nos dividimos entre “negacionistas”, “sensacionalistas” e, como não poderiam faltar, os “oportunistas”. Por um lado a negação de que algo grave está acontecendo na saúde. Não se trata apenas do cidadão semianalfabeto que mantém-se alienado, coloca a máscara no pescoço, não lava as mãos e tosse na cara dos amigos. São arquétipos de todas as classes sociais em todos os cantos deste país de dimensões continentais. A exemplo, num grupo de assuntos religiosos, recebi a postagem de um líder, desafiando qualquer protocolo de cuidado com a saúde em nome de uma fé simplista e alienada: “Se você levar a vida normalmente, não ficar com medo e nem tocar no nome da doença, não será contaminado.” Isso me lembra aqueles idosos supersticiosos que se referiam ao câncer como “a doença ruim”, crendo que o simples fato de pronunciar o nome da enfermidade, a atraía. Isto não é fé. Por definição, é negacionismo. Li sobre uma aldeia no interior da África que vinha sendo dizimada por leões e a cada mês alguém era tragicamente morto. Quando o leão rugia a milhas de distância, a aldeia entrava em pânico. Depois de muitas tentativas frustradas de resolução, alguém defendeu a tese de que todos os males que enfrentavam partiam do pensamento negativo associado ao medo. A nova filosofia de enfrentamento foi implantada: “Vamos ignorar o rugido, continuar nossos afazeres e todos devem ter em mente que leões não existem. Os ataques são desdobramentos do nosso medo, pessimismo e imaginação.” Todos voltaram aos afazeres, sorridentes, destemidos e otimistas após as tais palestras eletrizantes de autoajuda. Leões rugiam longe, enquanto alguns tribais assobiavam tranquilos e outros repetiam frases de efeito. As crianças desde cedo eram ensinadas que leões enfurecidos não passavam de fruto das suas mentes fantasiosas. Jovens passeavam distraídos, relaxados e desarmados pelas cercanias, enquanto adultos voltavam-se ao trabalho sem as preocupações obsoletas com o felino. Até que, num pôr do sol na caída da tarde, bem próximo a aldeia, lá estavam, não somente o rugido estarrecedor, mas a fera faminta e pronta para o ataque fatal. O desfecho foi inevitavelmente devastador. A negação não afasta nem diminui as realidades que estão a nossa volta. Usando a analogia da aldeia, não adianta filosofarmos dizendo que o Coronavírus é uma invenção chinesa, uma farsa política, uma invenção da OMS ou um demônio. O fato é que estamos frente a uma nova enfermidade, realmente perigosa e de alto poder de contágio. Não adianta comparar a outras tantas doenças letais, mesmo porque aquelas já têm seus protocolos, tratamentos e medicamentos adequados, mas esta não. Ei-la rugindo à nossa porta como o leão africano. No outro extremo, estão os “sensacionalistas” que se alimentam da mídia, recebem-na sem filtros, acatam de pronto cada notícia e enviam fake news como se fossem verdades. As expressões mais esteriotipadas são as bem populares: “Estão falando que…”; “Saiu na rádio hoje pela manhã que…”; “Minha patroa falou que…” Para piorar, temos uma imprensa jogando a sua gasolina neste fogo pois se alimenta dele para manter-se viva. Em 1938 o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, dizia algo que parece encaixar-se nos nossos dias: “[…] há, pois, o sensacionalismo político, que visa entreter as massas em estado de constante agitação e superexcitação à vista dos acontecimentos políticos.” Neste contexto surge a culpabilização: “Alguém tem que pagar a conta! Alguém é culpado!” Esta excitação de que se refere, lança adrenalina nas massas desinteressadas com as verdades por trás dos fatos. Neste veio, entre os “istas”, soma-se os “oportunistas”, fazendo seus palanques políticos, superfaturando respiradores e usando fragilidades naturais do momento para se autoafirmarem como salvadores da pátria. Aliás, há políticos regionalistas afoitos por registrarem casos de corona nas suas cidades para obterem licença para as aquisições sem licitações. Pois bem, espremidos entre estes três “istas”, estamos nós, meros mortais, cidadãos de bem, interessados na saúde e na economia do país. Para que não sejamos petrificados mirando os olhos das Três Górgonas, me vem três atitudes que podemos cultivar: 1) Não temos todas as respostas que gostaríamos de ter sobre o Coronavírus e nem a comunidade científica as tem até o momento. O planeta foi pego de calça curta e está boquiaberto, trêmulo, como alguém que foi assaltado por um trombadinha num arrastão, portanto, aguardemos soluções com cuidado e com resiliência. 2) Não entremos em discussões infindáveis, como por exemplo: “Saúde ou Economia?” Eu diria: “As duas, porque não há saúde pública sem economia e não há economia sem saúde pública.” Qual é a asa mais importante para o voo de um pássaro? A direita ou a esquerda? Ambas, ora! 3) Mantenha a paz interior ficando afastado das informações sensacionalistas, das pessoas inflamadas e das discussões polarizadas. Precisamos de paz interior, assim como de saúde, economia e equilíbrio emocional. Que Deus nos ajude a passar pelo momento difícil que a natureza nos outorgou e pela pressão que esta trilogia maligna nos impôs.

Rev. Marcos Kopeska
Pastor da 3ª Igreja Presbiteriana Independente de Marília; graduado em Teologia e pós-graduado em Terapia Familiar Sistêmica; capelão oficial da PM-SP; escritor

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