Estudos apontam o crescimento de casos em todo o mundo. Nos consultórios e serviços de emergência, a procura por socorro também aumenta. O que está por trás do fenômeno e como evitar esta resposta do corpo aos alimentos

Por Fábio de Oliveira,
da Agência Einstein

Leite, ovo, soja, trigo, amendoim, castanhas, peixes e frutos do mar, soja, amendoim, frutas secas, gluten: à primeira vista, parece uma lista de ingredientes de alguma receita, mas esse grupo é responsável pela maioria dos casos de reações alérgicas. Entretanto, a experiência clínica recente aponta o surgimento de novos grupos alimentares responsáveis por reações alérgicas, caso de algumas frutas, gergelim, arroz e milho. E observações combinadas entre a prática e pesquisas estatísticas indicam o crescimento do número de casos.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão do governo americano, por exemplo, registra um salto de 3,4% (1997-1999) para 5,1% (2009-2011) nos Estados Unidos. Já uma pesquisa publicada na revista científica The Journal of Allergy and Clinical Immunology mostra que na China as ocorrências passaram de 3,5% para 7,7% no mesmo período. “Apesar da limitação metodológica e de não haver estudos nacionais sobre prevalência, há um aparente aumento na prevalência das alergias alimentares também no Brasil”, diz a alergista pediátrica Renata Rodrigues Cocco, da Sociedade Beneficente Israelita Albert Einstein, em São Paulo. “Há uma crescente procura de pacientes com sintomas sugestivos em clínicas especializadas e serviços de emergência”, diz.
A alergia alimentar é uma reação do sistema de defesa do corpo a proteínas contidas nos alimentos que o organismo entende como consideradas prejudiciais à saúde. A resposta é a liberação de uma série de substâncias, entre elas a histamina, iniciando um processo de inflamação. As consequências podem ser leves, como coceira, até reações mais graves, como choque anafilático.
A história natural do problema varia de acordo com a comida envolvida e a idade de aparecimento dos sintomas. Leite, ovo, soja e trigo desencadeiam reações especialmente na infância e a tolerância oral (remissão da doença) dificilmente passa da segunda década de vida. “Alergia a amendoim, castanhas, peixes e frutos do mar podem aparecer em qualquer fase da vida e são persistentes”, explica a alergista Renata.
Por que estaria acontecendo um maior registro dessa resposta anormal e exacerbada do sistema imunológico frente a uma proteína, presente no leite ou no camarão, e que acaba sendo considerada estranha pelo organismo? As explicações para esse fenômeno são variadas e longe de serem conclusivas. Uma delas mira na melhora das condições de saneamento básico e no advento de vacinas e antibióticos, o que provocaria um desvio da resposta do sistema imunológico, antes mais focado no combate a infecções. “Mas pensar apenas nessa hipótese é algo simplista demais”, pondera a médica. “O papel do meio ambiente nas funções imunológicas é cada vez mais estudado.”
À luz da epigenética (investiga como interagem fatores genéticos e ambientais), observou-se que algumas alterações no DNA podem ser sofridas durante a vida e passadas via genes. Por fatores ambientais, leia-se a ingestão de alimentos ricos em substâncias inflamatórias (gorduras, por exemplo), poluição, estresse, além do tabagismo ativo ou passivo. Somados, os efeitos contribuem para alterações no sistema regulatório de nossas defesas. Resultado: doenças alérgicas e autoimunes.
No entanto, é importante lembrar que muitos casos são diagnosticados equivocadamente como alergia. Isto ocorre principalmente porque os sintomas são vistos em várias outras doenças, possibilitando confusão na hora de identificar claramente a doença. Não existe um exame laboratorial fidedigno para a confirmação do diagnóstico, apenas alguns instrumentos que podem ser utilizados junto à história clínica e que devem ser sempre muito bem interpretados. Exames positivos não significam necessariamente a presença de alergia.
O padrão ouro do diagnóstico é o teste de provocação oral. “O alimento é oferecido em doses crescentes, sob supervisão médica e em ambiente apropriado”, detalha a médica Renata. “Mediante a suspeita de alergia, o paciente sempre deverá procurar auxílio médico especializado.”
Ainda não há um tratamento específico para as alergias alimentares. O caminho é excluir o que está por trás das reações, ler os rótulos de produtos industrializados e ter atenção para alimentos de preparo desconhecido. Especialmente na infância, o alimento proibido deverá ser substituído por outro de semelhante valor nutricional. Pacientes com reações do tipo anafiláticas, que podem ser fatais, precisam recorrer à adrenalina autoinjetável.
Nenhum alimento deve ter sua introdução na dieta adiada. Muita gente faz isto acreditando ser uma forma de prevenção, mas é o contrário. Os estudos mostram que quanto mais tardiamente a pessoa tiver contato com um alimento, maior o risco de sensibilização. “Preconiza-se no Brasil que o aleitamento materno exclusivo seja oferecido até o sexto mês de vida e, a partir daí, a criança receba todos os grupos alimentares, incluindo aqueles considerados como mais alergênicos, como ovo e peixes.” O contato do alimento com o sistema imunológico, especialmente enquanto o pequeno estiver em aleitamento materno, proporciona maior chance de tolerância oral, ou seja, ausência de alergia.

Intolerância X Alergia Alimentar
Muita gente confunde os dois termos. “No primeiro caso, trata-se de reações adversas em que não há o envolvimento do sistema imunológico”, explica a alergista Renata Cocco. O exemplo mais comum é a intolerância à lactose: a falta de produção da enzima lactase impede a digestão do leite e o indivíduo apresenta gases, cólicas, diarreia, distensão abdominal. Mas a pessoa não desenvolverá um quadro de anafilaxia, com sintomas como dificuldade respiratória, náuseas e irritação na pele.
“As alergias são reações contra proteínas dos alimentos e por isso é errôneo o termo alergia à lactose, que é o açúcar do leite”, diferencia a médica. Além disso, o indivíduo intolerante pode consumir derivados do leite sem lactose, enquanto que o alérgico deve excluir toda e qualquer proteína do leite.

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