REPRODUÇÃO/ PLENO NEWS

A autora de telenovelas Glória Perez teceu críticas à cultura woke e disse que o politicamente correto cerceou a imaginação dos escritores, amordaçando-os e promovendo uma censura “muito pior” que a do regime militar. As declarações ocorreram em entrevista à Folha de S.Paulo, meses após a dramaturga romper com a Rede Globo devido ao veto a uma produção que tratava sobre o aborto.

– Sempre achei que o politicamente correto engessa, reduz e elimina a possibilidade do conflito. Ao fazer isso, ele amordaça e empobrece o autor. Só que novela é conflito. O que você procura como criador de histórias é compreender e mostrar os sentimentos humanos em relação a um determinado assunto. Mas, hoje em dia, com essa coisa de não poder ofender um grupo, não poder ofender outro, você acaba fazendo uma novela sem conflito – pontuou.

Para Glória Perez, as novelas perderam sua relevância e seu papel de serem porta-voz de temas relevantes.

– A explicação disso não se resume à multiplicação das telas e das opções do público. A cultura woke introduziu um cerceamento à imaginação. A opção de não desagradar, de não tocar em temas sensíveis, de transformar conflitos humanos em pautas, acabou por encerrar a dramaturgia numa espécie de fórmula, retirando dela a capacidade de provocar. A cultura woke foi arrasadora para a dramaturgia – cravou.

A autora relembrou as críticas que algumas de suas novelas receberam por supostamente estereotipar outros países, e ponderou que o politicamente correto inviabilizaria que telenovelas de sucesso que ela escreveu no passado fossem produzidas nos dias atuais.

– No contexto atual, elas [O Clone e Caminho das Índias] nem chegariam ao público. Foram novelas inovadoras, e inovar pressupõe correr riscos. Salve Jorge, além de tratar de um tema muito sensível, o tráfico de pessoas, trazia a personagem da Nanda Costa como a primeira protagonista favelada e prostituída. Não imagino que essa ousadia fosse aprovada hoje em dia – ponderou.

Perez ainda relembrou ter produzido telenovelas para a Rede Globo em 1979, época em que o Brasil estava sob o regime militar. A escritora conta que à época, a moderação de conteúdo das narrativas era feita pela chefe da Divisão de Censura de Diversões Públicas, mas que hoje, se sente muito mais cerceada.

– Na época, você tinha uma censura comandada pela dona Solange [Hernandes, chefe da Divisão de Censura de Diversões Públicas do regime militar]. Era ela quem mandava cortar as coisas. Só que agora nós temos uma multiplicidade enorme de “Solanges”. Nas redes sociais, com raras exceções, cada pessoa é uma Solange diferente, julgando o outro e tentando cassar a palavra alheia. Não era assim. Antes, você tinha uma censura. Agora, a censura está espalhada na sociedade. É muito pior – avaliou.

A escritora também comentou a novela que foi o estopim para a sua saída da Rede Globo: o veto a Rosa dos Ventos, produção que tratava sobre o tema do aborto.

– Eu decidi pôr um ponto final porque meu contrato acabaria quando terminasse esta novela que foi barrada. Decidiram adiar a novela por causa do aborto. Aí eu falei “gente, se tem uma pessoa que sabe tocar com delicadeza nesse tipo de tema, sou eu, a minha história toda mostra isso”. Mas aí veio o medo de desagradar algumas áreas. A minha assinatura é lidar com temas delicados e trazer o público para a discussão. Se eu não puder fazer isso, eu acabo. A emissora queria que eu assinasse um contrato de extensão para fazer a próxima novela, que viria depois de Três Graças, do Aguinaldo Silva. Eu falei que não me interessava e que queria rescindir o contrato. Eu senti que eu não conseguiria mais fazer as novelas que sei e quero fazer. Eu sou incapaz de pensar engessada. Ou eu tenho liberdade para voar, ou não tenho liberdade nenhuma.

Questionada se pretende produzir para o streaming após a saída da Globo, Glória Perez diz que há muitas propostas à vista, mas que nesse período se concentrará em descansar. Ela promete dar notícias sobre novos projetos em breve.

FONTE: PLENO NEWS

Fonte: Diário Do Brasil

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Glória Perez critica cultura woke: ‘Censura muito pior que a militar’