
Foto: Ana Paula Paiva/Valor
Mais do que multas, as consequências para os bancos brasileiros que não aplicarem as sanções da lei Magnitsky podem ter o “efeito de uma bomba atômica”. As instituições brasileiras podem perder acesso a recursos no exterior, utilizados para financiar empresas nacionais a exportar, diz o economista Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro, atualmente sócio-proprietário da Oriz Partners, gestora financeira independente. Ele diz que o governo brasileiro não tem nada a ganhar com um embate entre as Justiças brasileira e americana sobre a aplicação da lei. Kawall falou ao GLOBO:
Por que as ações de bancos despencaram na B3 levando a uma perda de valor de mercado de R$ 41 bilhões das instituições financeiras de capital aberto?
Quando você tem um movimento de mercado como esse, não tem nenhuma diferença do ponto de vista da ótica do investidor estrangeiro ou local. Os dois são afetados igualmente. Claro, pode ter mais investidores estrangeiros em bancos privados, menos investidores estrangeiros em um banco público. Aí é uma questão das posições que são feitas. Mas não acho que teve nenhum recorte desse tipo. Acho que é um efeito dos temores com relação à aplicação da lei Magnitsky.
Qual é o temor? Que bancos brasileiros que não aplicarem as sanções previstas pela lei sejam multados?
Acho que o ponto principal, é que existe um desconhecimento muito grande de quais são as consequências dessa lei. A gente vê comentários, por exemplo, se isso se restringe à pessoa atingida pela lei, no caso o ministro Alexandre de Moraes, ter ou não ter conta no banco. Para uma grande instituição financeira, ter ou não ter a conta de uma única pessoa sancionada pela lei não faz a menor diferença. E se esse fosse o impacto, a sanção nem teria razão de ser. Não teria efeitos práticos.
Então qual é o ponto central do nervosismo do mercado?
A lei americana, ou de qualquer outro país, não pode mandar bloquear a conta aqui, por exemplo. Mas qual é o poder dela? A lei proíbe as instituições financeiras sob a jurisdição da lei americana de ter relacionamento com bancos que tenham a conta da pessoa sancionada. É esse o efeito poderoso que a lei tem.
O que isso representa?
Por que os bancos brasileiros e de outros países têm negócios nos Estados Unidos e na Europa e em outros lugares? Eles não vão lá atender pessoas físicas. Eles buscam, sobretudo, os recursos em dólar. Vão captar para financiar operações de comércio exterior. Vamos dizer assim, esse é o principal objetivo. Eles podem até fazer outros tipos de operações, mas o comércio exterior é o básico: buscar financiamento em dólares já que nesses países os bancos brasileiros não têm rede de captação de depósitos. Eles captam junto aos outros bancos que têm esses depósitos em excesso, no mercado interbancário. Pode ser por um mês, seis meses, um ano, dois anos, às vezes até cinco anos. Então, há uma dependência dos grandes bancos americanos e a partir daí você faz os financiamentos de comércio exterior porque é o banco daqui que conhece as empresas brasileiras.
Então, o efeito da lei seca essa fonte de recursos?
Se você tem um banco brasileiro que está lá e tem uma pessoa sancionada, isso vai forçar os bancos de lá a dizer não posso te financiar. Esse é o grande efeito. Até pode envolver multas, mas não é o ponto principal, e sim a inviabilização que isso pode gerar das atividades dos bancos brasileiros no exterior. E isso pode envolver até dois bancos brasileiros. Se o banco brasileiro A tem uma pessoa sancionada e se relacionar com o banco brasileiro B, esse também estaria “contaminado pela sanção” e passaria, portanto, também a ficar sujeito à aplicação da Lei Magnitsky. Por isso é importante entender o alcance indireto que a lei tem.
Na prática, a lei tem um alcance muito grande. É isso?
Ela é um instrumento muito poderoso porque atinge o financiamento dos bancos, o acesso à liquidez, que é o coração do sistema bancário. Você não tem como se manter se te fecham a torneira do acesso à liquidez. Então, o efeito dessa medida é quase como uma bomba atômica sobre o sistema bancário. Você tem um efeito que é desproporcional. No Brasil, você tem uma pessoa importante sancionada, que é um ministro do STF, uma situação extremamente delicada, mas com um efeito colateral do descumprimento que é desproporcional.
Um eventual embate entre a Justiça brasileira e americana pelo cumprimento da lei piora a situação?
Esse é um assunto que envolve sigilo bancário. Então o que está acontecendo do ponto de vista das decisões que os bancos estão tomando é um assunto sob sigilo. Eu diria que o potencial adverso que pode advir da lei Magnitsky e de um eventual embate jurisdicional entre o judiciário brasileiro e americano tem um potencial muito grave. Há muitos clientes preocupados. Há um embate que envolve as tarifas, que tem impacto econômico relevante, vai provocar desemprego, mas é uma guerra convencional, só para usar uma imagem. E não ocorre só entre EUA e o Brasil. Já o episódio da lei Magnitsky, se ele escalar, tem um efeito sistêmico no setor financeiro e aí as consequências podem ser as as de uma guerra nuclear. Se a gente projetar ao longo do tempo, ele pode ser muito mais nocivo do ponto de vista da economia, e eu não estou querendo minimizar ao lado das tarifas. Estamos falando de dois problemas. Acho que isso não está sendo bem compreendido.
Um exemplo disso são as declarações do ministro Flávio Dino?
Me preocupou muito, e aí por isso, toda a reação do mercado. Eu acho que é esse o ponto que inquieta, até onde isso pode chegar. E pode chegar em uma coisa extremamente grave. Isso afetou as ações dos bancos, mas o que está por trás disso não é só a lucratividade. São as implicações que isso pode ter, do ponto de vista da atividade dos bancos brasileiros, no exterior, no financiamento do comércio exterior, no apoio que eles dão às empresas brasileiras. Certamente lá dentro do Banco Central, eles entendem muito bem as consequências que isso vai ter. Essa briga não interessa ao governo porque ele não vai ganhar nada com isso. Só tem a perder.
Fonte: O GLOBO
Fonte: Diário Do Brasil