Evelyn Hockstein/Reuters

Caros presidente Luiz Inácio Lula da Silva e conselheiro Celso Amorim,

Sinto dizer, mas o mundo que os senhores tentam interpretar não existe mais. Aquele mapa mental construído entre o final da Guerra Fria e os primeiros anos do BRICS virou uma ficção diplomática. Persistir nele é condenar o Brasil à irrelevância ou, pior, ao isolamento.

Fico particularmente satisfeito em ver que alguém como Walter Russell Mead – professor de Yale, membro do Hudson Institute, colunista do Wall Street Journal – escreveu um artigo que vai exatamente na mesma linha que venho defendendo. Somos dois Walters com leituras muito parecidas sobre a realidade que se impôs. Trump tem estratégia. E quem não entender isso, vai ficar para trás.

A estratégia americana mudou porque a realidade se impôs. O soft power fracassou. Passaram a mão na carteira americana por décadas. Os EUA financiaram o crescimento da China, toleraram o protecionismo europeu, pagaram a conta da OTAN, foram humilhados no Afeganistão. A boa-fé, sozinha, não sustenta a ordem internacional. E Donald Trump, goste-se dele ou não, foi o primeiro presidente a reconhecer isso e agir com consequência.

O artigo de Mead no Wall Street Journal é uma aula de realismo. Trump não é um lunático, como gostam de repetir por aqui. É um disruptor com estratégia. Reuniões com Putin em um dia, Zelensky no outro. Críticas veladas à OTAN seguidas de elogios calculados aos europeus. Parece caos, é método. Não há incoerência: há negociação em estado bruto.

Quando Trump chama Macron de “Emmanuel” e ouve de volta um respeitoso “Mr. President”, está deixando claro quem manda. Não se trata de deselegância, mas de demonstração de força simbólica. Trump obriga os aliados a reconhecerem sua centralidade. E eles reconhecem.

Mais do que palavras, são os movimentos que revelam o plano. O acordo entre Armênia e Azerbaijão, mediado por Washington, tirou de Putin o controle sobre o fluxo de energia do Cáucaso. Um golpe seco, silencioso, onde mais dói. Ao mesmo tempo, Trump acena com um degelo com Pequim. Pequim que, aliás, flerta com a ideia de apoiar Putin na Ucrânia em troca de concessões comerciais. Se a China entender que os EUA podem aliviar a pressão, Xi talvez recue. Tudo é jogo de pressão. Tudo é barganha.

E as tarifas? Funcionaram. A Europa e o Japão cederam. Os acordos vieram. O Brasil, não. E pagou com tarifas de 50% em produtos-chave. Mas este não é um texto sobre o Brasil. Já escrevi sobre isso. Este é um texto sobre estratégia. Sobre compreensão do mundo real.

Lula não conseguiu o protagonismo internacional que imaginava. Hoje, é um presidente mais velho, mais dogmático e cada vez mais anacrônico. Forja alianças Sul-Sul que não se sustentam, prega o enfraquecimento do dólar como se fosse 2006 e acredita que pode atravessar o tabuleiro global sem ser notado. Mas o mundo voltou a ter centro. E ele se chama Washington.

Enquanto isso, os EUA posicionam navios militares próximo à costa da Venezuela. A mensagem é clara. E o Brasil, mais uma vez, fecha os olhos para o problema. Finge que não vê as eleições fraudadas, a repressão brutal, o colapso humanitário. Reabilita ditaduras, aperta a mão de criminosos e senta à mesa de terroristas. Alckmin, em plena reunião internacional, cercado de autocratas, sorri e posa para fotos. E depois se choca com o fato de que o Brasil deixou de ser levado a sério. O Brasil está escolhendo seus parceiros com base em ideologia e nostalgia. E o preço disso será pago em real, em dólar e em isolamento.

E aí entra o ministro Flávio Dino, ao declarar que o Brasil não vai cumprir a Lei Magnitsky, que pune violações de direitos humanos com sanções financeiras. Parece bravata jurídica, mas não é. A Lei Magnitsky é aceita por diversos países ocidentais e obriga bancos e empresas a se alinharem. Negar-se a cumprir pode levar o Brasil ao isolamento financeiro internacional. Alguém avisou o Dino do que significa ser excluído do SWIFT? Ou ele está jogando xadrez com peças de dama?

Contornar Putin é essencial. Contê-lo agora para, mais tarde, trazê-lo para perto e afastá-lo da China. A disputa é contra Pequim, e a América Latina também é campo de batalha. O Chile, o Equador, a Colômbia o próprio Brasil estão no radar. O Itamaraty deveria saber disso. O Planalto, também. Mas não parecem entender. 

O caso do Irã é emblemático. Por mais de duas décadas, tentou enganar o mundo: descumpriu sistematicamente o acordo de não-proliferação nuclear, alimentou grupos terroristas, exportou drones para a Rússia usar na guerra da Ucrânia. Achou que podia eternamente dobrar a comunidade internacional. Até que não pôde mais. O Irã foi desmantelado – com apoio americano e execução israelense. Tecnologicamente humilhado, viu seus aviões não decolarem, seus sistemas de comando falharem. Celulares explodiram nas mãos de generais. Houve reuniões em que os participantes estavam infiltrados havia mais de uma década. A mensagem foi clara: acabou a conversa. Depois de vinte anos de paciência estratégica, chegou o momento do basta. E quando esse momento chega, a força é cirúrgica, impiedosa e definitiva.

O Brasil não está entendendo a gravidade disso. E talvez a China comece a entender agora. Trump não quer reeleição. Ele não precisa de uma carreira política. Ele quer corrigir o curso da história. Para isso, tem pressa. Tem clareza. E tem poder.

A imprensa brasileira, parte dela, ainda o retrata como um agente do caos. Mas a pergunta que precisa ser feita é: quem é o país democrático? Quem garante mobilidade de capitais, liberdade de expressão, livre associação e imprensa crítica? Quem não persegue dissidentes ou sufoca empresários? Quem não oprime seu próprio povo?

Trump não é Bolsonaro. É um bilionário que venceu no mercado imobiliário mais competitivo do mundo. Las Vegas e Nova York não são para amadores. Ele não herdou uma dinastia. Ele construiu. Negociou. Impôs. O mundo dele é o da barganha dura, do resultado. E agora, esse mundo é o nosso. Talvez valha a pena observar. Talvez seja a hora de escutar. O Brasil não precisa concordar com Trump. Mas precisa entendê-lo. Ou vamos pagar caro.

Respeitosamente,

Walter Maciel

Fonte: InfoMoney

Fonte: Diário Do Brasil

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Trump tem estratégia. E quem não entender isso, vai ficar para trás