
Foto: DoThahn/Flickr
A ministra da Suprema Corte norte-americana Amy Coney Barrett publicou no site The Free Press o artigo “Quando a política entra em choque com a lei”, com um trecho exclusivo de seu novo livro Listening to the Law, que será lançado na próxima terça, 9, nos Estados Unidos.
No texto, Barrett abre bastidores sobre dilemas éticos da magistratura e defende que juízes devem se submeter à Constituição e à legislação, mesmo em casos em que suas convicções pessoais divergem.
Barrett narra uma conversa com a tia, que lamentava decisões baseadas em “legalidades”. Ela reconhece a crítica, mas lembra que a imagem bíblica do rei Salomão não serve de modelo: “Ele não resolveu o caso consultando leis ou precedentes. Seu poder não tinha limites, porque o homem e a lei eram um só.”
A ministra contrapõe esse ideal ao desenho institucional dos Estados Unidos. Citando James Madison, escreve: “Se os homens fossem anjos, nenhum governo seria necessário.”
Para Barrett, a Constituição foi feita justamente para limitar a subjetividade dos juízes: “Em nossa república democrática, o juiz não faz justiça como vê, ele é constrangido pela lei adotada pelo processo democrático.”
O artigo enfatiza que nomeações à Suprema Corte não deveriam se basear nas crenças pessoais dos indicados, mas em sua disposição de respeitar as regras fixadas pela Constituição e pelo Congresso: “O que importa é se o juiz honrará esse compromisso. A orientação pessoal sobre pena de morte, aborto ou ação afirmativa não deveria pesar.”
Barrett traz um exemplo em que suas convicções foram testadas: o caso de Dzhokhar Tsarnaev, autor do atentado da Maratona de Boston.
Ela é crítica da pena de morte, mas acompanhou a maioria que restabeleceu a condenação.
“Gostaria que nosso sistema funcionasse de outro modo, mas não tive dúvida de que confirmar a sentença era a decisão correta para mim.” Para ela, fraudar a interpretação legal para coincidir com crenças pessoais seria “uma violação do dever”.
A ministra lembra que outros colegas também já revelaram dilemas semelhantes.
Antonin Scalia admitiu odiar a decisão que protegeu a queima da bandeira americana como ato de liberdade de expressão.
Anthony Kennedy escreveu que “às vezes devemos tomar decisões de que não gostamos, mas que a Constituição nos obriga a tomar.”
Sonia Sotomayor, em outro caso, destacou a injustiça de uma lei de sentenças de drogas, mas ressaltou que cabia ao Congresso corrigir a falha.
Barrett conclui que a distinção entre o que é legal e o que é justo é inevitável no sistema norte-americano: “Pode soar contraintuitivo, mas julgar o que a lei exige não é o mesmo que decidir o que é justo.”
Para ela, juízes não devem ser como Salomão: “Eles são árbitros, não reis, porque decidem se as pessoas seguiram as regras, não quais deveriam ser essas regras.”
Quem é Amy Coney Barrett
Amy Coney Barrett é juíza norte-americana da Suprema Corte dos Estados Unidos, nomeada em 2020 pelo presidente Donald Trump.
Nascida em 1972, é católica e professora de direito constitucional e processual civil, formada pela Universidade de Notre Dame, onde também lecionou por mais de 15 anos.
Reconhecida por seu perfil originalista, que defende a interpretação da Constituição conforme o significado histórico de sua promulgação, Barrett se tornou a quinta mulher a integrar a mais alta corte dos EUA.
É autora de diversos artigos acadêmicos e do livro Listening to the Law, que aprofunda sua visão sobre o papel dos juízes em uma democracia constitucional.
Fonte: O antagonista
Fonte: Diário Do Brasil