Manifestantes tiram selfies e comemoram no Singha Durbar, sede de vários ministérios e escritórios do governo do Nepal, após o local ter sido incendiado durante um protesto contra a proibição das redes sociais e a corrupção em Katmandu, Nepal, terça-feira, 9 de setembro de 2025. Foto: Niranjan Shrestha/AP

Os violentos protestos de rua em Katmandu, a capital do Nepal, ganharam força nesta terça-feira, 9, com manifestantes queimando e atacando casa de líderes políticos do país. O estopim da crise foi a proibição governamental das principais plataformas de mídia social, que levou à queda do premiê K.P. Sharma Oli.

Formados em grande parte por jovens da geração Z, os manifestantes têm protestado com indignação contra a repressão que deixou 22 mortos desde segunda-feira e também contra os problemas sociais de longa data que afligem o Nepal há 10 anos, desde que o país substituiu sua monarquia por uma república democrática.

O veto às redes sociais atingiu um ponto sensível para a população nepalesa. Elas são uma ferramenta essencial no país , onde as pessoas recorrem aos aplicativos para receber dinheiro e manter contato com familiares e amigos no exterior. Empresas também utilizam plataformas como o WhatsApp para operar.

Como o país depende fortemente das remessas que cerca de dois milhões de trabalhadores no exterior enviam para casa, muitas famílias também se viram da noite pro dia sem contato com seus entes queridos que vivem longe do pequeno país encrustado na Cordilheira do Himalaia.

O governo revogou a proibição, mas a situação está longe de se acalmar. À noite, manifestantes incendiaram escritórios do governo e casas de políticos.

Desemprego e desigualdade

O desemprego está na raiz da crise. Conseguir um trabalho é uma tarefa hercúlea no Nepal, uma nação montanhosa de 30 milhões de habitantes, espremida entre a Índia e a China. De acordo com a Pesquisa de Padrão de Vida do Nepal, publicada pelo Escritório Nacional de Estatísticas em 2024, a taxa de desemprego no ano passado era de 12,6%.

Esses números já altos tendem a subestimar a gravidade do problema. Eles representam apenas os participantes da economia formal, e não levam em conta a maioria dos nepaleses, que trabalham sem empregos oficialmente declarados, principalmente na agricultura.

Além disso, o desemprego está fortemente concentrado entre os adultos mais jovens.

Sem encontrar oportunidades em casa, mais de mil jovens, homens e mulheres, deixam o país todos os dias para cumprir contratos de longo prazo nos países ricos em petróleo do Golfo Pérsico e na Malásia.

Dezenas de milhares trabalham na Índia como trabalhadores migrantes sazonais. Dados do governo mostram que mais de 741 mil pessoas deixaram o país no ano passado, principalmente para encontrar trabalho na construção civil ou na agricultura.

O restante do Nepal depende fortemente das remessas que esses trabalhadores enviam para casa. Em 2024, os US$ 11 bilhões enviados representavam mais de 26% da economia do país. Esse dinheiro possibilita que famílias comprem alimentos, remédios e mandem crianças para a escola.

Corrupção Profunda

Outro culpado apontado frequentemente pelos problemas do país, especialmente entre os nepaleses mais ativos neste protesto da Geração Z, é a corrupção. Uma pequena elite que comanda o país acumula vastas propriedades e riquezas para seus filhos. Segundo a Transparência Internacional, o Nepal é um dos países mais corruptos da Ásia.

Uma série constante de escândalos, geralmente envolvendo conluio entre políticos eleitos e autoridades supostamente independentes, alimenta esse ressentimento. Pouquíssimas acusações resultam em processos bem-sucedidos.

Uma investigação parlamentar recente revelou que pelo menos US$ 71 milhões foram desviados na construção de um aeroporto internacional na cidade de Pokhara. Empréstimos do Banco de Exportação e Importação da China evaporaram. A investigação recomendou mais investigações e ações específicas contra os acusados, incluindo o diretor-geral da aviação civil. Mesmo assim, ninguém foi indiciado.

Em outro caso, líderes nepaleses foram flagrados coletando dinheiro de jovens que aspiravam a encontrar emprego nos Estados Unidos sob o pretexto de status de refugiado, destinado a nepaleses étnicos que haviam sido deportados à força do vizinho Butão.

Documentos falsos deram aos nepaleses desempregados a identidade de butaneses deslocados. Políticos de todos os partidos foram nomeados nas investigações subsequentes, mas apenas membros da oposição foram indiciados.

Enquanto isso, as despesas com saúde e educação são altas. Os agricultores não têm fertilizantes essenciais durante as temporadas de plantio de arroz. A inflação dificulta a sobrevivência de qualquer pessoa em Katmandu, a capital, para onde os jovens se mudam em busca de ensino superior e emprego.

Democracia em xeque

A democracia foi duramente conquistada no Nepal, mas não correspondeu às aspirações que levaram os manifestantes às ruas esta semana. Muitos dos manifestantes da Geração Z estão obcecados pelo filho e pela nora do ex-primeiro-ministro Sher Bahadur Deuba. Eles publicam, com amargura, imagens deles e dos filhos de outros políticos exibindo estilos de vida luxuosos.

Desde que a nova Constituição entrou em vigor em 2015, três líderes se revezaram na chefia do governo: Oli, Pushpa Kamal Dahal e Deuba. Para os mais jovens, esse jogo eleitoral, em que o mandato de cada primeiro-ministro durou apenas um ou dois anos, é irritante. / NYT

Fonte: Estadão

Fonte: Diário Do Brasil

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Como a censura às redes levou a geração Z a derrubar o governo do Nepal