Reprodução UOL

Grasiele de Oliveira Loureiro, 43, teve uma juventude comum: gostava de festas, saía com os amigos e frequentava a missa por pressão do pai. Mas, aos 20 anos, sentiu um chamado: queria seguir a Ordem dos Carmelitas, que propõe uma vida de oração contemplativa e focada na união com Deus. Entre idas e vindas, ela passou seis anos em clausura.

Decidiu sair após entender que não tinha vocação. Hoje, Grasiele tem uma agência de marketing digital em Itajaí (SC) e está casada.

‘Vivia a vida no mundo’

“Até meus 20 anos, eu era uma jovem que gostava de balada e de sair com amigos. Vivia uma vida ‘no mundo’, sem Deus. Só ia à missa aos domingos porque meu pai me obrigava, senão eu não poderia sair aos finais de semana.

Com 20 anos, comecei a não gostar mais desta vida, não queria isso para mim. Conheci a Canção Nova e comecei a acompanhar a renovação carismática católica: ia a grupos de oração e passei a buscar Deus.

Era 2003, conheci uma comunidade em Santa Catarina e, lá, senti o desejo de ser missionária. Entrei nesta comunidade, onde fiquei um ano e meio, mas a vida lá era muito corrida. Voltei para casa e senti a necessidade de mais oração, de mais silêncio.

Fiz um retiro de discernimento em um mosteiro no Paraná e, então, conheci a vida contemplativa: me apaixonei por aquele silêncio, é só você e Deus. Quando saí, pensei em me inscrever para um carmelo [um convento para religiosos da Ordem dos Carmelitas].

Mandei um email para o Carmelo de Tremembé, em São Paulo, e um tempo depois fui conhecer. Quando cheguei, me apaixonei pelo mosteiro e pelas irmãs, que eram muito alegres. Fiquei 10 dias lá e saí com data para entrar, em janeiro de 2008.

‘Estranhei o silêncio’

O que eu mais estranhei lá dentro foi justamente o silêncio, porque a gente vem de um mundo muito barulhento.

Me lembro que, de manhã, quando eu encontrava alguma irmã no corredor, minha vontade era falar ‘bom dia’ porque eu estava muito feliz, só que não tem isso.

A gente deve andar no claustro de cabeça baixa, para ‘mortificar’ a visão [controlar o uso da visão, para evitar o pecado]. Você não fica olhando o que está acontecendo com a irmã que está passando. Tudo isso para manter o silêncio interior, a solidão interior, mas eu não estava acostumada.

Eu também achava lindas as irmãs de hábito: elas passavam e parecia que estavam voando. Mas você não recebe o hábito assim que entra no carmelo.

Toda religiosa corta o cabelo e lá em Tremembé a gente tinha uma maquininha para quem quisesse raspar: ninguém era obrigado, mas era uma opção. Além do risco da dermatite ao deixar o cabelo molhado pós-banho dentro do véu, você não pode ficar perdendo tempo com cabelo, não existe vaidade ali dentro. A gente não passava xampu, só sabonete porque não se deve perder tempo com isso.

‘No recreio, podíamos conversar’

Acordávamos às 4h30 ou 5 horas, para rezar laudes [oração pública e comunitária oficial da Igreja Católica]. Depois, tinha a oração mental por uma hora e, então, nos preparávamos para a missa das 7. E, aí, se reza a primeira oração média (oração dividida em três momentos do dia) e vai para o refeitório, para o café.

Tudo isso é feito em silêncio. Depois do café, as irmãs que têm véu preto vão para os trabalhos, e o noviciado vai para o estudo. 10h45 era a hora da segunda oração média e depois tinha o almoço às 11 horas.

As mais novas ajudavam na louça e, depois, todas iam para o recreio. Esse era o momento em que se podia conversar, falar o que quiser. Quando chega alguma menina nova, elas contam histórias, gostam de ouvir também.

Depois de uma hora de recreio, tem uma hora de descanso. E, às 14 horas, toca o sino para a última oração média. Ao fim, voltávamos para o trabalho. Nos mosteiros, normalmente tem algum trabalho, como fazer hóstia, velas, pães, bordado, costura.

Às 16h30, parávamos novamente e íamos para o coro rezar às vésperas (oração do entardecer). Depois, mais uma hora de oração mental e 18 horas era o jantar. Todas lavam a louça e tem um segundo recreio até 20 horas, em que se pode falar.

Então, fazíamos uma última oração e aí era silêncio absoluto —nenhum barulho mesmo. As irmãs podem rezar o terço, terminam de ler alguma coisa, fazem a via-sacra e dormem até o outro dia.

Além de não conversar, procura-se não fazer muito barulho em tudo. Ao abrir uma porta, um armário, varrer. Uma coisa que me chamou a atenção foi ao cozinhar. Eu costumava pegar a colher e bater na panela para tirar o resto da comida. As irmãs me ensinaram que eu poderia bater com o cabo na mão, e aí não faria nenhum barulho.

‘Grade separava do mundo de fora’

O convento tem um locutório, uma sala onde as irmãs recebem as visitas de fora, mas tem uma grade separando. Era assim o contato. A família podia ligar ou visitar —uma vez por mês.

Pelo menos na minha época, era assim: podíamos receber visita da família, mas não podíamos ir visitá-los. Sair era só para ir ao médico, dentista e ou para exercer direito civil. Hoje, sei que muitos carmelos não vivem mais isso —não se vive tanto a clausura como deveria ser.

‘Não sabia que existia WhatsApp’

Eu entrei no carmelo em 2008 e saí em 2010: tive depressão lá dentro. Comecei o tratamento e decidi sair para me dedicar a ficar bem. Fiquei um tempo em casa e resolvi ir para o carmelo novamente, mas em São José (SC). Foram mais dois anos lá, até que decidi voltar para casa novamente. A terceira vez que fui para um carmelo foi em Porto Alegre. Fiquei mais um ano e pouquinho 

e saí definitivamente em 2014.

Eu amo a vida lá dentro, mas tive que admitir que eu não tinha vocação e não conseguiria. Fui para casa sabendo que não voltaria mais.

Na primeira vez que eu saí, em 2010, não sabia que existia WhatsApp —não tinha smartphone, para mim era tudo novidade. Também estranhei muito a falta de silêncio.

Além disso, eu tinha muita vergonha. Sentia como se tivesse fracassado porque insisti muito naquilo e voltei para casa. Fiquei bastante tempo em casa, sem sair e levei um tempo para me adaptar.

Não via beleza no matrimônio’

Saí do convento com a ideia de que não me casaria. Já tinha 33 anos e, na minha cabeça, não daria certo. Conhecer alguém, noivar, casar, até ter filho… Iria ter quase 40 anos. Decidi cuidar dos meus sobrinhos e dos meus pais e ficar solteira.

Não via beleza no matrimônio e, como fiquei muito tempo no convento, achava que para buscar a santidade seria melhor solteira do que casada. Mas, ao conviver com amigas casadas, com filhos, comecei a ver que esse também era um caminho de santidade. É muito bonito: você gera filhos para Deus.

Comecei a me encantar e quis encurtar o tempo: já que passei a querer casar, queria namorar com alguém que eu já conhecia para economizar o tempo de conhecer alguém.

Tinha um amigo, da época em que eu me converti, que eu conhecia há mais de 13 anos. Então, praticamente cheguei falando que queria namorar com ele. Achei que daria certo porque ele também queria ser padre, mas desistiu. Ficamos três anos juntos e marcamos casamento três vezes.

Ele cancelou as três vezes —a última, no dia do casamento. Ele me ligou no dia, de manhã, pedindo para eu não ir ao cartório porque passaria vergonha, já que ele não conseguiria ir. Foi a última vez que falei com ele e nunca mais o vi.

Depois de quatro meses, conheci meu atual marido. Ele era uma pessoa muito ‘da igreja’, tínhamos muitos amigos em comum e frequentávamos os mesmos lugares. Nos conhecemos em 2018 e nos casamos em 2019.

Em seguida, engravidei e sofri um aborto, pouco antes de descobrir uma menopausa precoce. Estamos há cinco anos na fila da adoção. Antes disso, tentamos de várias formas naturais, porque a igreja não aceita FIV ou inseminação, nenhum método artificial.

‘São pessoas reais’

A espiritualidade carmelitana, para mim, é a mais linda de todas na Igreja, é muito rica espiritualmente. Vi muita santidade neste tempo todo em que fiquei no carmelo, de 2008 a 2014.

Tinha uma irmã que dizia: ‘carmelo não é caramelo’. É fácil, é tudo um céu? Não é. São pessoas reais que têm histórias de vidas diferentes, que vieram de lugares diferentes. É um monte de mulheres juntas, cada uma com um jeito, uma idade, uma vivência e uma história.

Tem dificuldades? Tem. Mas é uma oportunidade de você se santificar. Você se depara também com a sua pessoa, com a sua imagem real. Muitas vezes isso nos incomoda, é muito difícil olhar para si e ver como Deus te vê.

Hoje, continuo estudando, lendo as obras, e ainda tenho contato com algumas irmãs.”

Fonte: UOL

Fonte: Diário Do Brasil

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Ex-freira, ela deixou clausura e se casou: ‘Não sabia que existia WhatsApp’