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Com capacidade para abastecer 75 mil casas por ano, uma usina que transformará lixo em energia renovável deve começar a operar no primeiro trimestre de 2027 na Região Metropolitana de São Paulo. A Unidade de Recuperação Energética (URE) Barueri, em fase final de obras, é pioneira no Brasil e na América Latina ao usar tecnologia que queima, de forma controlada, resíduos sólidos urbanos (RSU).
O tratamento térmico em mass burn utilizado pelo empreendimento consiste em incinerar RSU em temperaturas acima de 850 °C. Esse processo, que envolve sistemas avançados de filtragem, evita contaminações, diminui a emissão de gases de efeito estufa e garante uma operação confiável e alinhada a padrões internacionais de saúde e meio ambiente, avalia o diretor de Engenharia do Grupo Orizon, Jorge Elias.
A URE Barueri, viabilizada por meio da parceria entre o Grupo e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), foi idealizada a partir de um leilão do Governo Federal e tem área de aproximadamente 37 mil m² –pouco mais de 5 campos de futebol. Ela terá capacidade instalada de 20 megawatts (MW), com exportação de 16 MW médios de forma estável.
Com isso, até 870 toneladas de resíduos sólidos urbanos poderão ser processados adequadamente por dia. “Quando olhamos hoje o cenário brasileiro, está muito em voga a questão das (usinas) eólicas e fotovoltaicas. É um tipo de geração de energia que eu gosto muito, mas que invariavelmente é intermitente. Isso causa uma flutuação nesse tipo de geração. A geração a partir de resíduos sólidos urbanos é despachável, programável e previsível”, explica Elias.
Além da redução do volume de lixo em aterros sanitários, outros benefícios incluem a diminuição do tráfego de caminhões e o reaproveitamento de cinzas da construção civil, diz o executivo.
A fase atual de obras do empreendimento é a de montagem dos equipamentos, iniciada em julho e prevista para terminar até setembro de 2026, com operação comercial prevista para o primeiro trimestre de 2027.
A empresa pretende expandir o modelo. No entanto, como a URE Barueri nasceu de uma parceria com a Prefeitura, a usina priorizará as demandas da cidade, que deverá enviar os resíduos depois de realizar uma triagem, separando material reciclável e o direcionando para cooperativas.
“A parte dos rejeitos da parcela orgânica passará, no momento em que a usina entrar em operação, a receber a totalidade dos resíduos sólidos do município de Barueri”, continua Elias. “Há diversos outros municípios que têm o interesse (na instalação de usinas similares) e eles serão muito bem-vindos, (…) mas sempre tendo como preferencial primeiro o tratamento térmico do resíduo de Barueri.”
“É uma solução de saneamento com geração de energia elétrica. Ela passa a entregar o benefício de volta para a sociedade em atendimento à saúde pública, interesses municipais e questões ambientais. A gente privilegia esse tipo de situação e agora, com a busca das prefeituras pela transição energética e de descarbonização do transporte público, um empreendimento como a URE também pode se transformar num hub interessante de abastecimento”, completa.
Energia de Resíduos
Líder no mundo no setor, a China tem capacidade total de incinerar aproximadamente 1 milhão de toneladas de resíduos por dia para transformá-los em energia. Na Europa, as usinas de recuperação energética trataram mais de 100 milhões de toneladas de RSU por ano, representando 26% do total.
Já a América Latina ainda não possui nenhuma usina do tipo em operação. No Brasil, o Ministério de Minas e Energia (MME) afirma acompanhar “com atenção” o desenvolvimento de tecnologias Waste-to-Energy (WtE — Lixo-para-Energia, em inglês) — ou seja, de tecnologias para tratar resíduos visando a recuperação energética na forma de calor, eletricidade ou combustíveis alternativos.
Ao Terra, a pasta disse que considera o potencial de contribuição do WtE “tanto para a diversificação da matriz elétrica nacional quanto para a gestão sustentável de resíduos”. “Essa alternativa se apresenta como uma fonte de transição e se insere no esforço do Governo Federal de promover uma transição energética justa, sustentável e inclusiva, em consonância com as diretrizes do Plano Nacional de Transição Energética (PNTE)”, argumenta o Ministério.
Para a Associação Brasileira de Energia de Resíduos (Abren), o modelo WtE é benéfico, mas o Brasil ainda está iniciando sua trajetória no setor. Além da URE Barueri, a Abren mapeou projetos bastante avançados na capital paulista, com previsão de entrada em operação em 2028, e em Mauá (SP), Seropédica (RJ), Brasília (DF) e Campinas (SP).
“Esses projetos marcam a transição de um modelo baseado em aterros para um sistema moderno, integrado à reciclagem, compostagem e valorização energética, exatamente como ocorre nos países líderes da economia circular”, afirma Yuri Schmitke, presidente da associação.
Segundo a associação, UREs podem ter papel decisivo na mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE), sobretudo do metano liberado pela decomposição de resíduos em aterros. Estudos da associação indicam que a expansão dessas usinas no Brasil para atender 49% da população pode evitar até 86 milhões de toneladas de CO₂ equivalente por ano, contribuindo diretamente para o Acordo de Paris e para o Plano Nacional sobre Mudança do Clima.
Os principais entraves para a expansão de usinas desse tipo estão no marco regulatório e na previsibilidade contratual. “Falta ao Brasil um mecanismo que viabilize a compra da energia gerada por UREs, semelhante ao que ocorre em países da União Europeia e na China”, continua, citando a aprovação de projetos de lei como o PNRE (PL 924/2022) e o Metano Zero (PL 3.311/2025) como necessários para criar segurança jurídica, atrair investimentos e acelerar o crescimento do setor.
Há também desafios institucionais, como a estruturação de parcerias público-privadas (PPPs) e concessões municipais, além de culturais, devido ao que a Abren chama de “desinformação sobre o funcionamento das usinas”: Por remeter às termelétricas convencionais, a expressão “queima de resíduos” assusta inicialmente.
“Cada URE é um polo de desenvolvimento regional. Além da energia limpa, gera empregos qualificados em engenharia, manutenção e operação, além de movimentar cadeias produtivas de equipamentos e construção civil. Os investimentos previstos até 2040 podem ultrapassar R$ 50 bilhões, com impacto direto na geração de renda, inovação tecnológica e fortalecimento da indústria nacional. Se atingido todo o potencial para atendimento das 28 regiões metropolitanas com mais de 1 milhão de habitantes (49% do RSU nacional), será possível gerar 200 mil empregos na cadeia de valor”, finaliza Schmitke.
Saldo positivo
Professor da Faculdade de Engenharia e Ciências do campus de Guaratinguetá da Universidade Estadual Paulista (Unesp), José Antônio Perrella Balestieri destaca que, embora apresente rendimento elétrico menor (em torno de 35 ou 40% menos, em unidades a vapor queimando carvão mineral) que as termelétricas tradicionais, o modelo WtE compensa pelo aproveitamento térmico (que, somado à eletricidade gerada, pode chegar a 85%), além do menor impacto ambiental.
“As pessoas ainda associam a palavra ‘incineração’ a processos antigos, altamente ineficientes e com produção de emissões atmosféricas altamente tóxicas, o que não é a atual realidade tecnológica. As centrais térmicas WtE são atualmente uma alternativa importante para a gestão dos resíduos sólidos urbanos, a tal ponto que as principais cidades classificadas como ‘sustentáveis’ ´possuem uma ou mais dessas unidades – Copenhagen, na Dinamarca, por exemplo, possui uma unidade, Paris, na França, possui três”, defende.
Questionado pela reportagem se há riscos desse modelo para populações vizinhas, caso sistemas de filtragem ou controle de poluentes falhem, o professor afirma não existir tecnologia humana isenta de riscos e que “qualquer aparelho ou máquina térmica que envolva combustão pode apresentar risco”. No entanto, “existem as malhas de controle, uma área altamente especializada da engenharia, que visa monitorar os processos e, na iminência de perturbações catastróficas, corrigir os rumos ou abortar o funcionamento”.
Para Balestieri, usinas como a URE, quando integradas a políticas de reciclagem e compostagem, reduzem drasticamente a dependência de aterros, otimizam o uso energético e representam uma solução concreta de transição para uma gestão de resíduos mais moderna e sustentável.
Fonte: Portal Terra
Fonte: Diário Do Brasil
