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Exame nacional redefinirá a entrada na medicina, mudará regras de avaliação das faculdades e poderá impactar a oferta de residências, criando um novo filtro profissional no país.
A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado aprovou, nesta quarta-feira (3), por 11 votos a 9, o projeto que cria o Exame Nacional de Proficiência em Medicina (Profimed) como condição obrigatória para que novos médicos obtenham registro nos conselhos regionais e possam atuar clinicamente no país.
A proposta ainda precisa de um segundo turno de votação na própria CAS para então seguir à Câmara dos Deputados.
O exame, apelidado de “OAB da Medicina”, será coordenado e aplicado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
A avaliação deverá ocorrer ao menos duas vezes por ano e terá como foco verificar competências profissionais e éticas, conhecimentos teóricos e habilidades clínicas mínimas para o exercício seguro da profissão.
Os resultados individuais serão sigilosos e enviados apenas aos ministérios da Educação e da Saúde, que poderão utilizá-los para fins regulatórios.
Segundo o texto em discussão, o modelo tomará como referência exames adotados em países como Canadá, Estados Unidos e Reino Unido, com ênfase em critérios objetivos e centrados na segurança do paciente.
A prova nacional passará a ser pré-requisito para a emissão do registro profissional, o número de CRM.
Formação médica e novas regras de avaliação
O projeto aprovado na CAS é um substitutivo apresentado pelo senador Dr. Hiran (PP-RR) ao PL 2.294/2024, de autoria do senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP).
A proposta não se limita a criar o Profimed; ela reorganiza instrumentos de avaliação ao longo da graduação em medicina.
O texto transforma em lei o Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed), hoje estruturado como programa do governo federal.
Estudantes do 4º ano de medicina passarão a fazer obrigatoriamente essa prova, sob coordenação do Ministério da Educação (MEC), com o objetivo de aferir a qualidade dos cursos e mapear deficiências na formação prática e teórica.
Já o Profimed, aplicado ao final da graduação, ficará a cargo do CFM.
A lógica defendida pelos conselhos é que o MEC seguiria responsável pela avaliação de estudantes e instituições, enquanto os conselhos profissionais teriam a atribuição de verificar se o egresso está apto a exercer a medicina.
A proposta também prevê que o desempenho agregado no Enamed e no Profimed possa servir de base para medidas de supervisão e eventual punição a cursos com resultados sistematicamente insatisfatórios.
Faculdades com alto índice de reprovação poderão ser alvo de ações do MEC, que vão desde planos de melhoria até restrição ou fechamento de vagas.
Outro ponto relevante é a previsão de que a aprovação no Profimed equivalerá à aprovação nas duas etapas do Revalida, exame usado para revalidar diplomas médicos obtidos no exterior.
A intenção é evitar duplicidade de exigências para quem já passou por uma prova nacional de proficiência.
Quem precisará fazer o Profimed
O texto estabelece que o Profimed será obrigatório para recém-formados em medicina que concluírem o curso após a entrada em vigor da lei.
Sem aprovação no exame, o médico não poderá obter registro para atendimento clínico.
A proposta dispensa da nova exigência dois grupos principais: médicos que já possuem inscrição ativa nos conselhos regionais e estudantes que ingressaram em seus cursos antes da vigência da lei.
Nesses casos, o exercício da profissão permanece condicionado às regras atuais.
Para quem se formar já sob o novo regime e não alcançar a nota de corte, o projeto cria a Inscrição de Egresso em Medicina (IEM).
Com esse registro específico, o profissional poderá exercer apenas atividades técnico-científicas, sem atendimento direto a pacientes e sempre sob supervisão.
Na prática, quem tiver a IEM poderá atuar, por exemplo, em pesquisa clínica, em áreas técnicas da indústria da saúde, em consultorias especializadas ou em funções de apoio em equipes de saúde, mas sem assumir a responsabilidade por consultas, prescrição de tratamentos ou procedimentos invasivos.
A comparação feita por representantes do CFM é com o direito.
No Direito, por exemplo, pessoas que não passam no exame da Ordem podem fazer concurso e atuar em alguns pontos de escritório.”
Residência médica e efeitos sobre as faculdades
O projeto também determina que os ministérios da Saúde e da Educação elaborem um plano conjunto para expansão das vagas de residência médica, com a meta de alcançar, até 2035, ao menos 0,75 vaga de residência para cada egresso do curso de medicina.
A ampliação, contudo, fica condicionada ao cumprimento de critérios mínimos de qualidade, como estrutura assistencial adequada e corpo docente qualificado nos serviços formadores.
Há ainda um reforço da competência da União para autorizar, credenciar e supervisionar cursos de medicina.
Em um cenário de forte expansão do número de escolas médicas no país, o desempenho das turmas no Enamed e no Profimed deverá funcionar como indicador objetivo para embasar decisões sobre abertura de vagas, renovação de reconhecimento e eventuais sanções a instituições com resultados persistentemente ruins.
Médicos ligados ao CFM, como o conselheiro Antônio Meira, argumentam que o exame pode servir como incentivo para que as faculdades revisem projetos pedagógicos, reforcem a formação prática e acompanhem com mais rigor o desempenho de seus egressos.
Em entrevistas, ele defende que altos índices de reprovação no Profimed evidenciarão falhas no ensino e pressionarão por melhorias internas.
Críticas ao modelo de prova única e à condução pelo CFM
Apesar da aprovação na CAS, o debate foi marcado por divergências.
Senadores de diferentes partidos concordaram com a necessidade de um padrão nacional de avaliação, mas questionaram a ideia de concentrar a decisão sobre o futuro profissional do egresso em uma única prova ao fim do curso.
Parlamentares também manifestaram preocupação com o fato de o exame ser conduzido pelo CFM, e não pelo MEC.
Críticos argumentam que a avaliação de egressos deveria permanecer dentro da estrutura educacional do Estado, sob coordenação do ministério responsável pela política de ensino superior.
No entendimento da maioria da CAS, porém, prevaleceu o modelo que separa atribuições: MEC avalia cursos e estudantes durante a graduação, enquanto o CFM verifica a habilitação para o exercício profissional.
Outra crítica recorrente diz respeito à possibilidade de o exame acentuar desigualdades entre estudantes de diferentes contextos socioeconômicos.
A preocupação é que quem tenha mais recursos consiga investir em cursos preparatórios específicos, o que poderia ampliar a distância entre egressos de instituições públicas e privadas de menor estrutura.
Integrantes do CFM respondem que uma boa formação ao longo dos seis anos de curso deve ser suficiente para garantir o desempenho mínimo exigido.
Como será o Profimed e qual a justificativa do CFM
O formato final do Profimed ainda não está definido.
Um grupo técnico, com participação prevista do MEC, do Ministério da Saúde e de entidades médicas, trabalha no desenho da avaliação.
A intenção anunciada é construir um exame com questões claras, critérios objetivos e componentes práticos que permitam aferir habilidades essenciais para o atendimento em situações clínicas comuns e de emergência.
O CFM afirma que estudou modelos usados em países como Canadá, Estados Unidos e Inglaterra, onde avaliações nacionais de egressos são conduzidas por órgãos independentes das universidades.
A defesa central é que o Brasil vive uma expansão rápida e desigual de cursos de medicina, muitas vezes sem campo de prática adequado, com corpo docente insuficiente ou estrutura incompatível com o número de vagas.
Para a entidade, o Profimed funcionaria como um filtro para garantir um padrão mínimo de qualidade na formação médica e, ao mesmo tempo, como mecanismo de proteção ao paciente.
Isso tudo suscita um debate maior: o exame obrigatório elevará a segurança do atendimento médico ou criará uma nova barreira para quem está concluindo a graduação?
com informações de Clickpetroleoegas
Fonte: Diário Do Brasil
