Todas as emoções são, em essência, impulsos para uma ação imediata. A própria raiz da palavra “emoção” é do latim “movere” – mover – acrescida do prefixo “e” – que denota “afastar-se”; o que indica que em qualquer emoção, a ação imediata fica bem clara. É exatamente aí que mora o perigo. As emoções podem destruir aquilo que, cuidadosamente foi edificado ao longo de anos. Equalizar as emoções e fazê-las “dialogar com a razão” em momentos críticos, é desafio para o homem e a mulher cada vez mais sobrecarregados com suas demandas do tempo que chamamos de Era da Modernidade Líquida.
Algumas empresas japonesas, compreenderam que aquilo que conhecemos por inteligência não se resume à intelectualidade ou à gama de conhecimentos que adquirimos ao longo da carreira profissional. Quando da seleção de executivos, procuram informações junto aos familiares, vizinhos e cônjuges sobre o comportamento dos candidatos, com a devida autorização do pretendente.
“Algo o deixa pessimista com frequência?”
“Você já o viu irritado? O que ele costuma dizer na hora da raiva?”
“Qual o nível de resiliência ao enfrentar oposições?”
Essas e outras perguntas são relevantes quando se trata da prerrogativa de contratar alguém para agregar uma equipe de trabalho. Quando ministramos o Curso Negócios à Luz da Bíblia, um dos estudos de caso trabalha a discussão de um empresário com sua esposa, quando do processo de seleção do novo gerente de produção. Ele segurava nas mãos o currículo do candidato a vaga, encantado pela boa formação e pela carreira descritas historiadas no papel. Ela, por sua vez, insistia no fato de que não se sentia em paz com algumas respostas um tanto “narcisistas” ao longo da entrevista. Por fim o gerente foi contratado em razão da sua excelente capacidade acadêmica, mas seis meses depois, toda a equipe de trabalho estava desarticulada em consequência das dificuldades de conviver com um líder arrogante e indomavelmente crítico. Alguns bons colaboradores deixaram a empresa e os prejuízos morais e financeiros foram evidentes. Sendo assim, por questões lógicas, entendemos que a inteligência não é subproduto de conhecimento unicamente, mas de sabedoria, isto é, o uso coerente do conhecimento para o viver bem. Isso inclui a gama das emoções, visto que elas são determinantes para nossos relacionamentos. Estatísticas recentes mostraram que o maior percentual de demissões nas empresas de todo o mundo, não se registra devido a incapacidade técnica, mas à dificuldade de lidar com emoções. Fato é que a faculdade nos prepara para aplicar conhecimento mas não para administrar conflitos.
Quem com maestria desenvolveu o conceito de Inteligência Emocional, foi o psicólogo e jornalista Daniel Goleman, há cerca de duas décadas, como sendo “a capacidade de identificar nossos próprios sentimentos e dos outros, de nos motivarmos e gerirmos os impulsos dentro de nós e em nossos relacionamentos”.
Um dos conceitos desenvolvidos por Goleman diz respeito à existência das duas mentes – a mente emocional (que sente) e a mente racional (que raciocina) – bem como o desafio de nivelar ambas. Quem consegue homogeneizá-las, tem melhor sociabilidade e reúne maior capacidade para liderança. Creio que muitas descobertas científicas reafirmam conceitos bíblicos milenares que os cristãos já conhecem.
Pois bem, procurei dar alguns lampejos ligados ao mundo corporativo, mas, penso que em todas as demais faces da vida há uma crescente necessidade daquilo há dois mil e quinhentos anos atrás, a filosofia chamava de “temperança”. Trata-se da capacidade de gerenciar os próprios sentimentos e isso não é inato, é resultado de “treinamento” ao longo da vida. É o que Paulo identifica como “domínio próprio”. A psicologia aponta quatro elementos a serem desenvolvidos simultaneamente, na busca pela inteligência emocional.
Autoconsciência
É a capacidade de reconhecer as maneiras pelas quais suas emoções afetam seu comportamento e como você interage com outras pessoas. Trata-se de avaliar a si mesmo. Por exemplo, muitos são conhecidos por sua “personalidade forte”. Têm reações exageradas, são impacientes e encontram motivos para discutir o tempo todo. Geralmente, quando estamos perto de uma pessoa assim, acabamos sentindo receio de dizer qualquer coisa, porque tudo pode ser um motivo para explodirem. É comum que essas pessoas acreditem que essa irritabilidade é apenas um traço de personalidade, sem perceber que sofrem de descontrole emocional. Talvez nunca fizeram uma avaliação das razões mais primárias das suas atitudes. Alguns ainda dizem: “Sempre fui assim, já sou velho demais para mudar.” Precisamos desenvolver a autoconsciência de quem somos para que não sejamos o inferno do outro. “O equilíbrio ou o desequilíbrio vem de dentro de cada um. Então, somos responsáveis pelos infernos ou paraísos que criamos”, é o que escreveu a comunicadora Adria N. Riedo. A Inteligência Emocional passa pelo viés do autoconhecimento. Quais são as áreas mais frágeis do meu temperamento? Quais as emoções afloram com maior rapidez? O que frequentemente me tira do controle? A famosa frase “conheça-te a ti mesmo”, atribuída ao filósofo Sócrates, que viveu mais de 400 anos antes de Cristo, parece ser relevante neste contexto. Lembro-me de um amigo pastor que estudou muito acerca da depressão, em decorrência dos estudos que ministrava e da agenda de aconselhamentos. Em determinada época, após sofrer perdas e desencantos, começou a sentir sinais de depressão. Acontece que ele identificou os sintomas e sabendo de sua condição, foi questionando os pensamentos pessimistas, investindo tempo em exercícios físicos, procurando administrar estresse e relaxamento, até que seis meses de tratamento se passassem com sucesso. O médico que cuidou, ficou admirado com a rapidez da recuperação e atribuiu parte do sucesso ao fato de o pastor conhecer sua fragilidade emocional e estabelecer salvaguardas exatamente nas áreas mais críticas. O conhecimento das suas emoções e os respectivos limiares, foi a sua salvação.
Autogestão
Trata-se de assumir o controle das emoções, para ter equilíbrio. O problema não é a emoção, mesmo porque todas as emoções são legítimas na dose adequada. A propósito, o estudo, publicado em agosto de 2017, na revista científica “Proceedings of the National Academy of Sciences”, concluiu que podemos ter vinte e sete emoções distintas. Deus nos formou com todas elas. Aliás, as emoções têm a função de nos proteger de episódios danosos. Alguém equilibrado emocionalmente é aquele que experimenta a emoção apropriada para a situação que está passando”, diz Roberto Banaco, doutor em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). O problema seria então, a perda do controle de uma situação em face a qualquer emoção “mal dosada”. Para os cristãos, a “temperantia”, temperança, expressa a contenção de excessos, portanto o objetivo da inteligência emocional é o equilíbrio e não a supressão das emoções. Uma vida sem paixões e emoções seria um deserto de neutralidade, ao passo que uma vida com emoções descontroladas seria uma inundação com frenéticos redemoinhos. Um bom treinamento para o gerenciamento das suas emoções é acompanhar uma discussão política polarizada num grupo de whatsapp e se controlar de forma que o dedo indicador não dispare teclando respostas prontas e tensionadoras. Escrevendo aos crentes da Galáxia, Paulo descreve o domínio emocional como sendo um desdobramento da plenitude do Espírito Santo: “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio.” (Ga 5:22,23).
Consciência social
É a compreensão do seu entorno social, inferindo os sentimentos de outras pessoas também. Por exemplo, o egoísta defende suas razões a qualquer preço, mesmo que sua teimosia sacrifique seus melhores relacionamentos. Numa determinada ocasião, aconselhando um casal em crise aguda, observei que era impossível tentar acalmá-los. Veio-me à mente uma pergunta e de lá para cá, seguidamente a utilizo: “Afinal, vocês querem ganhar na razão ou na relação? Ganhar nos dois âmbitos é impossível.” Eles frearam os ataques e repensaram. Isso é consciência social. Sobre isso Paulo, o apóstolo, diz: “Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros.” (Fl 2:3,4). Um excelente exercício prático é tentar, numa discussão, mentalmente trocar de lugar com o seu interlocutor, procurando encarnar sua pessoa, suas emoções e seu ponto de vista. Nas sessões de terapia familiar, denominamos esta dinâmica de troca de cadeira. Em muitas ocasiões, ao longo de reuniões e discussões, precisamos mentalmente trocar as cadeiras.
Gestão de relacionamento
Trata-se da capacidade de se comunicar com eficácia, se relacionar com as pessoas e interagir bem. E diria que seria o ápice do treinamento das emoções. É o cartão de visitas de um homem ou uma mulher equilibrado. Ora, se as emoções desarmônicas destroem relações, esperamos que as emoções comedidas construam relacionamentos saudáveis. Salomão escreveu: “Uma palavra dita a seu tempo é como maçãs de ouro em bandejas de prata.” (Pv 25:11). Cabe lembrar que na gestão de relacionamento estão as palavras certas na hora certa, bem como o silêncio na dose certa e na hora exata. Estão as atitudes certas, na hora certa, para com as pessoas certas.
Concluindo …
As estatísticas mostram que a saúde física, a qualidade de vida e a longevidade estão vinculadas ao padrão de controle sobre as emoções. Neste viés, o Dr. Redford Williams, da Universidade Duke, concluiu, a partir de estudos que pessoas com dificuldade de controlar o rancor, morreriam por volta dos cinquenta anos de idade. Outro estudo provou que homens num casamento tóxico, onde há discussões constantes, entram no grupo de risco de doenças cardiovasculares. Pois bem, voltando `as Escrituras, quando da vocação de Moisés, quarenta anos depois do ato de “desequilíbrio emocional” quando matou o egípcio, o texto de Nm 12.3 relata: “Ora, Moisés era homem mui manso, mais do que todos os homens que havia sobre a terra.” A tradução King James registra: “Ora, Moisés era um homem muito paciente e o mais humilde dos homens de sua época.” Uma tradução livre para os termos: manso, paciente e humilde, neste contexto, seria “aquele que domina suas emoções, relaciona-se com excelência, sem perder a firmeza”. O sábio escritor de Provérbios, por sua vez, deixa-nos quatro versos relacionando o domínio próprio à sabedoria de vida. Um deles me capta a atenção: “Melhor é o homem paciente do que o guerreiro, mais vale controlar o seu espírito do que conquistar uma cidade.” (Pv 16.32). Que Deus nos dê inteligência emocional em tempos de destempero social.
*Rev. Marcos Kopeska Paraizo
Pastor da 3ª IPI de Marília, Terapeuta Familiar Sistêmico, Capelão da PM SP