Especialista explica a importância da preservação da fertilidade como parte da conduta de cuidados oncológicos
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o Brasil deve registrar 625 mil novos casos de câncer em 2021, sendo que pouco mais da metade deles, 316.280, afetarão o gênero feminino. Além disso, o levantamentos globais vêm apontando para o aumento ano a ano dos casos de câncer, sendo o de mama o mais incidente nesta parcela da população e que assumiu em 2020, segundo a Organização Mundial da Saúde, o topo do ranking das neoplasias malignas mais comuns em todo o mundo – por aqui, mais de 66 mil mulheres receberão o diagnóstico da doença.
E é diante deste cenário desafiador para a medicina que uma outra realidade se apresenta: a progressão contínua dos diagnósticos de câncer aumenta também os índices entre pessoas jovens. Estima-se que em torno de 7% dos casos de câncer de mama atinjam mulheres abaixo dos 40 anos no mundo – uma descoberta que para muitas destas mulheres representa um impacto severo que vai além do tumor em si, e impacta diretamente as suas perspectivas de futuras chances de gravidez. A crença, segundo especialistas, não é necessariamente uma realidade e, atualmente, uma nova área médica que busca preservar a fertilidade de pessoas que vivem ou viveram com a doença, cresce no país e no mundo. Trata-se da oncofertilidade.
A especialidade conecta a oncologia à medicina reprodutiva, com o objetivo de preservar a fertilidade de pacientes, como explica Michelle Samora, oncologista do CPO Oncoclínicas. “No Brasil, cerca de 19% dos casos novos de câncer em mulheres ocorrem em pacientes de até 44 anos de idade e 21% até os 49 anos, período considerado fértil para cerca de 90% das mulheres. Na faixa etária de 20 a 39 anos, alguns dos tumores mais incidentes são câncer de mama, colo uterino e ovário, todos os que podem afetar a fertilidade”.
Homens também podem sofrer em tratamentos de câncer, por exemplo, na próstata e testículos, mas, em geral, a preocupação e as consequências na fertilidade tendem a ser maiores em relação às mulheres, inclusive por conta da gestação.
“Sabemos que todos os pacientes em idade reprodutiva podem ter a sua fertilidade comprometida, seja pelo tratamento cirúrgico, por tumor de ovário, de testículos ou através da quimioterapia em si. Qualquer tratamento oncológico pode influenciar na incidência de infertilidade do paciente”, afirma a médica.
Debate sobre fertilidade não deve ser ignorado
De fato, Michelle Samora conta que alguns tratamentos indicados para combate ao câncer podem afetar de alguma forma a fertilidade, provocando sintomas como menopausa precoce e dificultando a gravidez. No entanto, o maior entrave ainda está no impacto psicológico que este risco gera entre pacientes.
Dra. Michelle explica que 10% das mulheres com menos de 30 anos vão ter infertilidade após o tratamento do tumor. Já acima dos 40 anos, o problema pode afetar cerca de ⅓ das pacientes. “É muito importante salientar que a questão da fertilidade precisa ser conversada antes, durante e após todo o processo de combate ao câncer entre médico e paciente. Além da preservação dos óvulos pré tratamento, vale ressaltar que superado um câncer, as mulheres podem engravidar. Com algumas delas, isso acontecerá naturalmente e outras precisarão recorrer à fertilização em laboratório. De toda forma, a gravidez não aumenta a reincidência ou surgimento de um novo câncer futuro. Este é um dos mitos sobre a doença que precisamos esclarecer”, ressalta.
A falta de conhecimento é comum e uma das principais barreiras para as mulheres que buscam ajuda, aponta a Dra. Michelle, já que a oncofertilidade ainda é uma área nova e pouca conhecida dentro da medicina.
“A confiança com os médicos é fundamental nesses casos. Muitas sobreviventes do câncer têm a fertilidade como uma das principais preocupações e são mal informadas, acreditando que não poderão mais engravidar, o que nem sempre é verdade”, comenta.
Tipos de Tratamento
Há diversos tipos de tratamentos para preservar a fertilidade. Um deles é a criopreservação de embriões, que consiste na conservação de células por meio de processo de resfriamento e manutenção a cerca de 190°C negativos. Em temperaturas tão baixas, não há atividade metabólica e as células encontram-se em estado de suspensão de suas reações químicas. “O princípio básico da criopreservação é o de manutenção da viabilidade e da função celular após o descongelamento. Neste método, há a criopreservação de embriões”, explica a especialista do CPO.
O método citado por Michelle Samora, popularmente chamado de congelamento de embrião, tem se tornado um aliado para as mulheres que foram diagnosticadas com câncer, mas ainda sonham em ser mãe após o tratamento.
Outro caso é a criopreservação de ovócitos, que dará origem ao óvulo feminino. A técnica, conforme explica a especialista, tem a vantagem de eliminar a necessidade de um parceiro ou sêmen de doador, o que promove a autonomia reprodutiva feminina.
Uma outra alternativa, ainda experimental, seria o transplante de tecido ovariano. E há ainda a transposição do ovário, que desloca os ovários do campo de incidência da radioterapia, usualmente acima da cavidade pélvica. Este método é utilizado nos casos, por exemplo, de câncer de colo de útero.
De todos eles, o mais importante, destaca Michelle Samora, é mesmo que a mulher se informe e busque as principais alternativas para as suas condições, com médicos de confiança. “Fundamental é mesmo saber que o câncer não é mais necessariamente um impeditivo no destino das mulheres que querem engravidar”.