por Marcos Kopeska
É comum os que sofrem a perda de queridos questionarem a morte sob padrões de justiça: “Não é justo! Morrer tão jovem!” ou “Ele era tão bom! Por que justamente ele?” Na verdade a morte não é justa nem injusta. Ela simplesmente é. Nossa objeção é contra o momento em que a morte aconteceu e contra o fato de que esta perda envolveu a nós “Por que eu? Por que agora?…” Charlie Walton, escritor e terapeuta, diz que por este prisma necessitaríamos de uma escala de sofrimento como a que mede terremotos, para podermos dizer: Sua tragédia mediu quatro ponto/nove na escala sofrimento, mas a minha foi seis ponto/dois. Poderíamos dizer: “Uma experiência de dor de dois ponto/um é justa, mas qualquer coisa acima disso é injusta” – a não ser que você seja realmente mau! No entanto, creio que a busca de elementos de justiça ou injustiça quanto à morte aumenta o sofrimento e pode perpetuar rancores ao longo da vida. Por outro lado, a vida nem sempre é justa, mas sempre é a vida. Uma etapa da vida terminou prematuramente, mas terminou. Neste contexto, quando a perda é repentina, a família enlutada tem a tendência, quase que instintiva, de alimentar com mais vigor a cólera. É uma forma de protestar contra os fatos, projetando a culpa. Aí se trata de uma etapa do luto que chamamos de Estágio da Ira, ou Etapa da Raiva, quando os enlutados tendem direcioar a ira pelo sofrimento a algo ou alguém. Projetam a culpa sobre um médico, sobre o causador do acidente, sobre o hospital ou sobre o sistema de saúde. É o pensamento de que “Alguém precisa pagar por isso!” Entre o povo Dani, tribo que habita no interior da Papua, e que ainda cultiva costumes milenares, quando as mulheres ficam viúvas devem passar por um rito impressionante: a amputação das falanges dos dedos das mãos. Recentemente a prática foi proibida pelas autoridades, mas é comum se ver, nos povoados que ladeiam o Rio Baliem, mulheres com partes dos dedos amputados. Os polegares, no entanto, nunca são cortados. Sem eles a mulher não conseguiria mais desempenhar nenhum trabalho, nem em casa nem no campo. O ritual parece ser uma forma de a sociedade eleger um culpado para a perda.
Mas a situaçao tende a inspirar cuidados quando há um sentimento interiorizado de culpa pela perda. Quando o enlutado traz sobre seus ombros a responsabilidade. Algumas expressões são muito características:
“Eu poderia ter feito algo mais para evitar.”
“Eu poderia ter dado mais atenção…”
“Eu não dei a devida importância quando ele reclamou da dor…”
“Eu deveria tê-lo proibido de sair de moto naquela noite.”
“Eu não o segurei em casa com energia e ele foi ao churrasco na chácara e voltou contaminado.”
FormaEste sentimento, na maioria das vezes, é infundado. Algumas reflexões que nos ajudam a aliviar a culpa – se for esse o caso. 1) Existem circunstâncias em que todos fizeram absolutamente tudo o que poderia ser feito pela preservação da vida, portanto o deixar o coração ser tomado pela avalanche de “se eu…” apenas potencializa o sofrimento daqueles que ficam. 2) Ao longo da existência temos ganhos e perdas, e ninguém, absolutamente, passará pela vida apenas ganhando. Não poderemos perpetuar a vida e sempre sentimos que algo ficou para trás sem ser realizado. O último beijo que não foi dado, o último abraço que faltou, o pedido de perdão que não foi verbalizado,… No entanto, considerando o quadro maior da vida, podemos dizer que faltaram minúsculos detalhes do retoque final que não alteram a tela inteira de amor, convívio e afeto. 3) É importante lembrarmo-nos da soberania de Deus. Logo após a terrível perda dos filhos, Jó adorou a Deus: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o Senhor o deu, e o Senhor tomou; bendito seja o nome do Senhor.” (Jó 1.21) Ele poderia elencar razões para culpar a Deus, a si mesmo ou a circunstância, mas não o fez. Sendo assim, preserve seu coração do sentimento de culpa. Não se auto-eleja culpado. Que Deus nos abençoe!
*Marcos Kopeska é bacharel em Teologia, pós-graduado em Terapia Familiar Sistêmica, pastor da 3ª IPI de Marília e escritor.