Ligar o aparelho de rádio e conhecer novos artistas que estão despontando na música popular brasileira. Ou, quem sabe, rir um pouco de esquetes que lembram o cotidiano – ou até se assustar com histórias sobrenaturais? Desde seus primórdios, as rádios do Brasil surgiram como opção de entretenimento para os ouvintes, que, através dos aparelhos, sentiam-se próximos de apresentadores e artistas.
A música esteve sempre presente, embora no início fosse voltada para públicos mais abastados. Mas, na década de 1930, um vendedor de aparelhos de rádios mudou a forma de se fazer o veículo. Ademar Casé morava no Rio de Janeiro e teve uma ideia para se destacar nas vendas dos aparelhos da Phillips: deixá-los na casa dos ouvintes por alguns dias, para que os moradores testassem. Quando ele voltava para buscar, encontrava novos fãs do meio de comunicação. Assim, bateu recordes e propôs uma ideia: comprar um horário para ter seu próprio programa na emissora do grupo.
Influenciado pelas transmissões de emissoras do exterior que ouvia em um aparelho de ondas curtas, Casé construiu o primeiro programa moderno de rádio no Brasil. “O Programa Casé tinha música, poesia, humor e informação”, relembra o jornalista Rafael Casé, neto de Ademar e autor do livro Programa Casé – o rádio começou aqui.
Casé foi pioneiro em jingles. Um dos mais famosos foi o do pão Bragança: “Oh, padeiro desta rua/ Tenha sempre na lembrança/ Não me traga outro pão/ Que não seja o pão Bragança”. A composição, de Antônio Gabriel Nássara, alavancou as vendas na padaria e abriu o caminho para a publicidade no rádio. “O aporte financeiro da publicidade faz com que a rádio consiga se profissionalizar”, afirma a pesquisadora e jornalista Magaly Prado, autora do livro Histórias do rádio no Brasil.
O comunicador também foi precursor no pagamento de cachê dos artistas para que tocassem com exclusividade no programa, prática que deu visibilidade nacional a cantores como Noel Rosa e Dorival Caymmi. Quem também surge no programa é Almirante – alcunha de Henrique Foreis Domingues, apresentado como o dono da “mais alta patente do rádio”. Almirante tornou-se um dos radialistas mais respeitados da história do rádio, principalmente pelo conhecimento musical.
Quando entrou no ar, em 1932, o Programa Casé ficava quatro horas no ar – mas chegou a ter até 12 horas de duração. A atração passou por várias emissoras além da Phillips, como a Mayrink Veiga, a Sociedade do Rio de Janeiro, Transmissora e Tupi, e terminou somente com a chegada da TV.
Os novos talentos
Com mais aporte financeiro, as rádios podiam investir em programas como os de auditório, que colocava os ouvintes dentro das emissoras durante as irradiações. Além de apresentações com cantores já famosos, como Emilinha Borba, Marlene e Dalva de Oliveira, esse formato trazia para os palcos dramaturgia, show de calouros, jogos de perguntas e respostas e outras atrações.
Nomes como Ary Barroso, Renato Murce, César de Alencar e Paulo Gracindo se consagraram no comando desses programas. O público fazia fila para assistir a cantores e orquestras, outro tipo de atração bastante popular. Ir aos auditórios se tornou um evento para a sociedade da época.
Papel Carbono, de Murce, e Calouros em Desfile, de Barroso, revelaram inúmeros talentos. Esses e outros programas tinham o necessário para quem desejava ser uma Carmen Miranda ou um Francisco Alves: um palco com microfone e orquestra, e o público para aprovar ou enterrar de vez o caminho para o estrelato.
Essa época de ouro na rádio teve o apogeu nas décadas de 1940 e 1950. Os programas de auditório eram a maneira mais comum de ver grandes artistas de perto, e por isso, os fãs se mobilizavam em caravanas, que partiam de todas as partes do país. Mas não foram apenas os cantores que ganharam fama com as emissoras de rádio.
Drama e humor
As histórias de mocinhas e mocinhos que enfrentam obstáculos para viverem o “felizes para sempre” deram o tom da dramaturgia nas rádios. Obras como O direito de nascer, Em busca da felicidade e outros romances ficaram no imaginário dos ouvintes. Mas as histórias radiofônicas foram além dos amores proibidos.
Ator Paulo Gracindo no ensaio no Teatro da Rádio Nacional, em agosto de 1956.
Ator Paulo Gracindo no ensaio no Teatro da Rádio Nacional, em agosto de 1956. – Acervo EBC / Direitos Reservados
“Quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos? O Sombra sabe”, com essa frase, Saint-Clair Lopes chegava às casas dos ouvintes da Rádio Nacional na figura de um herói que ficava invisível para solucionar crimes.
Relembre “O Sombra”, popular seriado dos anos 1940 da Nacional:
O suspense, que ganhou audiência cativa na década de 1940, voltou a ganhar fôlego com o Teatro de Mistério, série de radiodramaturgia que marcou as décadas de 1950 a 1970, escrita pelo português Hélio do Soveral Os efeitos sonoros ajudam a criar o clima misterioso. “Tudo que é muito emocionante vai atrair o ouvinte”, explica Magaly Prado.
O radioteatro mergulhou também em adaptações. Diferentes das radionovelas, eram tramas que se desenvolviam sem a necessidade de vários episódios para contar a história – entre elas, as de humor.
O riso na rádio vem de longa data: já na década de 1930, humoristas estavam presentes no veículo, com histórias que retratavam fatos engraçados do cotidiano. Mas o humor na rádio se consolidou quando um programa fez o público rir do próprio veículo.
Uma rádio clandestina, que satirizava programas de calouros, atores e cantores,. Era essa a proposta de um dos mais famosos humorísticos, o PRK-30. Seu nome original, PRK-20, fazia uma sátira aos antigos prefixos de rádio e passava na programação da Rádio Clube. Mas, ao mudar para a Nacional, precisou mudar de nome por conta dos direitos autorais. As histórias de Lauro Borges e Castro Barbosa também foram veiculadas na Mayrink Veiga e chegaram a São Paulo, pelas ondas da Record.
Outro sucesso na rádio foi o Edifício Balança, mas não cai, que mostrava o dia a dia dos moradores de um prédio – entre eles, o Primo Rico e o Primo Pobre, interpretados por Paulo Gracindo e Brandão Filho. Já Cenas escolares, de Renato Murce, inaugurou um formato de sucesso na história do humor brasileiro: a comédia em sala de aula, com interação entre professor e alunos.
Imitações sempre fizeram parte dos humorísticos, que ganharam uma roupagem diferente com o passar dos anos. Nas últimas décadas, grupos como Café com Bobagem e Sobrinhos do Ataíde deram o tom do humor radiofônico. A interação com o público por meio de telefone e até pela internet cresceu e os ouvintes acabaram se tornando parte das piadas.
Música e informação
A partir da chegada da TV no Brasil, na década de 1950, os programas migraram para a telinha e as verbas publicitárias diminuíram. Para se adaptarem aos novos tempos, a rádio focou cada vez mais em música e informação.
As “paradas de sucesso” se popularizaram com as músicas mais tocadas no Brasil. O público manteve a participação, seja pedindo uma canção especial ou concorrendo a brindes, como ingressos de shows. Rádios de gêneros musicais foram criadas, com a Cidade no Rio de Janeiro e a Kiss FM em São Paulo, atraindo fãs específicos. A música internacional ganhou força.
Já nos anos 2000, com a internet chegando a mais lares, o veículo precisou se reinventar mais uma vez. As webrádios trouxeram uma nova relação com o público, que passa a acessar as emissoras de todo mundo, na hora que quiser, e democratiza a produção de rádio. Sem falar nos podcasts, com os temas mais variados possíveis.