No calendário sobre à escrivaninha, já posso ver o mês de fevereiro todo festivo, pedindo passagem e anunciando a presença do carnaval, este ano, no próximo dia 21 de fevereiro, na tradicional terça-feira. Na loja de departamentos, no calçadão central da cidade, em que Carolina trabalha, toda loja foi decorada com adornos carnavalescos. Vestindo nas mais diversas e inúmeras fantasias, todos os manequins da secção de roupas masculinas e femininas.
Uma semana antes do carnaval, a gerente Marisa, informou as funcionárias (os) que estavam autorizados a trabalharem com roupas alusivas, à tradicional festa popular, incluindo todo tipo de adereços carnavalescos. Mesmo não aprovando muito a ideia, para um ambiente de trabalho, Carolina acabou cedendo e aderindo ao uso de uma fantasia de cigana pós-moderna, com direito a uma saia estampada, blusa decotada, colares, brincos e um adorno de flores na cabeça.
Na segunda-feira, que antecede o dia de carnaval, um bloco de rua, acompanhado por uma banda e seus instrumentos de percussão, adentrou ao calçadão, cantarolando a marchinha “Cigana”, de autoria de Juno, Maurício Gasperini, Rick Ferreira – Um dia uma cigana leu a minha mão. Falou que o destino do meu coração. Daria muitas voltas, mas ia encontrar você. Eu confesso que na hora duvidei. Lembrei de quantas vezes eu acreditei. Mas não dava certo, não era pra acontecer. Foi só você chegar pra me convencer. Que estava escrito nas estrelas. Que eu ia te conhecer. Foi só você me olhar, que eu me apaixonei…
Algumas pessoas paradas em frente às lojas, apenas olhavam, enquanto outras mais animadas, passaram a seguir o bloco carnavalesco. Ao passarem em frente à loja em que Carolina trabalhava, um rapaz moreno, bonito, risonho, com um cabelo no estilo black power, exclamou – Vem brincar com a gente ciganinha! Não posso! Respondeu Carolina. Estou trabalhando! O tal rapaz estiloso, ainda insistiu – O trabalho pode esperar, mas o carnaval são só três dias. O bloco continuou passando e levando consigo, o pouco movimento das lojas, sem a adesão da ciganinha.
Na terça-feira de carnaval, Carolina acordou ouvindo a marchinha “Chuva, Suor e Cerveja”, de autoria de Caetano Veloso – Não se perca de mim. Não se esqueça de mim. Não desapareça. Que a chuva tá caindo. E quando a chuva começa. Eu acabo perdendo a cabeça… Curiosa, Carolina saiu na janela do terceiro andar do seu apartamento e deparou-se com um bloco de rua, descendo à rua em meio à um chuvisqueiro. Olhando atentamente para as fantasias dos componentes do bloco, percebeu que não eram estranhos.
Para sua surpresa, o mesmo rapaz que à tinha abordado no dia anterior, na porta da loja, curiosamente olhou para cima e à reconheceu, ao avistá-la na janela. Hoje não têm trabalho! Hoje não têm desculpas! Chega de dormir! Vêm brincar com a gente ciganinha! Toda eufórica, diante de um reiterado convite, Carolina não pensou duas vezes – Você me convenceu! Vou colocar a fantasia de cigana, que usei durante a semana e descer. Espera! Não vou me demorar! No clima do carnaval, toda ornamentada, na frente do condomínio em que morava, não foi preciso esperar muito tempo, pelo rapaz que à abordou na janela.
De forma inesperada, o avistou saindo do bloco todo eufórico e fogoso, vindo em sua direção. Com olhar de quem tinha sido arrebatado por uma paixão de carnaval, exclamou – Qual é o seu nome ciganinha? Carolina! E o seu? Carlitos! Olha só, respondeu o rapaz todo animado – Até no nome a gente combina! E cantarolando de improviso, de forma poética, declarou – Vêm comigo Carolina! Minha bela ciganinha! Vai dizendo por favor! Carolina, Carolina! Que você também se apaixonou!
A jovem Carolina abriu um sorriso e saíram de mãos dadas, em direção ao bloco carnavalesco, que desapareceu na quebrada da esquina, cantarolando a marchinha “Balancê”, de autoria de Braguinha & Alberto Ribeiro – Ô balancê, balancê. Quero brincar com você. Entra na roda, morena, pra ver. Ô balancê, balancê. Quando por mim você passa. Fingindo que não me vê. Meu coração quase se despedaça. No balancê, balancê… Partindo em busca da felicidade, lá se foi Carolina, sem previsão, por mais otimista que fosse, à que horas voltaria daquela terça-feira de carnaval.
Como saber, se retornaria sozinha ou com Carlitos, na condição de amigos ou namorados. Uma incógnita, diante das letras das marchinhas carnavalescas, que costumam rotular o amor de carnaval, como apenas nuvens passageiras. Mas, sem precisar consultar o tarô, ao cair da madrugada, surgem os dois, com ares de apaixonados, abraçadinhos e felizes, envoltos em confetes e serpentinas. Se o romance perdurará, ou se restará apenas recordações, nem mesmo os “deuses do carnaval” vão conseguir prever.
De certo mesmo, para separá-los na quarta-feira de cinzas, apenas a fantasia, brincos, colares, pulseiras e braceletes. Quanto à máscara, um dos principais e tradicionais símbolo do carnaval, se vai dar lugar à realidade do dia a dia, só o tempo vai poder dizer.
Carlos R. Ticiano é advogado, romancista e colunista.