As palavras vêm como o vento e nos tocam. Nunca sabemos sua direção e como reagiremos a elas. Às vezes, são apenas brisas, palavras mansas; em outras, elas vêm como furacões capazes de nos arrancarem do chão. Há também aquelas palavras murmuradas, como lamentações ou ladainhas. Fato é que somos tocados por palavras, mesmo no silêncio. Quantas vezes já nos deparamos na vida com a eloquência dos mortos em enterros e velórios? Eles nos dizem muito sobre o que não sabemos, porém, de alguma forma, somos capazes de compreendê-los, ainda que intuitivamente. O silêncio é uma grande palavra nessas horas, e a melhor a ser exercitada, a despeito dos que falam pelos cotovelos em situações de luto.
E alguma coisa acontece nesses instantes que nos enaltece, que nos eleva e enleva para campos não bem explorados de nossas almas, quando falamos de forma grandiosa, mesmo com palavras simples. Nessas horas, somos grandes oradores, e nossas catilinárias não são o resultado de leituras de Cícero, mas de algum processo misterioso que ocorre em nós, como se algo de divino brilhasse em nossos seres e, assim, nos encontrássemos no alto do Olimpo, ao lado de Zeus, a profetizar a vida. E qualquer um de nós deve possuir essa centelha divina, pois o homem, por mais ordinário que seja, tem os seus momentos de domínio das palavras. E nesses momentos, qualquer um é tomado pelo poder do Verbo.
Mas o que nos tortura mesmo, o que nos agride do fundo de nosso ser, é a incapacidade de dizer algo, de expressar, ainda que em silêncio, alguma constatação. E então ficamos perdidos como cegos em meio a uma floresta, e nossa própria razão é frouxa diante da escuridão, pois já não somos homens dotados de linguagem, por sermos obnubilados por um silêncio profundo, primitivo, tal qual o animal selvagem em meio ao ambiente mais hostil.
Daí a constatação de nosso vazio, porque não sabemos dar conta de nossa própria animalidade. Somente o silêncio de fera coagida, com medo, é o que nos toca. E todos já devem ter passado por situação semelhante, em que se é nada, em que se sente o nada, até o esvaziamento da alma. Isso é niilismo, mas não em sua manifestação conceitual, e sim como puro instinto da besta que há dentro de cada um de nós. E nessas situações continuamos seguindo nosso caminho como assombrações, sem jamais encontrarmos a tão almejada paz de espírito.
Porém, ainda temos que viver – e o nada absoluto não é o melhor estado para que de fato se viva, mas para que se morra ainda em vida. Então reencontramos o Verbo, o lógos ou a razão: nossa capacidade de expressão por meio da palavra, porque o Verbo se fez carne mais uma vez – e é assim todos os dias para os caídos – dando uma nova razão ao mundo. E contra o desespero do nada sempre encontraremos o Cristo: suma razão contra os delírios da razão humana, verdadeira racionalidade em termos de amor e humanidade.
E então as trevas de nossas profundezas darão lugar à luz, e seremos embalados pelo espírito do Senhor, que nos devolve à superfície contra as profundezas do desconhecido. E veremos nossa grande razão – o Verbo que se fez carne – e que nos traz novamente à liberdade, tornando-nos capazes de falar, de fazer bom uso da palavra, porque ela- a palavra – não brota mais de nossas entranhas, mas da verdadeira razão. E Cristo é nossa razão contra o nada ou o maligno, que desvia alguns de nós rumo ao esquecimento de quem nós realmente somos: seres dotados do Verbo, suprassumo da razão. E basta um olhar para o céu para que nossa vida não seja em vão.