É desnecessário lembrar que toda ditadura é odiosamente castrante, e traz infaustos desdobramentos sociais, econômicos e psicológicos sobre a população. Não há uma nação sequer do nosso planeta, em toda a sua história, que tenha testemunhado o contrário. Pois bem, numa aula ministrada pela Dra. Mariana Carolina Vastag, tive o insight a respeito da nova ditadura em implantação em nossa sociedade fragmentada e liquefeita. Há um império opressor empoderando-se silenciosamente e conquistando corações, capturando mentes, repaginando comportamentos e implementando sua nova cultura.
Trata-se da ditadura que proíbe pessoas de terem seus momentos de infelicidade, desautoriza aqueles quilos a mais em nome da beleza escultural, condena rugas em torno dos olhos e reprime qualquer tipo de fracasso pessoal, por menor que seja. O despotismo a que me refiro obriga mulheres a postarem selfies diárias de sorrisos deslumbrantes, afinal as 379 pessoas que vão curtir dali três horas, precisam vê-las de bem com a vida e elogiar – ou melhor, bajular – seu botox. Alguém com sabedoria escreveu: Os olhos dos outros são nossas prisões, seus pensamentos nossas gaiolas.
Da mesma forma, a tal tirania exige que homens sufoquem o choro por amores perdidos, afinal, homem não chora e além do mais, se não aparece no Instagram com uma caneca de choop sobre a mesa, chaves da caminhonete ao lado e um sorriso largo no rosto, não é macho. A ditadura da felicidade impõe que você não pare para descansar, afinal, você sempre repete “Não tenho tempo nem para ficar doente!” ou “Quem dera eu pudesse ter um dia para descansar…” No fundo você está querendo dizer: “Doença ou esgotamento é coisa dos fracos e eu preciso me mostrar forte, afinal, minha imagem de mulher forte e bem resolvida não pode ser arranhada”.
Nesta ditadura pessoas passam a cobrar a si mesmas, como algozes, pelo insucesso no empreendimento, no amor ou na formação acadêmica. Condenam-se pela decepção em razão das altíssimas expectativas. Neste novo império, os pobres mortais que não conseguiram sustentar sua alegria ilusória ou opulência hipócrita, se autocondenam ao calabouço da vergonha e alienação. Pessoas passam a se odiar pelos alvos não alcançados na sociabilidade, elogios não recebidos e bloqueios recebidos, sem falar no sentimento de desvalia quando são excluídos do face de outro cidadão oprimido por este domínio invisível.
Alguns não suportam a ignominia virtual e desistem desta fake vida. A psicóloga Erika Maracaba fala em positividade tóxica, uma tirania da positividade, que nos induz a ignorar ou coibir sentimentos de tristeza para estarmos sempre felizes. Em um texto, ela comenta: Felicidade compulsória é forte combustível para a infelicidade. Em entrevista concedida ao The Lancet Psychiatry, o Prof. Dr. Rory O’Connor, presidente da International Academy for Suicide Research e pesquisador da Universidade de Glasgow, afirmou que uma de suas pesquisas sobre automutilação entre adolescentes indicou que aproximadamente 20% dos adolescentes que participaram do estudo afirmaram explicitamente que a internet e as mídias sociais influenciaram a decisão […]. Que se pese o fato de que todo adoecimento psíquico é multicausal, parece-nos que o evento das mídias sociais desponta como um dos elementos fomentadores destas dores da alma, que deveriam ser tratadas com naturalidade. Mas, como em quase todo regime autocrático, há um grupo de insurgentes, normalmente com cosmovisão mais aguçada, com opiniões atrevidas e que optam pela independência a qualquer custo; na Ditadura da Felicidade, há um grupo redescobrindo a trilha para a liberdade. Algumas dicas para os que estão dispostos a cerrar fileiras nesta insurreição:
- Faça da tecnologia e da mídia, instrumentos de uso para comunicação, informação, educação e segurança, mas não se deixe dominar ou aprisionar pela opinião da massa, pela tentação das futilidades ou pela escravização às opiniões alheias. Aceite e valorize as críticas construtivas e elogios sinceros de pessoas de carne e osso que estão ao seu lado no dia a dia e que amam você. A boa e velha Bíblia nos adverte: Melhor é a repreensão franca do que o amor encoberto. Leais são as feridas feitas pelo amigo, mas os beijos do inimigo são enganosos. (Provérbios 27.5,6)
- Permita-se chorar quando a dor for intensa por qualquer perda, mesmo que aparentemente pequena. Todos nós precisamos ter nossos espaços de lamento, como na cultura oriental os judeus e árabes o têm. O profeta Jeremias em suas poesias melancólicas, registrou: Bom é para o homem suportar o jugo na sua mocidade. Assente-se solitário e fique em silêncio; porquanto Deus o pôs sobre ele. (Lamentações 3.27,28)
- Não seja excessivamente feliz nos ganhos da vida, nem exageradamente trágico nas perdas. Ninguém passa pela vida apenas ganhando e acumulando. Todos nós ao longo da existência vivenciamos ônus e bônus, superávits e déficits. Isto não é vergonhoso, é a realidade nua e crua, inerente do fato de estarmos vivos. Para Octavio Bonet, doutor em Antropologia da Saúde, o Instagram, entre outras plataformas de mídias sociais, contribui para a criação deste quadro, em que “todos devem estar vivendo momentos maravilhosos o tempo todo”.
- Autorize-se a conviver com seus defeitos sem se autopunir. Há um texto da em que o sábio Salomão escreve: Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo? (Eclesiastes 7.16). O excesso de auto cobrança, perfeccionismo, metas pessoais elevadas adoenta mesmo. Os executivos infartados que o digam.
- Procure redefinir o seu conceito de felicidade. Este conceito, até cerca de sessenta anos atrás não tinha a ver com conforto, ausência de dor, hedonismo ou bonança, mas com o senso de dever cumprido. Missão completa e propósito de vida alcançado.
- Repense o conceito de sucesso. Até duas gerações atrás, homem de sucesso era o pai de família que dava boa educação aos filhos, mantinha a família com honradez, era profissional digno e, ocasionalmente estabilizado financeiramente. Hoje este conceito é distorcido. Para a sociedade líquida o sucessful man é o milionário que está em todas as colunas sociais, posição de liderança, olhar altivo, rodeado de fãs, verbalizando frases de efeito… Na maioria das vezes já passaram por N divórcios, feriram inúmeras pessoas e não escaparam da opressão da Ditadura da Felicidade.
- Viva com simplicidade num mundo cada vez mais complexo. Como? Para Isleide Fontenelle, autora do livro Cultura de Consumo, essa tendência teve sua primeira fase no final do século XIX e começo do século XX, quando foram criados os mercados nacionais, a produção em grande escala, a invenção do marketing e do consumidor moderno. A partir daí, o surgimento de uma lógica de consumo: comprar um item não é apenas adquirir um produto ou serviço, é definir uma identidade, satisfazer um desejo, ser quem se quer ser e ainda sentir o que se quer sentir. Entenda que sua felicidade não está em possuir aquilo que ainda não tem. Alegre-se com o que já tem.
Li a obra de Paul Brand e Philip Yancey A Dádiva da Dor e fui impactado pelo estrago que pessoas fazem sobre si mesmas quando não sentem dor. A dor é o grito do corpo, avisando que algo não está bem. Se vivêssemos sem estes avisos, seríamos como automóveis rodando sem óleo no motor e sem a luz vermelha do painel para avisar o motorista de que precisa parar urgentemente. O motor iria fundir, inevitavelmente. A dor emocional também, da mesma forma tem sua importância e seu significado para todos nós. Não a sufoque em nome desta autocracia. Que Deus nos ajude a romper com a esta ditadura.
Reverendo Marcos Kopeska é graduado em Teologia, pós-graduado em Terapia Familiar Sistêmica, pastor da 3ª Igreja Presbiteriana Independente de Marília, escritor, colunista, apresentador do Programa de TV ‘Vida em Gotas’ e conferencista em eventos para casais. Casado com Gislaine, é pai de Gabrielly e Lucas.