Recentemente toda a imprensa nacional dirigiu o foco de sua atenção para condutas criminosas que ocorrem, com certa frequência, no interior de ônibus, trens e metrôs, bem assim nas vias públicas e que consistem em agressão ao pudor da sociedade, seja pela prática de atos obscenos, seja pela manipulação de órgãos genitais na presença do público. Tais comportamentos são, invariavelmente, chamados de estupros por parte da mídia, que manifesta extrema revolta porque tais criminosos não são mantidos presos quando pilhados em flagrante.
Entretanto, tais práticas, justificadamente repulsivas e intoleráveis, não se confundem com o odioso crime de estupro. Este, de caráter gravíssimo, tem definição específica no Código Penal: “art. 213 – constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena – reclusão de seis a dez anos”.
Como se observa da leitura da definição legal do crime, para que este se configure, mesmo em sua forma tentada, é indispensável o constrangimento da vítima. Assim, segundo os especialistas na matéria, quanto à forma de constrangimento, “aponta o tipo penal a violência e a grave ameaça, partilhando-se, então, entre coação física (violência propriamente dita) e intimidação séria e contundente (violência moral ou grave ameaça” (Crimes Contra a Dignidade Sexual – Guilherme Nucci – 5ª ed. Pg. 39).
Em outras palavras, ausente a ameaça grave ou a violência física, não há crime de estupro. Como, porém, classificar as condutas isoladas de pessoas que, utilizando transporte público, ou mesmo na via pública, praticam atos de cunho sexual, expondo-se à severa repulsa de quem assiste tais cenas, delas são vítimas ou, ao menos, assistem tais práticas? Ocorre que existe previsão legal também para tais comportamentos que, todavia, têm castigos pífios e que, em razão dessas penas, não permitem a prisão em flagrante.
Por exemplo, caso alguém se limite a exibir em público seus órgãos genitais, estará cometendo um crime de ato obsceno, que terá como pena três meses a um ano de detenção ou apenas multa (artigo 233 do Código Penal). Na hipótese, extremamente comum em locais com grande aglomeração, especialmente em transporte coletivos, de alguém encostar-se lascivamente em uma mulher (ou mesmo pessoa do sexo masculino), com evidente propósito libidinoso, estará cometendo uma mera contravenção penal (importunação ofensiva ao pudor) cuja pena é apenas multa, ou seja, não haverá qualquer sanção penal mais severa.
Assim, diante da enorme amplitude que a lei estabelece nas infrações contra a liberdade ou dignidade sexual, é inteiramente injustificável a crítica que se faz ao delegado que não prende ou ao juiz que liberta a pessoa que não comete o crime de estupro, nos exatos termos da norma penal, ou seja, onde não exista, na atitude do malfeitor, o constrangimento consistente em violência ou grave ameaça.
É urgente, portanto, que os legisladores revisem a questão dos ataques sexuais ou das atitudes incomodativas praticadas fora dos limites do crime de estupro, como estabelecido nas regras específicas da lei penal brasileira.
Décio Divanir Mazeto é Juiz de Direito