Há mais de 125 anos, casos da úlcera de Buruli são diagnosticados no mundo, mas, até hoje, pouco se sabia sobre as formas de transmissão da bactéria rara Mycobacterium ulcerans, capaz de “comer” a carne humana e deixar marcas permanentes em seus hospedeiros. A culpa é dos mosquitos Aedes notoscriptus infectados, um “primo” do mosquito da dengue.
Desde o primeiro caso conhecido de 1897, na Uganda, pouco se estudou sobre a bactéria comedora de carne humana. Tanto é que a Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a classificar a úlcera de Buruli como uma doença “negligenciada”, o que precisava ser revertido, como foi recentemente.
O que é úlcera de Buruli?
Antes de seguir, vale mencionar que a úlcera de Buruli destrói, de forma rápida, a pele e os tecidos moles, quando não é tratada precocemente com antibióticos e antiinflamatórios esteroides. Por causa da gravidade, o tratamento pode durar de semanas até meses.
A bactéria consegue produzir a micolactona, uma toxina imunomoduladora responsável por provocar a necrose tecidual da pele. Normalmente, as úlceras são mais comuns nas pernas e nos braços. Em alguns casos, quando o tratamento não é realizado ou é tardio, o risco de desfiguração é alto.
Mosquitos são o principal vetor
Durante os anos de mistério, os médicos relacionaram a úlcera de Buruli com o consumo de água contaminada, solo infectado ou mesmo fezes de gambás — estes marsupiais podem ser infectados pela bactéria e são o reservatório do patógeno na vida selvagem. Tudo isso sem muitas certezas.
Agora, é possível afirmar que uma das principais formas de infecção é através da picada de mosquitos da espécie Aedes notoscriptus, segundo estudo publicado na revista Nature Microbiology. Para chegar a essa conclusão, pesquisadores da Universidade de Melbourne e do Instituto Doherty, da Austrália, capturaram mais de 65 mil mosquitos entre os anos de 2016 e 2021.
Após milhares de sequenciamentos genéticos, os autores descobriram que a bactéria M. ulcerans nos mosquitos era idêntica à encontrada nos pacientes com úlcera de Buruli na área de estudo. Assim, foi confirmada a hipótese de que esses insetos são os principais vetores.
“A forma como a úlcera de Buruli se espalha para as pessoas tem confundido cientistas e especialistas em saúde pública durante décadas”, lembra Tim Stinear, professor da Universidade de Melbourne, em nota. Agora, é preciso analisar se os outros primos deste mosquito também podem transmitir a doença.
Prevenção do patógeno comedor de carne
Com a descoberta, novas medidas de prevenção contra a doença podem ser recomendadas, o que inclui o uso de repelentes contra mosquitos e a instalação de telas nas portas e janelas de casas localizadas dentro das áreas. Outras medidas, como reduzir os criadouros evitando o acúmulo de água, ajudam no controle da úlcera de Buruli.
Bactéria comedora de carne no Brasil
No mundo, mais de 30 países já relataram casos da bactéria comedora de carne, especialmente os que têm climas tropicais. O Brasil está nessa lista. Segundo artigo publicado na revista Anais Brasileiros de Dermatologia, o primeiro caso nacional foi registrado na cidade de Santos (SP), em 2007.
No caso da Austrália, país responsável pelo atual estudo, os primeiros casos datam os anos 1940. No entanto, a doença tem se tornado mais comum em algumas regiões, como no estado de Victoria.
Por lá, em 2003, foram notificados 12 casos da úlcera de Buruli. Em 2023, o número saltou para 363. Este aumento de notificações foi um dos fatores que motivaram a entender melhor as causas da doença, ignorada há mais de 100 anos.
Fonte: Nature Microbiology, Anais Brasileiros de Dermatologia e Instituto Doherty