Andando por uma feira de livros, Fernando se deparou com um livro, com um título no mínimo curioso – “A história de nossas vidas”. Talvez, uma narrativa sutilmente camuflada, de forma estratégica, no contexto geral da história. Diante do enigma a ser desvendado, pensou consigo mesmo – A quem à autora estaria se referindo? Da vida dela? Da vida de alguém? Da vida de quem fosse ler? Sem dúvida, um mistério a ser revelado. Diante da curiosidade latente, que lhe abateu, adquiriu um exemplar do livro.
Como se algo o induzisse a desvendar o enigma, Fernando parou em uma cafeteria, que tinha no interior do recinto da feira, pediu um cafezinho e iniciou a leitura. De imediato, começou a se identificar com os detalhes da narrativa, descrita minuciosamente pela autora. Um romance entre dois jovens, que viveram a adolescência morando no mesmo bairro, de uma cidade do interior. Onde cresceram, viveram a adolescência e na fase adulta, saíram em busca do futuro, seguindo por caminhos opostos.
O cenário da narrativa, trazia ruas pavimentadas com pedras de paralelepípedos; calçadas feitas com pedras portuguesas; casas de tijolos, edificadas com alpendre; móveis antigos decorando o ambiente; tapetes encobrindo as imperfeições do assoalho; televisor de pés palito, da época do preto e branco; quadro na parede, ocultando as manchas de chuva e um cachorrinho, latindo o tempo todo no portão da casa.
Tantas semelhanças com o seu passado, deixavam-lhe instigado. Na cozinha, piso de caquinhos de cerâmica; corredor lateral com piso de lajotas; escada na porta da cozinha; banheiro isolado da casa; tanque de cimento para lavar as roupas; horta no fundo do quintal; pé de goiabeira com um balanço de corda e uma algazarra ensurdecedora, comandada pela ruivinha de olhos amendoados, cabelos na cor ruivo acobreado, trancinhas com laços dourados e o rosto forrado de sardas.
Enfronhado cada vez mais na narrativa, não conseguia parar de ler. Em um determinado tópico, a autora mencionou que a tal ruivinha, ficava toda tarde na varanda de sua casa, na expectativa de ver passar, um determinado garoto. Para emaranhar ainda mais a sua cabeça, começaram a aparecer os nomes da patota, que moraram no bairro – Alice, Gabriel, Anna, Felipe, Shirley, Fernando, Sônia, Marcos, Helena, Thiago…
Surgiu também no romance, o relato de algumas particularidades, tais como – Do Grupo Escolar Thomaz Antônio Gonzaga; das professoras, Darci, Rosalina e Zélia; da Basílica de São Bento; da pracinha do Largo do Sapo; das feiras livres às sextas-feiras, na avenida Sargento Ananias de Oliveira; do vasto comércio do bairro e do tempo em que os comerciantes, utilizavam uma caderneta, para anotar as compras a serem pagas no final do mês.
Alheio a tudo que se passava à sua volta, não percebeu quando alguém se aproximou da mesa e exclamou – Você não é o Fernando? Sim! Respondeu surpreso. Posso me sentar? Claro, fique a vontade! Vejo que você está literalmente tomado, pela narrativa da história. Estou! Incrível as coincidências! Engraçado, até parece que eu sou um dos personagens. Você conhece a autora do livro? Confesso que não tive a curiosidade de saber. A autora sou eu! Helena! Sua amiga de infância.
Não acredito! Estou diante daquela garota ruivinha, que eu chamava de Lena? Exatamente! Com certeza, estou diante daquele garoto, que eu chamava de Nando. Na realidade, ambos não conseguiram se desvencilhar do passado. Tanto eu, quanto você, continuamos com a vocação para escrever. Você se tornou um jornalista e eu uma escritora. Tenho acompanhado os artigos, que têm escrito nos jornais. Este livro que você está lendo, é uma autobiografia, uma reflexão, sobre o meu passado e de tudo que fez parte dele.
Amanhã, vai haver uma tarde de autógrafos na Livraria Acadêmica. Gostaria de revê-lo! Espero por você e pelo livro, que você ainda não terminou de ler, para poder autografá-lo. Há! Ainda têm muitas revelações, que vão lhe trazer muitas lembranças, de nossa distante adolescência. Acredite, temos ainda muito o que conversar e recordar.
Quem sabe, até redescobrir uma paixão do passado!
Saiba Mais
Carlos R. Ticiano é
advogado, romancista e colunista.
cr.ticiano@gmail.com