De acordo com o mais recente estudo feito pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica e Estética (ISAPS), o Brasil é o segundo país no mundo em número de cirurgias plásticas, representando 10,4% de todos os procedimentos realizados. Entre os dez mais procurados, a cirurgia de mama é a mais popular – com 288.597 operações realizadas em 2016, correspondente a 19,6% de todas as plásticas feitas no país, de acordo com o último relatório divulgado pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).
A primeira cirurgia de implante de silicone foi realizada em 1962. Desde então, o procedimento passou por inúmeras revoluções, tanto nas técnicas como também nos materiais e formatos disponíveis. Para falar sobre novidades, dúvidas e polêmicas envolvidas nesse segmento, a revista D Saúde consultou a cirurgiã plástica PhD na área de implantes de silicone, Érika Malheiros Bastos. Confira a seguir.
 
D Saúde: Quais são as principais técnicas utilizadas em cirurgias de implante de silicone?
Érika Malheiros: Hoje temos diversas técnicas para diferentes indicações. Para escolher o método, o especialista leva em consideração aspectos como a quantidade de tecido mamário da paciente, a presença da flacidez e as medidas do tronco, por exemplo. O procedimento pode ser realizado no plano subglandular (abaixo da glândula), subfascial (abaixo da fáscia) ou submuscular (abaixo do músculo). Entre as técnicas submusculares, usadas para disfarçar a prótese, quando necessário, existe a chamada ‘dual plane’ (plano duplo), na qual a prótese fica parte abaixo da glândula e músculo e parte abaixo somente da glândula mamária. Há  pouco mais que uma década, uma nova técnica começou a ser aplicada, chamada de ‘split muscle’ (divisão do músculo).
 
Poderia nos falar um pouco mais sobre a ‘dual plane’ e a ‘split muscle’? Qual seria a diferença entre as duas?
Em termos de aparência, as duas técnicas proporcionam resultados muito semelhantes, com aspecto natural e efeito lifting. A dual plane é uma técnica que ganhou popularidade por proporcionar o resultado estético próximo ao aspecto natural das mamas, e, diferentemente da submuscular, pode ser usada mesmo em mamas com um pouco de flacidez, pois eleva a aréola, o que foi uma revolução nas técnicas que utilizam o músculo. É muito usada em pacientes mais magrinhas ou com alguma queda da mama. A técnica consiste em realizar um descolamento de parte da glândula da musculatura e secção da inserção inferior do músculo peitoral maior. A técnica de split muscle é uma técnica mais recente, tem as mesmas indicações, porém não necessita seccionar a parte inferior do músculo peitoral, apresentando portanto, menor morbidade. O que se observa é uma recuperação menos dolorosa. Estatisticamente, a ‘split’ oferece como vantagem, também, uma ausência de deformidade de contração, o que pode acontecer nas outras técnicas submusculares. (https://youtu.be/TML1ejDIuhY)
 
A técnica parece estar repercutindo muito bem entre os cirurgiões. A doutora esteve envolvida com a divulgação dessa técnica em diversas ocasiões, não é mesmo?
A primeira vez que apresentei esta técnica foi em 2014. Desde então nosso trabalho vem ganhando reconhecimento crescente. O pioneirismo e a experiência com a técnica proporcionaram um convite para moderar uma mesa com expoentes da cirurgia de mama, durante Jornada Paulista de Cirurgia Plástica 2018, onde a técnica foi apresenta
da ao lado de apresentações das técnicas mais tradicionais. Um dos palestrantes da mesa, era nada mais nada menos que um dos inventores da prótese de silicone e o primeiro a colocar este implante no mundo, em 1962, Thomas Biggs.  Em maio de 2019 apresentei minha experiência de seis anos com o uso desta técnica em Meeting da ISAPS (Internacional Society of Aesthetic Plastic Surgery). Neste encontro, pude demonstrar a grande naturalidade e manutenção dos resultados ao longo dos anos. É possível perceber um interesse crescente na técnica, tanto por cirurgiões como também por parte da mídia, porém a aceitação de toda técnica nova passa por diversos fatores e pode levar décadas, pois nós, cirurgiões, somos sistemáticos e somos acostumados a fazer a cirurgia de terminado jeito e por ter dado certo por muitos anos, às vezes é difícil acreditar na necessidade do uso de técnicas que venham surgindo. Mesmo a dual plane, muitos médicos não encontram a necessidade de utilizar em sua rotina.
 
Quanto às técnicas de prótese, quando então usar a split? E quando usar outras?
Quanto a paciente é muito magrinha, ou então não deseja que o resultado tenha aspecto muito evidenciado de próteses de silicone, para disfarçar o polo superior, pode ser indicada a técnica split muscle, a submuscluar e a dual plane. Se esta paciente também apresenta um pequeno grau de flacidez, somente a split ou dual plane estão indicadas. Quando a paciente tem gordurinha na parte de cima da mama suficiente para disfarçar a prótese, ou quando a paciente não quer disfarçar o aspecto de silicone, usamos o plano subfascial, deixando o músculo intacto, que também tem resultados excelentes quando bem indicado. O plano subfascial pode ser considerado como o menos doloroso no pós-operatório; o submuscular é mais doloroso, porque o músculo possui mais sensibilidade à dor. Já a split, pode ser considerada como intermediária.
 
Além das técnicas variadas, há também outros aspectos que interferem no resultado final da cirurgia?
Sim. As características particulares de cada paciente, como medidas do tórax e posição das aréolas são variáveis avaliadas no momento de tomada de decisão da cirurgia, que é feita em conjunto com o cirurgião plástico. Na cirurgia podemos optar pela colocação de prótese com perfil baixo, alto ou extra alto. Além disso, temos os formatos de prótese, sendo a preferida a prótese no formato redondo, chamado também de “bolinha”. Para quem deseja uma projeção maior, há a próteses em formato cônico; há também o formato “gota”, para quem deseja um resultado ainda mais próximo do desenho natural da mama.
 
A implantação de prótese de silicone é permeada por algumas dúvidas e mitos. O implante é seguro?
O implante de silicone é realizado há várias décadas, desde 1962. Desde então passamos por diversas mudanças, tanto no material interno – hoje utilizamos um gel – como também o material de revestimento da cápsula. Os implantes preenchidos com silicone passaram por um período de proibição nos EUA, pois se achava que poderia haver vazamento ou provocar câncer ou outras doenças. Durante esse período era possível somente usar próteses salinas, mas elas não proporcionavam resultados satisfatórios para muitos pacientes. Depois de vastas pesquisas e centenas de trabalhos publicados, o FDA (Food and Drug Administration) chegou à conclusão na época, que não havia relação comprovada entre o câncer de mama e o implante de silicone e o silicone voltou a ser liberado. Apesar de nada provado, pacientes com doenças autoimunes devem ter cautela. Recentemente um linfoma associado à cápsula de silicone vem sendo reportado.
 
No final de 2018 houve a proibição de uma prótese de determinados fabricantes. Isso despertou a atenção de mulheres que possuem implante e também daquelas que desejam fazer uma cirurgia. Qual é a postura da comunidade médica diante dessa situação?
O linfoma anaplásico de células grandes em implantes de mama – (Breast implant-associated anaplastic large cell lymphoma – BIA-ALCL) é um câncer na mama e não um câncer de mama, que se origina a partir da cápsula que se forma ao redor da prótese. Ele começou a ser reportado em algumas pacientes nas quais se observou um aumento de líquido ao redor da prótese. Quando esse líquido foi examinado, identificaram-se células deste linfoma. Estas pacientes tinham em média oito anos de colocação de prótese, variando de dois a 28 anos. O tratamento segue protocolos criados pelo “National Comprehensive Cancer Network” (NCCN) e consiste na retirada da prótese e retirada total da cápsula e de alguma nodulação. A maioria dos casos é de estágio inicial, então a quimioterapia é raramente necessária. A incidência desse raríssimo linfoma varia de acordo com os vários estudos e situa entre 1 a cada 3.817 a 1 a cada 30.000 mulheres com implantes de silicone mamário. Para se ter uma ideia de quão baixa é a  incidência deste linfoma, a chance de uma mulher ter câncer de mama ao longo de sua vida é de 1 a cada 8 mulheres. Existem várias teorias sobre o que poderia facilitar a ocorrência, como fatores genéticos, inflamatórios, tempo e a texturização dos implantes. Devido a este último fator, as próteses texturizadas de um determinado fabricante foram retiradas do mercado por um período, mas chegou-se à conclusão de que, devido ao risco ser muitíssimo pequeno, e apesar de ser bem mais incidente ao redor de próteses com texturização, aconteceram casos também com as lisas. Assim, tanto a Anvisa quanto o FDA, entenderam não ser coerente manter esta proibição, pois como existem indicações do uso da texturizada, os benefícios são bem maiores que os riscos. O mais importante é a informação. Os cirurgiões plásticos, através de nossa sociedade, já têm sido exaustivamente informados sobre, tanto quanto ao diagnóstico, quanto ao tratamento; médicos de outras especialidades também estão se familiarizando. Por fim, os pacientes têm sido informados pelos seus cirurgiões, tranquilizados sobre a raridade do mesmo e orientados então sobre procurar seu médico sempre, no caso de mudança súbita no aspecto de sua mama. 
 
E quanto à amamentação, a prótese pode atrapalhar?
Quanto à amamentação, a prótese em si não atrapalha, desde que, na colocação da prótese, não se realizem cortes dos ductos mamários, como ocorre, por exemplo, na mastopexia (cirurgia de elevação de mama).
 
Aproveitando o tema da mastopexia, é possível associar a colocação de implantes nesta cirurgia?
Sim, podemos associar a colocação da prótese mamária com o levantamento da mama, é bem comum.
 
Mesmo com o silicone, a mama poderá sofrer uma queda?
Sim, sempre haverá queda, devido ao peso da prótese. O que pode variar é o quanto essa mama irá cair, dependendo muito da qualidade de pele da paciente, bem como o material e o peso das próteses e ainda das técnicas utilizadas. Por isso orientamos usar o sutiã o máximo possível, para que o resultado se mantenha por mais tempo. A grande novidade, que em breve estará no mercado, é o implante preenchido com gel de silicone permeado de microesferas de ar que não se deslocariam do gel. Esta tecnologia produz então um implante bem mais leve, que teria um menor risco de queda.
 
É necessário realizar a troca periodicamente dos implantes de silicone?
Muitas pacientes buscam próteses que duram para sempre, mas isso muito dificilmente pode ocorrer. As próteses podem até ter uma garantia vitalícia, mas o corpo não aceita a prótese para sempre. Tudo o que é colocado no nosso corpo provoca uma “reação de corpo estranho”, formando uma cápsula fibrosa ao redor da prótese para isolá-lo. Só que, de uma hora para outra, ainda não sabemos exatamente o porquê, esta cápsula endurece, o que chamamos de contratura capsular. O tema do meu PhD é justamente o estudo deste fenômeno e o uso de um medicamento que ajuda a diminuir sua incidência, tratar casos mais leves e prolongar o uso da prótese. A ocorrência da contratura pode variar de meses a mais de 20 anos, com a literatura contemplando 1 a cada 10 mulheres apresentando contratura capsular nos primeiros 10 anos. Quando em graus elevados, leva ao endurecimento e deformação da mama, podendo provocar dor. É uma das maiores causas de troca de prótese.
 
Nesses casos é obrigatório realizar essa troca?
Caso a paciente, por alguma razão, não possa realizar a troca da prótese naquele momento, não há motivos para alarde. A prótese não causará problemas de saúde, apenas incômodo. Nesse caso podemos utilizar medicamentos para prolongar o uso dessa prótese, diminuindo o incômodo doloroso e, em alguns casos, “amolecendo” um pouquinho a prótese endurecida (cápsula), podendo assim adiar um pouco a troca da prótese. Mas normalmente a paciente prefere trocar.
 
Para finalizarmos, a doutora poderia comentar a respeito do psicológico das pacientes que colocam prótese de mama?
Isto é maravilhoso. Adoro ver o desabrochar de mulheres, novas ou não, que aguardaram longos anos na esperança da mama crescer e isto não ocorre, finalmente se sentir uma mulher completa, pois a mama é o maior símbolo da feminilidade. Elas mudam muito, ficam mais confiantes, seguras e isto reflete tanto na parte pessoal, amorosa, quanto inclusive na profissional. Quando fiz residência de Cirurgia Plástica na UNIFESP, participei de um protocolo de estudo onde se mensurou o impacto da cirurgia de prótese de mama na vida da mulher, através de questionários validados, observando-se um aumento expressivo na qualidade de vida e autoestima destas pacientes. Como a OMS (Organização Mundial da Saúde) define saúde como bem-estar físico, social e mental, pode-se concluir que a colocação de prótese de mama, de certa forma, faz bem à saúde.

A ENTREVISTADA 
Erika Malheiros Bastos (MD-PhD CRM 90590) é Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Membro da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) e membro da Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos (ASPS). Possui residência em Cirurgia Plástica, mestrado e doutorado pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp).
www.erikamalheiros.com.br
erika.mb@uol.com.br
@erika_malheiros

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