O silêncio toma conta desta madrugada. São quatro da manhã e não há viva alma nos arredores da minha casa. Somente eu acordado a escrever. E, antes de começar a rascunhar algumas palavras nesta máquina, presenciei um fenômeno, no mínimo, interessante.
Estava sentado na varanda a fumar um cigarro quando vi meu cachorro passar correndo de um lado para o outro. Em princípio, achei que fosse um dos meus dois cachorros. Olhei para o lado, e lá estava meu pastor alemão a me fazer companhia. Concluí que se tratava do meu vira-latas. Então fui até a direção onde vi meu cachorro preto parar – o vira-latas – para saber o que ele estava fazendo ali no escuro.
E, para meu assombro, ele sai de outro canto da varanda, todo sonolento e se alongando. Logo, o que eu vi não era o meu cachorro. Confesso que fiquei pasmo com o ocorrido. Até porque a sombra de cachorro preto era um pouco maior do que a do meu cão. Então comecei a pensar sobre o que eu vi.
Seria a sombra de um gato no telhado a essa hora? Poderia ser se não fosse o fato de que gatos não têm sombra de cachorro. Mas o que era aquilo, afinal?
Lembro-me agora de um depoimento de minha falecida mãe. Ela disse ter visto certa vez a alma da minha cachorrinha no banheiro. Segundo minha mãe, era uma espécie de cachorro transparente. Claro que não dei muita bola, pois minha mãe vivia a ver almas, anjos etc. Mas, a esta hora da madrugada, esses pensamentos sobre assombração são muito propícios, ainda mais depois de ter visto uma sombra preta em forma de cachorro.
E aqui me lembro da lenda do bicho da fortaleza. Segundo meu pai, lá pelas bandas de Minas Gerais, havia um fazendeiro muito grosseiro e ruim, uma espécie de coronel do sertão mineiro. Quando alguém vinha lhe cumprimentar, o tal fazendeiro não dava a mão, mas o pé. Um belo dia o fazendeiro morreu – e como era gente muito malvada, acabou virando alma penada na forma de um cachorro enorme que vivia pelas redondezas de Pedra Azul a assustar as pessoas.
Numa noite, a alma penada resolveu visitar a sua antiga fazenda. E lá chegou causando estardalhaço entre os animais de sua antiga propriedade: as galinhas começaram a se agitar, o gado mugia, a cachorrada não parava de latir e uivar. Foi então que o filho saiu com um pedaço de pau na mão para ver o que se passava.
E quando se deparou com um cachorro enorme, com olhos de fogo – seu antigo progenitor encantado – ouviu do animal: “Não bate no seu pai, não”. Essa é a lenda que eu ouvi do bicho da fortaleza. Escutei essa estória do meu pai, que ouviu do meu avô, que ouviu de seus antepassados também.
E agora, após a sombra de cachorro que eu vi ou julguei ver na minha varanda, acho que o bicho da fortaleza resolveu sair lá do sertão de Minas Gerais para me fazer uma visita em Marília.