Cicatrizes físicas são registros de uma vida. Em uma definição bem simples, são protuberâncias na pele que indicam lesões passadas provenientes de traumas ou de cirurgias. A grande maioria dos humanos, se não a totalidade deles, tem, na idade adulta, um desses pequenos (ou grandes) registros na superfície da pele que nos fazem lembrar de um evento físico que o criou.
São ordinariamente indeléveis, mas podem desaparecer à custa de terapias específicas ou de cirurgias reparadoras. Porém, a cada vez que as tocamos, mesmo involuntariamente, relembramos o episódio do passado que as fizeram surgir em nossa estampa física.
Aí então podemos agradecer a Deus pelo procedimento cirúrgico que nos salvou ou pela lesão que evoluiu para a cura, sem qualquer sequela mais grave, deixando apenas o sinal da dor ou do transtorno.
Há, porém, cicatrizes eternas. Falo das cicatrizes da alma. Estas duram a vida toda. Podem esmaecer um pouco com a passagem do tempo, mas permanecerão indeléveis enquanto vivermos.
Decepções, perdas, rompimentos, angústias, crises pessoais insolúveis são fatores que deixam cicatrizes por toda a existência, que abalam o emocional, segundo a sensibilidade de cada um que as carrega.
Entretanto, as cicatrizes íntimas, embora possam doer mais que as outras, não se retratam no espelho e nem são vistas por ninguém. Provocam angústia apenas em quem as tem.
Suas lembranças são íntimas, pessoais e intransferíveis. E, certamente, há quem consiga neutralizá-las por algum tempo, aparentando harmonia interna e satisfação pessoal plena. Aliás, ninguém conseguiu traduzir com tanta perfeição o sofrimento íntimo, que provoca as cicatrizes da alma, como o poeta Raimundo Correia, com seu “Mal Secreto” e que permito-me transcrever em parte:
“Se se pudesse o espírito que chora ver através da máscara da face, quanta gente, talvez, que inveja agora nos causa, então piedade nos causasse! Quanta gente que ri, talvez, consigo guarda um atroz, recôndito inimigo, como invisível chaga cancerosa! Quanta gente que ri, talvez existe, cuja ventura única consiste em parecer aos outros venturosa!”
Em resumo, somos humanos. E cada um de nós leva no íntimo sonhos, projetos, ambições, sentimentos, mágoas, temores, esperanças e, em especial, as cicatrizes da alma que nunca se apagarão.
 
Décio Divanir Mazeto é Juiz de Direito.

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