Um estudo global multicêntrico e randomizado, publicado no The New England Journal of Medicine, liderado pela Universidade McMaster e sob coordenação no Brasil do Centro Internacional de Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, indica que um procedimento cirúrgico simples pode reduzir em mais de um terço o risco de acidente vascular cerebral, conhecido popularmente como derrame, em pacientes com fibrilação arterial, um dos tipos mais comuns de arritmia cardíaca. A intervenção se trata da oclusão (ou vedação) do apêndice atrial esquerdo – um tecido que pode reter sangue na câmara do coração e aumentar o risco de coágulos.
A pesquisa, também apresentada na conferência do American College of Cardiology no dia 15 de maio, é a maior sobre o tema, com acompanhamento de 4.811 pacientes com indicação de cirurgia cardíaca, como ponte de safena ou troca de válvula, e que tomam anticoagulantes, por quatro anos, em 27 países. 2.379 participantes passaram pelo procedimento de oclusão do apêndice e 2.391 pertenciam ao grupo de não oclusão, com idade média de 71 anos. A pesquisa detectou que AVCs ou embolia sistêmica ocorrem três vezes mais em pacientes que não tiveram a intervenção cirúrgica. Quatro hospitais brasileiros participaram deste importante estudo. Um total de 92,1% dos avaliados passou pelo procedimento e, aos três anos, 76,8% continuaram com a anticoagulação oral.
“Isso trará um impacto positivo em milhares de pessoas em todo o mundo. Se o paciente tem fibrilação atrial e está se submetendo a uma cirurgia cardíaca, o cirurgião deve remover o apêndice atrial esquerdo, por ser uma configuração para a formação de coágulos. O estudo mostra que isso é seguro e eficaz para a prevenção de Acidente Vascular Cerebral”, diz o Prof. Dr. Álvaro Avezum, um dos coordenadores do estudo e diretor do Centro Internacional de Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
A fibrilação atrial é comum especialmente em idosos e é responsável por cerca de 25% dos AVCs. Segundo a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas esse tipo mais frequente de arritmia cardíaca atinge aproximadamente 175 milhões de pessoas no mundo, a maioria acima dos 70 anos. No Brasil, a estimativa é que mais de 2 milhões de brasileiros tenham a doença, que atinge os átrios, cavidades superiores do coração, e faz com que eles se contraiam sem compasso e tenha seus batimentos acelerados, passando a ter um ritmo irregular. Além disso, uma diminuição do fluxo de sangue pode acontecer na parte esquerda do átrio, levando à formação de coágulos de sangue, que pode cair na corrente sanguínea e bloquear as artérias que irrigam partes do cérebro, causando o Acidente Vascular Cerebral (AVC).
“Os resultados devem mudar a prática clínica de imediato, pois trata-se de um procedimento simples e rápido, com acréscimo de 10 minutos no tempo cirúrgico, e seguro para pacientes submetidos à cirurgia cardíaca que têm fibrilação atrial”, explica Avezum.
Desde a década de 40, especialistas suspeitavam que coágulos poderiam se formar no apêndice esquerdo de pacientes com fibrilação atrial, e que faria sentido “remover” essa estrutura em pacientes que já eram submetidos a outras cirurgias cardíacas. Além de provar a suspeita, o estudo caminha para outras pesquisas futuras para avaliar o procedimento de oclusão do apêndice por métodos menos invasivos, independentemente de outra indicação cirurgia. “Anteriormente, tínhamos medicamentos para esta condição. Agora, podemos tratar a fibrilação atrial com medicamentos e cirurgia para garantir um melhor resultado para o paciente, quando este for submetido à cirurgia cardíaca por outra indicação. Este é um procedimento de baixo custo, sem quaisquer efeitos adversos de longo prazo”, afirma o diretor do Centro Internacional de Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.