Nas últimas semanas, os casos de Covid-19 em crianças dispararam pelo Brasil. Em algumas regiões do País como em São Paulo, apenas na primeira quinzena de março, houve um aumento de 50% de internações deste grupo nos hospitais particulares. Esse cenário, que parece ir na contramão do início da pandemia, quando o foco era a saúde dos idosos, atualmente gera dúvidas em pais e responsáveis sobre como proteger as crianças e avaliar corretamente os sintomas do vírus. Inicialmente, apesar do aumento dos atendimentos, o momento é de cautela. Em boletim especial sobre os dados epidemiológicos da Covid-19 em crianças, a Sociedade Brasileira de Pediatria alerta que a doença segue em um baixo status de letalidade nos pequenos se comparado aos demais grupos etários. As taxas de óbitos em crianças e adolescentes de 0 a 19 anos (grupos etários que representam mais de 25% da nossa população) é 0,62%. Ainda assim, o cuidado deve ser a pauta prioritária entre as famílias. Para Rafael Placeres Ferraz, pediatra da Clínica Personal da Central Nacional, mesmo com o baixo volume de estudos e pesquisas sobre a trajetória do vírus em crianças, há alguns caminhos já percebidos no cuidado aos pequenos. “Estamos tratando de uma doença nova. Com atividades suspensas e escolas fechadas, era difícil, inclusive, ter crianças contaminadas para que pudéssemos estudar o andamento do vírus no organismo delas. Com as flexibilizações dos últimos meses, o cenário mudou e tivemos o incremento de casos em diferentes profundidades. No geral, o que se espera é que a manifestação da doença seja mais branda nas crianças pela chamada imaturidade imunológica. Algumas enzimas ainda não estão 100% formadas gerando menos receptividade aos conectores do vírus e com isso um quadro menos sensível aos sintomas”, pontua o especialista. Ainda assim, cada criança poderá ter uma resposta diferente ao vírus. O que se observa é que aquelas menores de um ano podem ter a resposta inflamatória mais intensa e serem mais suscetíveis ao vírus, apresentando sintomas mais exacerbados. Aquelas com condições pré-existentes, como complicações renais ou cardiológicas, também estão entre os alvos mais sensíveis com uma tendência de evolução mais grave, além de poderem ter a necessidade de auxílio no combate ao processo infeccioso. O pediatra indica que no geral os sintomas se assemelham aos quadros de síndrome gripal, congestão nasal, coriza, recusa na ingestão de alimentos ou líquidos, febre, dor de garganta e, em alguns casos, a presença de desconfortos gastrointestinais, como diarreia e vômitos. Porém, como se observa, são traços inespecíficos do vírus e podem ser confundidos com outros quadros infantis. O alerta aos pais é que observem a criança de imediato. “O pai, mãe ou responsável sabem quando a criança não está bem. No caso da Covid-19, por apresentar sintomas muitas vezes inespecíficos, a recomendação é entrar rapidamente em contato com o pediatra de confiança ou o médico de família para que possam identificar algo fora da rota habitual e prescrever medicamentos ao alívio dos sintomas”, afirma Placeres. O médico acrescenta que há, ainda, uma insegurança dos pais na ida ao pronto-atendimento. “A ida ao PS não se faz necessária no início dos sintomas, mas é recomendada quando se extrapola a normalidade dos desconfortos comuns. Febre por mais de três dias e incômodo respiratório, tal qual uma tiragem subdiafragmática visível, isso é, quando olhamos aquela respiração intensa no alto da barriguinha ou na faixa de transição do pescoço, são orientações de uma possível desestabilização do organismo”. Tanto em adultos ou crianças, a Covid-19 eleva o risco da chamada hipoxemia silenciosa, quando a saturação é menor de 94%. O quadro aponta gravidade, por reduzir a distribuição de O2 no organismo e colapsar demais órgãos. Com isso, é essencial adotar um monitoramento ativo da rotina da criança. Sobre o temido exame RT-PCR, que identifica o vírus e confirma a presença do RNA da Covid-19 no organismo, o pediatra tranquiliza os pais recomendando que o manejo do teste seja feito apenas se necessário. Isso porque, o resultado positivo não irá alterar o protocolo inicial de tratamento. “Temos algumas orientações de manipulação de fármacos atenuantes para o quadro respiratório seja em adultos ou crianças. O RT-PCR é um exame bem incômodo e invasivo para todos, principalmente para o público infantil, sem contar que é importante efetuar a coleta do terceiro ao sétimo dia do início dos sintomas para verificar o antígeno. Em certos casos temos a confirmação da família sobre os sintomas e ao olhar o paciente em consultório averiguamos que ele está bem, com sinais vitais mantidos ou é muito novinho. Nestes casos, não fazemos o teste, já que não muda o tratamento dos sintomas brandos. Porém, cada caso é um caso e cabe a conversa do profissional com os pais avaliando o prognóstico em detalhes. Muitas vezes é fato que quanto menos processos invasivos, melhor para a criança”, pontua. De olho na evolução Infelizmente, as crianças não estão distantes de complicações geradas pelo coronavírus, entre elas, a Síndrome Inflamatória Multissistêmica (SIMP) temporária associada ao SARS-CoV-2, caracterizada por um colapso inflamatório de múltiplos sintomas. No início, o quadro se confundia com doença de Kawasaki por compartilhar sinais de febre alta, inchaço e descamação cutânea. Ao identificar sinais de SIMP, mais comuns na faixa etária de quatro a dezoito anos, entrará o monitoramento de multiprofissionais como cardiologistas, nefrologistas, infectologistas, reumatologistas e claro, o pediatra. Antivirais e antibióticos são igualmente prescritos pois, há a incidência de uma infecção secundária associada, além da imunoglobulina intravenosa (IgIV), em dosagens de acordo com a necessidade do paciente, bem como o manejo de corticoides. Também poderá estar no escopo a indicação de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), para que a equipe médica tenha o monitoramento adequado da evolução da criança. Intubações podem sim acontecer, visando, claro, a recuperação plena dos pulmões do paciente enquanto demais diagnósticos são tratados.
A respeito das vacinas da Covid-19 em crianças, especialistas em todo mundo se dizem otimistas com a prescrição pediátrica. Estudos clínicos na Inglaterra e Estados Unidos apontam para êxitos nas taxas de proteção, mas esse é um trabalho lento, uma vez que públicos sensíveis como as crianças, gestantes e lactantes, acabam participando de forma menos ativa em testes iniciais para se evitar riscos. Os adolescentes já estão em fase ativa de análise pelo imunológico mais desenvolvido. Em breve isso deve ocorrer também com as crianças, mas de forma segura para elas em linha com a aplicação da gripe ou demais imunizantes comuns ao calendário vacinal. O olhar para o isolamento social e a prevenção Olhando para o viés emocional, os desafios do isolamento social para as crianças podem também preocupar os responsáveis. Segundo a psicóloga Paula Diniz Vicentini, da Central Nacional Unimed, é mais comum o atendimento de famílias que estejam com todos os membros infectados, gerando uma reclusão geral do grupo. Porém, quando apenas a criança está com o vírus, além dos sintomas físicos é necessário diálogo e organização para não privar a criança das atividades importantes da infância. “Recomendamos que a criança siga fazendo suas ações do dia a dia, como brincar e criar, mas claro, dentro de casa por ser um ambiente seguro e confortável. O contato externo é estritamente proibido e recomendamos que os pais interajam com a criança tomando os cuidados necessários para evitar contaminações. Quando estimulados, os pequenos são indivíduos de extrema consciência e atitude, e têm total participação em uma recuperação plena. Por isso o bem-estar e o acolhimento são essenciais neste momento”, diz. Sobre a prevenção, o pediatra é enfático. “Quando falamos das crianças precisamos ter cuidados ainda mais redobrados. Além do uso da máscara para aquelas maiores de dois anos, distanciamento social e uso de álcool em gel supervisionado, é de extrema importância a higienização de brinquedos e objetos de uso contínuo. São regras básicas que minimizam complicações e impactam positivamente na qualidade de vida”, indica Rafael Placeres Ferraz.
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