- Foram analisados os valores destinados a polícias, sistemas penitenciários e políticas para egressos em oito estados brasileiros: Bahia, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, São Paulo e Tocantins
- Essas unidades federativas somam, no orçamento de todas as áreas – como cultura, educação e saúde –, o correspondente a quase 60% do orçamento de todo o país
- Para cada R$ 1 investido em políticas para egressos da prisão, governos gastam R$ 2.758 em policiamento
- JUSTA defende inversão do funil de investimentos do sistema de segurança pública, retirando recursos da porta de entrada do sistema prisional para alocar na porta de saída, desfinanciando o encarceramento em massa
São Paulo, dezembro de 2022 – Para cada R$ 2.758 gastos com policiamento nos estados, apenas R$ 1 é destinado para políticas que garantam os direitos de egressos do sistema prisional. Na mesma proporção, R$ 678 são gastos com o sistema penitenciário. Os números são do estudo inédito “O funil de investimento da segurança pública e prisional no Brasil”, realizado pelo JUSTA, organização que analisa dados do financiamento e da gestão do Sistema de Justiça. A pesquisa se refere ao período de 2021, com foco nos gastos com polícias, sistemas penitenciários e políticas para egressos. O levantamento contemplou informações orçamentárias de oito estados que, juntos, representam quase 60% do orçamento total de todas as 27 unidades federativas do país, sendo eles Bahia, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, São Paulo e Tocantins, com o montante de R$ 593,1 bilhões.
O estudo mostra que, em 2021, os oito estados analisados destinaram para políticas criminais a soma de R$ 35,9 bilhões para policiamento, R$ 8,8 bilhões para sistema penitenciário e apenas R$ 13 milhões para políticas para egressos, em um total de R$ 44,7 bilhões. Assim, 6% do orçamento dessas oito unidades da Federação, juntas, foram destinados para políticas criminais.
FUNIL DE INVESTIMENTOS
Fonte: Portais da Transparência dos estados | Elaboração JUSTA
De acordo com o JUSTA, o levantamento revela que os investimentos nas polícias e no sistema prisional não são acompanhados por políticas que garantam os direitos para os egressos penitenciários, sendo praticamente nulo o recurso destinado a ações para essa população nos estados. A organização defende que essa proporção seja revista, com inversão do funil de investimentos, redirecionando recursos da porta de entrada para a porta de saída do sistema prisional. As ações destinadas a egressos da prisão se referem, no geral, ainda que de maneira não exclusiva, a programas de ressocialização, formação educacional, capacitação profissional, atendimento social e psicológico, provisão de postos de trabalho, entre outros.
Segundo a diretora executiva do JUSTA, Luciana Zaffalon, os dados evidenciam que, hoje, não há políticas que garantam direitos e geração de oportunidades para os egressos do sistema penitenciário. “Quais as possibilidades existentes hoje para quem deixa a prisão? Os dados mostram que quase nenhuma”, avalia.
Luciana destaca, ainda, que o levantamento reforça a urgência de os governos repensarem o desenho da política criminal e interromperem a retroalimentação de um sistema que gera ainda mais violência. “É fundamental reverter essa lógica de gastar mais com polícia e repressão e menos com quem está saindo da prisão. Só assim teremos condições de reduzir o encarceramento em massa e, então, romper com o atual ciclo de violência institucional produzido pela passagem pelo cárcere e com a consequente exclusão social.”
Política transversal e racial
O estudo do JUSTA reflete sobre a atual lógica de encarceramento em massa no país, que atinge, principalmente, os negros. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, das 820 mil pessoas encarceradas no país, 67,5% são negras. “Há um débito com a população negra, hoje a mais afetada pela política de segurança pública. É preciso inverter os investimentos que, hoje, estão destinados principalmente a ações ostensivas e radicalizadas, em nome de uma lei de drogas ineficiente”, defende Luciana.
O JUSTA destaca que os investimentos altos dos governos estaduais no policiamento, principalmente no militar, refletem em um recorte geográfico muito específico. “A polícia que atua de maneira ostensiva está nas favelas. Precisamos corrigir esse percurso e reduzir o financiamento dessas práticas”, analisa a diretora executiva.
A ideia defendida está em linha com a mobilização internacional conhecida como “Defund the Police”, que questiona o papel da polícia na sociedade e propõe construir um novo sistema de segurança pública com foco na comunidade e no social.
A organização recomenda tratar a política de segurança pública com a devida transversalidade que ela tem. “Ela afeta todas as demais áreas, assim como é afetada por todas elas. O diálogo com outras políticas, como de educação, habitação, saúde e lazer, é fundamental para reverter o tão caro e ineficiente encarceramento em massa”, afirma Luciana.
Estados analisados
Em São Paulo, estado com o maior orçamento dentre os abrangidos pelo estudo, de R$ 272,7 bilhões, 5% foram destinados para polícias (R$13,8 bilhões), 1,4% para o sistema penitenciário (R$ 3,9 bilhões) e 0,003% (R$ 8 milhões) para egressos da prisão. Para se ter uma ideia de como manter o sistema prisional paulista é caro, gasta-se mais com ações para esse fim no estado, com R$ 3,9 bilhões em orçamento, do que para as áreas de assistência social (R$ 1,2 bilhão), trabalho (R$ 222 milhões) e cultura (R$ 1,1 bilhão) que, juntas, somaram R$ 2,5 bilhões em 2021.
Apesar do volume baixo, São Paulo foi um dos dois únicos estados que apresentaram políticas exclusivamente para egressos entre os oito considerados no levantamento do JUSTA, ao lado do Pará. Na maioria das unidades federativas, os recursos que atendem a essa parcela da população estão alocados em ações mistas de governo, em valores muito inferiores àqueles para outras frentes de política criminal.
Minas Gerais, segundo estado com maior orçamento, de mais de R$ 110,8 bilhões, destinou 6,1% dos recursos para polícias (R$ 6,7 bilhões) e 1,8% para o sistema penitenciário (R$ 2 bilhões). Para egressos da prisão, não houve recurso exclusivo destinado no período, somente menção no Plano Plurianual em ações como Acesso à Justiça e Prevenção à Criminalidade. Em Minas Gerais, gastou-se mais com o sistema prisional do que com as áreas de assistência social (R$ 846 milhões), ciência e tecnologia (R$ 197 milhões), agricultura (R$ 406 milhões) e cultura (R$ 121 milhões) que, juntas, somaram R$ 1,5 bilhão em 2021.
O estado da Bahia, terceiro maior orçamento (R$ 53,4 bilhões), gastou 7,5% para polícias (R$ 4 bilhões), 1,1% para o sistema penitenciário (R$ 570 milhões) e RS 0 para políticas exclusivamente com egressos, atendendo a esse público somente a partir de ações mistas de governo, somando R$ 23 milhões em recursos, o equivalente a 0,043% do total. O valor gasto com sistema penitenciário no estado foi superior à soma dos recursos destinados às áreas de gestão ambiental (R$ 166 milhões), ciência e tecnologia (R$ 87 milhões) e cultura (R$ 167 milhões) que, juntas, somaram R$ 420 milhões em 2021.
Entre os oito estados analisados pelo estudo, os que mais gastaram proporcionalmente com as polícias foram Tocantins, Goiás e Ceará, nesta ordem. Os estados destinaram, respectivamente, 8,5%, 8% e 8% do total do orçamento para policiamento.
Tocantins destinou, do orçamento total geral de quase R$ 10,7 bilhões, 8,5% com polícias (R$ 905 milhões) e 1,1% para o sistema penitenciário (R$ 114 milhões). Para egressos da prisão, não houve recurso exclusivo destinado no período, apenas a partir de ações de governo mistas, com 0,003% do orçamento total (R$ 269 mil).
No estado de Goiás, do orçamento total geral de R$ 32,5 bilhões, 8% foram destinados para polícias (R$ 2,6 bilhões) e 1,4% para o sistema penitenciário (R$ 442 milhões). Para egressos da prisão, não houve recurso destinado no período, nem exclusivamente, nem em ações de governo mistas.
No Ceará, do orçamento total geral de mais de R$ 31 bilhões, 8% foram destinados para polícias (R$ 2,5 bilhões) e 1,8% para sistema penitenciário (R$ 553 milhões). Para egressos da prisão, não houve recurso exclusivo destinado no período, apenas a partir de ações de governo mistas, com 0,016% do orçamento total (R$ 5 milhões).
O estado do Pará destinou, do orçamento geral de quase R$ 33,4 bilhões, 7,5% para polícias (R$ 2,5 bilhões), 1,3% para o sistema penitenciário (R$ 447 milhões) e 0,016% (R$ 5 milhões) para políticas exclusivas para egressos – estando entre os dois estados avaliados que dispõem de recursos para essa população. Houve, ainda, destinação de R$ 12 milhões, o equivalente a 0,035% do orçamento, para ações de governo mistas, que alcançam os egressos também.
O estudo mostra, ainda, que no Paraná, do orçamento total de mais de R$ 48,4 bilhões, 5,9% foram destinados para polícias (R$2,8 bilhões) e 1,5% para sistema penitenciário (R$ 745 milhões). Para egressos da prisão, não houve recurso exclusivo destinado no período no estado, com menção a essa população somente na descrição de ação do governo sobre administração do departamento penitenciário contida no Plano Plurianual.
Sobre o JUSTA O JUSTA é uma organização social de pesquisa que se propõe a facilitar o entendimento e a visualização de dados do financiamento e da gestão do Sistema de Justiça. O objetivo da iniciativa é mostrar os impactos que a proximidade entre os Três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – pode ter na vida social e na organização democrática, principalmente nos temas de segurança pública e a justiça criminal, âmbitos em que os direitos e a liberdade da população são decididos e nos quais a responsabilização do Estado por eventuais violações precisa de maior atenção.