Existe um fenômeno acontecendo no país que tem gerado enorme preocupação porque apresenta contornos de epidemia. Falo da figura do feminicídio, que até alguns anos atrás não tinha incidência na sociedade. Mas, afinal, como se define o feminicídio?
O termo é usado para denominar assassinatos de mulheres cometidos em razão do gênero. Ou seja, quando a vítima é morta por ser mulher. No Brasil, a Lei do Feminicídio, de 2015, estabelece que, quando o homicídio é cometido contra uma mulher, a pena é maior.
A recorrência dos crimes de morte contra as pessoas do sexo feminino exigiu do legislador ordinário a alteração do Código Penal para incluir no rol dos crimes de homicídio qualificado a figura do feminicídio, ou seja, a morte da mulher, por sua condição de gênero, estabelecendo penas de doze a trinta anos.
E quais seriam essas condições de gênero? A Lei Maria da Penha as reconhece como sendo:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Para os estudiosos do assunto, o recrudescimento dessa anomalia social, ou seja, o aumento intolerável de feminicídio provém de várias vertentes. Uma delas está na formação social do país, explica a advogada criminalista Clarissa Nunes, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). “Somos um país que não trabalha sua memória, por isso a gente tende a ignorar como se deu a formação da mulher na sociedade brasileira. Falamos de mulheres que foram escravizadas, estupradas e tratadas como mercadoria durante muito tempo. E, por não trabalharmos nossa história, ela se repete tragicamente. A cultura de violência contra as mulheres é enraizada principalmente na questão econômica. Mulheres que até há pouco tempo eram escravizadas e hoje desempenham trabalhos informais na sociedade”, argumenta.
Outro aspecto da questão é a óbvia constatação que a estrutura familiar da nossa sociedade foi, nos últimos anos, radicalmente modificada. A família patriarcal de anos atrás, tendo na figura paterna o poder absoluto na condução da unidade e destinos do grupo, com a mãe submissa e obediente, hoje não existe mais.
A mulher, de forma lenta e gradual, ao longo do tempo, foi conquistando sua liberdade para optar e decidir sobre sua vida e seu futuro. Essa posição de igualdade, em uma relação de afeto ou de convivência com o ser masculino, especialmente para homens educados sob a sombra do machismo, permeado pelo pretenso poder de mando sobre a figura feminina, é inaceitável. E para recompor sua autoridade e exigir obediência e resignação dela, o caminho seria a violência, seja ela de que natureza for: física, moral, psicológica ou sexual.
Em síntese, a solução para excluir ou minimizar a grave onda do feminicídio, que apresenta contornos de epidemia social, é, dentre outras, a aceitação masculina da igualdade e dos direitos pessoais que todos temos, homens e mulheres.
Décio Divanir Mazeto é Juiz de Direito