Um homem desperta às cinco da manhã.
– Não acredito que acordei neste horário outra vez! Por mais que eu vá me deitar tarde da noite, sempre acordo neste maldito horário. E o que eu faço? Nada além de reclamar! Passo estes instantes a reclamar pela minha falta de sorte, porque não consigo levantar como as outras pessoas aos domingos. Não, tenho que acordar cedo e ficar à toa, enquanto reclamo e tomo meu chá. E o pior é que reclamo em voz alta. Os vizinhos devem pensar que sou algum tipo de louco, um velho ranzinza aos trinta anos! Mas por que me levanto tão cedo? Ah, sim, por causa do silêncio do amanhecer. Gosto desse silêncio, ele é que me dá impulso para acordar todas as manhãs nesse horário, apesar das minhas lamentações. Pelo menos tenho a madrugada só para mim. Ela é meu retiro espiritual, só que um retiro espiritual às avessas, pois fico incomodado em não ter o que fazer. Mas você pode fazer exercícios a esta hora – alguém pode me dizer. E você acha mesmo que eu vou sair neste frio para uma caminhada, um cooper solitário, correndo o risco de ser assaltado por vagabundos dos quais esta cidade está cheia? Não, meu amigo, prefiro ficar no meu quartinho a beber o meu chá. É um bom exercício filosófico este de não me conformar com a minha própria condição até eu me acostumar a ela. Vou fumar um cigarro, qual a objeção? Pois digo que vou fumar até meus pulmões virarem carvão em brasa, e ninguém tem nada com isso, entendeu? Sim, fumo cigarros de filtro vermelho por serem mais fortes. Assim, me estrago mais rápido…
Neste instante, uma fumaça preta começa a sair da parede, para maior espanto do nosso personagem, que já está apavorado com a sua situação de precariedade.
– Você reclama muito – diz alguém que sai do meio da fumaça.
– Pois vá para o diabo, assombração! – diz o homem que só reclama.
– Você falou em diabo? – pergunta um gato preto enorme que está sobre a estante de livros.
Mas quem são vocês? Será que estou no meio de um pesadelo? – pregunta-se o homem reclamador.
– Eu sou Dostoiévski e vim livrá-lo deste seu subsolo.
– Ah, Dostoiévski, agora estou lhe reconhecendo, mas não vou sair dos meus dias felizes neste buraco – replica o homem.
– Miau! Por que você não deixa de reclamar e lê um livro – o gato está com um exemplar de O Mestre e Margarida em suas patas.
– Seu fim não será bom com esses seus costumes madrugadores – diz o gato entre um miado e outro.
– Mas quem vocês pensam que são para aparecerem no meu quarto nesse horário? –queixa-se o homem desperto.
– Você não é leitor? Pois então, enquanto lia e fumava, você nos tragava. Estamos em seus pulmões – afirma Dostoiévski.
– Você vive a nos respirar – complementa o gato.
– Esperem aí! Eu fumo cigarros, não literatura – protesta o homem.
– Você já tragou todos nós – diz o gigante russo.
– É hora de você também ser tragado! – arremata o felino.
O homem adota uma postura cética diante das figuras e de suas afirmações. “Estarei num sonho maluco do qual não consigo sair? Mas eu tenho certeza absoluta de que estou acordado. O que será que esse cigarro que acabei de fumar tinha de diferente? Estou numa espécie de realidade literária. Gosto muito de Dostoiévski e Bulgákov, mas gosto deles no papel, não na realidade. Está certo que ontem exagerei na bebida, porém essa ressaca com alucinações é fantasmagórica. Já sei. Vou expulsá-los do meu quarto. Enxotar esses espíritos” – pensa o homem.
E, num átimo, ele grita:
– Saiam daqui em nome de Deus, criaturas satânicas!
E o ambiente todo explode, levando os espectros e o homem.
Tudo agora é uma estante de livros vazia.
Até o cronista desapareceu.
Só restando este relato encontrado no chão, perto da escrivaninha.