Por Mariana Roncari
A evolução da Medicina proporciona, a cada dia, o desenvolvimento de técnicas mais acuradas para salvar vidas. A miniaturização de instrumentos e dispositivos também cria um novo patamar, tornando possível o que era inimaginável até pouco tempo atrás. Nesse quadro de avanços, destaca-se a especialmente Medicina Intervencionista com os implantes de válvula transcateter.
Realizadas há décadas, as cirurgias de válvula são consideradas como procedimentos de grande porte e já passaram por muitas atualizações. Pacientes de alto risco, no entanto, possuem contraindicações para cirurgias abertas. Nesse aspecto, os implantes – um dos campos de maior desenvolvimento na cardiologia recente – beneficiam esse grupo de risco com cirurgias menos invasivas.
Um exemplo desses avançados procedimentos ocorreu recentemente no serviço de Hemodinâmica do Hospital Beneficente Unimar, que, pela primeira vez na cidade, realizou o implante valvar mitral por cateter, que visa tratar pacientes acometidos por estenose.
O procedimento foi realizado em uma mulher de 75 anos de idade, internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) com quadro grave – além do comprometimento da válvula mitral, havia histórico de cirurgia cardíaca prévia e neoplasia de mama. Enfrentava ainda quadro de importante hipertensão pulmonar, disfunção renal, anasarca (edema difuso), com necessidade de assistência ventilatória e administração de drogas vasoativas.
“A cirurgia convencional teria escores de risco muito altos para a mortalidade da paciente. Devido às comorbidades presentes, havia indicação para realizarmos o implante de válvula mitral por cateter via apical”, informam os cirurgiões Siderval Ferreira Alves e Diego Gaia, responsáveis pelo procedimento. A cirurgia transcorreu sem intercorrências e trouxe resultados benéficos. “A paciente apresentou boa evolução no pós-operatório, com melhorias para a função renal, redução da insuficiência cardíaca e do edema, recebendo alta para casa em boas condições clínicas”.
São duas as principais condições a demandarem intervenções cirúrgicas valvares: a estenose e a insuficiência.
“Quando as válvulas não se abrem o suficiente, demandam do coração mais esforço do que o habitual para realizar a passagem do sangue. Esse caso é chamado estenose ou obstrução. Na insuficiência há o retorno do sangue do ventrículo para o átrio. Ambos os casos podem resultar em prejuízos importantes para a saúde do indivíduo”, explicam os médicos.
Quando há necessidade de intervenção cirúrgica, casos com menor comprometimento da válvula podem ser submetidos somente ao reparo – chamado de plastia. Casos mais avançados exigem a troca valvar. O procedimento convencional realiza a troca em cirurgia aberta, o que demanda uso de circulação extracorpórea e possui contraindicações para casos de extrema gravidade.
Para estes casos então, a Medicina buscou opções menos invasivas, tais como a valvoplastia por cateter balão, realizada com anestesia local e por punção de uma veia da região da virilha. Outra opção, realizada sob anestesia geral, é o MitraClip, voltado a casos de insuficiência.
Ambas as técnicas são realizadas no laboratório de hemodinâmica (cateterismo cardíaco), não necessitam de circulação extracorpórea e diminuem o tempo de internação hospitalar.
Recentemente, surgiu ainda uma opção mais avançada: o implante valvar por cateter, procedimento cirúrgico adotado na cirurgia inédita realizada no HBU, neste caso, com aplicação específica para a válvula mitral.
As indicações para o implante valvar por cateter ainda são bastante restritas – casos com grandes comorbidades, como hipertensão pulmonar, insuficiência respiratória, nasarca (edema difuso), disfunção renal, neoplasia de mama e cirurgia cardíaca prévia são alguns dos exemplos.
“Todo tratamento cardíaco envolve riscos e, para a escolha do procedimento, esses são comparados aos riscos da doença e das alternativas disponíveis. Com opções menos invasivas, temos menores índices de risco para o paciente grave. Hoje temos muitas novidades nesse campo, muitos materiais novos sendo apresentados. É um campo em franca expansão na Cardiologia e esperamos que em breve seja indicado também para pacientes de risco moderado, assim como ocorre em outros países”.
IMPLANTE VALVAR TRANSCATETER VIA APICAL
Indicado para tratar estenose (estreitamento) das válvulas localizadas ao lado esquerdo do coração – aórtica (que separa o coração da aorta) e mitral (que separa o átrio do ventrículo) – o implante transcateter é realizado para a válvula aórtica há quase duas décadas. “Atualmente, o implante valvar transcateter é um dos campos de maior desenvolvimento na Cardiologia”, afirmam os médicos do HBU.
“Uma das alternativas à cirurgia valvar aórtica convencional para indivíduos de elevado risco é o implante transcateter, denominado Transcatheter Aortic Valve Implantantion (TAVI), que tem sido realizado desde 2002. Desde então, já foram implantados mais de 50.000 dispositivos no mundo”, completam.
Contudo, o implante para a válvula mitral foi iniciada a partir de 2009. Esta é uma das razões pelas quais o procedimento é considerado ainda como de maior complexidade técnica. As vias mais comuns para implante TAVI são a transfemoral e a transapical – técnica iniciada em 2006 com acesso por minitoracotomia sem necessidade de circulação extracorpórea, o que torna o procedimento mais indicado para pacientes com elevado escore (risco de mortalidade). Embora a técnica transapical seja mais invasiva, tem revelado resultados mais benéficos, com redução de complicações vasculares e de acidente vascular cerebral. Por essa razão, foi a via escolhida para realizar o procedimento na cirurgia em Marília.
VANTAGENS E DESVANTAGENS
Existem vantagens e desvantagens para cada tipo de prótese. A biológica é silenciosa e não demanda uso de medicação anticoagulante. Sua desvantagem, no entanto, é a durabilidade, pois se desgasta ao longo do tempo e necessita ser trocada. A mecânica, por sua vez, necessita uso de medicação e apresenta certo ruído semelhante a um relógio. Por outro lado, possui maior durabilidade – normalmente não necessita ser trocada.
DISFUNÇÃO DE PRÓTESE
(VALVE-IN-VALVE)
Atualmente, as válvulas cardíacas biológicas são bastante utilizadas em cirurgias cardíacas. Contudo, sua degeneração estrutural com o passar dos anos faz crescer o número de casos de reoperação – um índice que aumenta conforme se eleva também a expectativa de vida da população.
As reintervenções cardíacas, no entanto, são consideradas de alto risco, uma vez que, na idade em que se torna necessária, há ainda outras comorbidades no paciente – como hipertensão, diabetes, entre outros.
“A cirurgia de troca valvar é, até o presente momento, o procedimento de escolha nos casos de disfunção de prótese”, explica o cirurgião Siderval.
“As dificuldades técnicas das reabordagens cirúrgicas, contudo, podem implicar em maior tempo de circulação extracorpórea, necessidade de suporte transfusional, vasoplegia por tempo de CEC prolongada, lesão de enxertos aortocoronários e risco aumentado de morte”, completa o cirurgião Diego.
Dessa forma, além da aplicação para estenose em válvulas naturais do paciente, o implante valvar transcateter também se torna uma opção para casos de disfunção de prótese. “Nesse caso, o procedimento está indicado para disfunções tanto derivadas de estenose como de insuficiência. Diferentemente da cirurgia feita na válvula natural do paciente, quando já existe a prótese valvar (cirurgia valve-in-valve) é possível realizar o procedimento inclusive para tratar insuficiência, onde a prótese poderá ser ancorada no anel da prótese deste paciente”, detalham os especialistas.
SAIBA MAIS
Para mais informações, entre em contato com a Unidade de Cirurgia Cardíaca e Hemodinâmica (UCCH) no HBU – Hospital Beneficente Unimar. Telefone: (14) 2105-4536.