Nesta época do ano em que o Natal toma conta da paisagem eu resgato da memória imagens dos anos 1970 em que na companhia dos meus pais saíamos para visitar as lojas no período noturno. Os mais jovens talvez não saibam que as lojas não fechavam suas portas antes da 22 horas porque a regra do comércio era expor nas vitrines as sugestões de presentes para a família.
Nas andanças pela cidade duas passagens eram obrigatórias: as vitrines da Mesbla e as da Casa Econômica. Para nós, crianças, aquilo tudo arrumado impecavelmente, com manequins infantis sobre os triciclos ou vestindo as últimas novidades da moda, os móveis e objetos para decoração da casa, os detalhes na apresentação dos produtos. Tudo com muito requinte porque o seu bom gosto merece, era um parque de diversões.
A gente colava o rosto e os dedos nos vidros, como se querendo furar a barreira entre o querer e o ter, e de olhos brilhantes apontávamos os objetos de desejos repetindo o mantra: é aquele ali que o Papai Noel vai trazer na noite de Natal.
Para os adultos reinavam as ofertas de paletós e ternos. Para as senhoras, os vestidos em tecidos finos que se movimentavam com a ação dos ventiladores. Dezembro era o mês de renovar o guarda-roupas. Era uma orquestra muito bem afinada que tinha por objetivo encantar seus admiradores e os comerciantes conseguiam fazer isto com uma capacidade incrível.
Lembro-me que em certas ocasiões os donos da Econômica sentavam-se em duas poltronas finamente acomodadas entre os presentes, como se estivessem em sua sala de visitas e dali, sempre sorridentes e muito simpáticos acenavam aos amigos e clientes que estavam do lado de fora da loja.
O trajeto do footing contemplava a rua São Luiz, cartão de visitas do comércio mariliense por natureza; a rua Nove de Julho, a Prudente de Moraes onde ficava a camisaria Stroppa e a Nova América, a rua Quatro de Abril e a região da Mesbla.
Com bom comportamento, sem atravessar a rua correndo, sem fazer manha ou birra, o prêmio era sorvete ou pipoca. E isto se repetia todos os finais de semana até o Natal chegar.
Assim como outras crianças eu escrevi cartas ao bom Noel com pedidos que certamente deixaram meus pais preocupados em não poder atender. Afinal, criança nesta época do ano quer tudo e muda de ideia a todo instante.
Foi assim que fiz a opção pela minha primeira bicicleta de duas rodas, a Monareta da Monark – Brasil de Ouro 73, um sonho de consumo. A propaganda já dizia que ela era a preferida dos jovens brasileiros: “robusta, ágil, leve, sinônimo de alegria, é toda a loucura da vida para rasgar o mundo”. No dia 26, quando vi a bicicleta ao lado da árvore de Natal eu não acreditei e dei um grito… Eu ganhei mesmo!!!
A paixão pela Monareta foi consequência da admiração pela Lambreta que meu pai utilizava para ir e vir ao trabalho na CPFL. Foi por um tempo o transporte da família: minha mãe no banco traseiro, de lenço e bobs nos cabelos cobertos por lenço colorido com ponta solta em forma de triângulo para dar um charme. Eu ia na frente, em pé, entre as pernas do meu pai, segurando no guidão e sentindo o vento bater no rosto.
Assim como você, leitor amigo, curti cada um dos natais que se passaram ao longo da minha infância e hoje tento passar esta mesma magia aos netos. Meus filhos igualmente viveram esta inocência muito saudável e isto, eu acredito, só lhes fez mais felizes.
Na segunda semana de novembro deste ano minha esposa enfeitou e transformou a casa. Com a ajuda do neto Matheus montou a árvore e foi contando a história do Natal. Explicou cada detalhe da decoração e porque a estrela vai na ponta. Bolas vermelhas, bolas brancas, anjinhos, sininhos, festão verde nevado e as luzinhas do pisca-pisca. Tudo na árvore tem um significado.
Ele ficou encantado. Fez foto ao lado da árvore com a com a vovó e já está escrevendo cartas para pôr nas botinhas. E por falar em botas para pedidos, este ano temos mais uma porque a nora número dois está grávida e vai nos presentear com o terceiro neto no próximo ano.
“Papai Noel. Eu não me lembro se escrevi cartas para você pedindo a felicidade. Lembro sim que pedi muitos brinquedos, mas você, sendo o bom velhinho, sabia que no futuro o que eu mais ia querer era ter a felicidade de estar com a família vivendo tudo isso de novo.
Papai Noel, você é muito esperto e acertou em cheio. Eu sei que na mesa da ceia do dia 25 alguns personagens estarão ausentes porque já nos deixaram, mas sei também que eles tiveram o cuidado de nos ensinar a manter o encantamento, de forma que a tradição não se perca e os laços de família, assim como os laços dos presentes, sejam atados e apertados na maior razão desta data comemorativa: o amor e a fraternidade entre os homens. É por isso que eu acredito em você Papai Noel. Feliz Natal!”
Ivan Evangelista Jr é membro da Comissão de Registros Históricos de Marília e coordenador de Cursos Superiores de Tecnologia do IST/Univem.
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