Instalado na imponente avenida Sampaio Vidal, o Bar Marrocos sempre foi
um dos pontos preferidos de todos que apreciavam um bom café ou pingado, ou mesmo um tira gosto regado a uma boa birita, seguida da cerveja Antarctica faixa azul, prata da casa.
Do lado de dentro do balcão, a Lúcia, com aquele atendimento que só ela sabia manter, parecia que tinha dez braços tamanha a agilidade e destreza na entrega dos pedidos.
Uma mistura de cheiros tomava conta do ambiente, sempre bem servido de personagens históricos e alguns até folclóricos pelas performances habituais.
O bar era estreito e comprido, a parte de serviço das mesas ficava mais ao fundo.
A chapa, sempre quente, não importava o horário. Pão na chapa com manteiga, o misto quente e o famoso Bauru de carne com queijo eram os preferidos da freguesia, da noite e do dia.
Uma porta de madeira e uma escada comprida, ao lado esquerdo da entrada principal, dava acesso ao salão de carteado que ficava no piso superior. Tinha janelas tipo venezianas, sempre abertas, para circular o ar, sair a fumaça. Baralho, cigarro e bebida andam sempre juntos.
Dizem que ali já chegou a correr mais dinheiro que nos bancos da cidade. Era ponto de encontro de gente graúda e da miúda, tudo com serviço de bebida e de boa mesa.
Da cozinha do Marrocos subiam os pratos para o carteado, e quando a rodada estava alta eram comuns os pedidos de frango a passarinho feito no alho e sal, da leitoa a pururuca, e da tradicional salada de palmito com tomates em rodelas, coberta com muita cebola, salteada com cheiro verde e regada com muito azeite, tudo por conta do ganhador da rodada.
Mas se tem uma coisa inevitável em ambiente de jogo é o tal do sapo. O sapo é aquele sujeito que não joga por não ter dinheiro, mas vai lá todo santo dia para dar palpite em jogo alheio.
Quando não palpita, faz caras e bocas a cada carta que bate na mesa, aprova ou desaprova as jogadas por meio de sinais, passa a mão na cabeça, bufa, suspira, roda em volta do grupo e espia as cartas… Resumindo: o sapo é um saco.
Lá pelas altas da madrugada o jogo de truco corria solto quando o Constâncio saiu de sete copas e espadilha na rodada final. Era tudo ou nada. O sapo já tinha corrido o olho na mão de quase todos. Era trucada de seis. O clima estava alto, ajudado pelas doses de cachaça servidas com um risco de Fernet.
Na segunda mão, Constâncio arrematou com a espadilha e guardou o sete de copas na manga pra terceira. Ele observava atento o sapo que, desta vez, havia ficado logo atrás do seu adversário mais temido na roda e sentiu que era o momento.
Cerrou o punho e deitou o braço sobre a mesa gritando: “Truco ladrão dos meus tentos! Aqui não, vagabundo! Aposto tudo que já ganhei e, aposto mais, aposto que eu e o sapo, juntos, temos quatro grãos no saco”, arrematou firme.
A mesa sacudiu, copos e garrafas caíram, um pega daqui, outro dali. Num descuido, o sapo viu o zap na mão adversário. Prendeu a respiração e já imaginando a enrascada em que estava metido disparou habilmente: “Óia parceiro, acho que desta vez ‘nóis perdemo’! Nunca ti falei, mas eu sô roncoio”.
Ivan Evangelista Jr é membro da Comissão de Registros Históricos de Marília e coordenador de Cursos Superiores de Tecnologia do IST/Univem