Quando chegava o fim do ano, algum tempo atrás, o velho gordinho até que não ficava apavorado. Ele já sabia dos pedidos de natal. Sempre eram bolas, bonecas ou carrinhos. Às vezes até errava os pacotes, mas no fim dava tudo certo. As meninas podiam receber uma bola, carrinho ou boneca e não reclamavam. Já os meninos levavam desvantagem, não brincavam com bonecas.
O bom velhinho recebia as cartinhas que pediam os presentes – todas escritas à mão – e as lia com paciência. Anotava tudo sem esquecer dos endereços. Na verdade ele anotava os endereços por anotar, pois sabia que não iria errar o presente, era só deixar qualquer pacote em qualquer casa. Preparava as renas e o trenó mágico – só podia ser mágico pra poder caber tudo aquilo – vestia a roupa vermelha e pesada e caia na estrada, digo, nos céus, as renas voavam. O bom velhinho gostava daquilo. Só reclamava mesmo é de ter que vir prá cá, um lugar quente, vestindo uma roupa de esquimó.
Com o tempo as coisas foram mudando. A presença do velho passou a ser exigida com antecedência nos shoppings e grandes lojas. E tudo com contrato assinado:
- Obrigatoriedade de usar a roupa vermelha e pesada e fazer cara de velhinho feliz.
- Não beber durante o trabalho.
- Ser paciencioso e sorrisão estampado no rosto.
- Ser amável com as crianças.
- Nem pensar em revidar com um tapão na orelha daquele moleque chato que, para fazer gracinhas, ficava chutando-o o tempo todo.
Compromisso terrível. De bom, só o ar condicionado para aliviar o calor da roupa vermelha e pesada. E as coisas continuaram mudando. Hoje, as cartinhas manuscritas e garranchadas já não chegam mais. São tempos modernos, agora, só mensagens pelo WhatsApp e todas sem erros ortográficos, graças ao corretor de texto.
Verdade que, algumas delas, chegam estranhas e incompreensíveis, graças também ao corretor de texto. Sorte da meninada que sabe mexer com a maquininha, azar do velhinho que foi obrigado a comprar e aprender a usar o celular. Milhares de mensagens e um único pedido: – “Quero um “Smartphone Apple iPhone 11 pró 256GB”…ou similar.
O velhinho estava à beira dum colapso nervoso, quando chega uma cartinha aliviando as tensões. Letrinha bonitinha e sem sinais de corretor de textos: “Querido Papai Noel. Gostaria de ganhar uma caixa de lápis de cor e que o senhor viesse até aqui em casa trazer e conversar. Um beijão para o senhor”. Uma lágrima correu e borrou algumas palavras.
Decidido, chamou um “uber” e despediu-se das renas: “Vocês ficam aí! A Sociedade Protetora dos Animais proibiu vocês de carregarem peso”! Deixou a roupa vermelha e pesada de lado, vestiu uma folgada bermuda enfeitada de bolinhas vermelhas, pegou o gorrinho e rumou de encontro ao menino da cartinha, pensando alto: “… Com certeza as outras crianças não vão sentir a minha falta. Vão estar, sem conversar, mandando mensagens um prá outro… Eu quero mais é conversar! Quem sabe, até tomar uma cervejinha gelada com o pai dele… – Vai ser muito bom! Ho ho ho! Vou ter um feliz natal!
Laerte Rojo Rosseto é arquiteto e urbanista. Contato: laerterojo@gmail.com