Luiz Fernando Veríssimo, numa de suas crônicas escreveu sobre o “O Popular”, um sujeito que está sempre presente nos principais acontecimentos – manchetes dos jornais e noticiários da televisão – mas nunca participa dos mesmos.
Está sempre à margem, à espreita, discretamente segurando um pacote –possivelmente de pão – observando o que está acontecendo. “O Popular” não fala, não dá entrevista. Se alguém tenta entrevistá-lo, ele deixa de ser popular. O popular passa a ser o cara de trás do entrevistado. O “Popular” faz parte da história como observador.
Eu sou um popular.
Minha participação – na história – começou em novembro de 1945, quando dois meses antes o mundo tremeu com duas bombas caídas em cidades japonesas matando milhares de pessoas. Não tive nada a ver com o que aconteceu mas, historicamente, nasci num ano importante.
Treze anos depois, 1958, participei dum acontecimento histórico, como “popular”, à distância. Foi quando o Brasil ganhou sua primeira “Copa do Mundo”. Eu e outros milhões de “populares” participamos da festa à distância. Não fosse a nossa participação, não seria um momento histórico.
Mil novecentos de sessenta e quatro. Ano da revolução. Estava eu, 18 anos, cumprindo as responsabilidades como cidadão brasileiro, fazendo o “Tiro de Guerra”. Colocaram um fuzil nas minhas mãos e me ordenaram a ficar de guarda no posto 7 de Setembro, esquina da avenida de frente para a prefeitura e da pracinha. Enquanto à noite, as meninas passeavam em direção aos bancos da praça do ginásio, até que foi divertido. Já na madrugada as coisas quase se complicavam.
Uma Kombi, lotada, passa pela minha frente e seus passageiros de punhos cerrados, berravam olhando para mim, eu segurando o fuzil: – Jango está morto! Jango está morto! Sem entender o que estava acontecendo, fiz tchauzinho, eles também fizeram e foram embora. Não deu meia hora, outra Kombi, igualmente lotada, igualmente agitada: – Jango está vivo! Jango está vivo! Ainda sem entender, fiz tchauzinho de novo, eles corresponderam e foram embora.
Hoje fico aqui pensando. Se eu, fardado, apontasse o fuzil para qualquer uma das Kombis, deixaria de participar da história como “popular” para ser um ícone da história política do Brasil. Pra sorte de Marília que, por pouco, seria o estopim duma revolução armada.
Ano de 1966, fui para São Paulo estudar onde testemunhei – e andei – nos históricos bondes da avenida São João e Teodoro Sampaio. Em 1968 minha história continuava. Foi quando no meu solitário treino de basquete, no histórico Ginásio de Esportes da Universidade Mackenzie, foi interrompido por gritos vindo do pátio.
Corri – carregando a bola – para ver o que estava acontecendo. Só observei. Estava começando a histórica “Guerra da Maria Antônia”, uma batalha entre estudantes de direito do Mackenzie e estudantes da USP. Vi gente armada subindo ao telhado da Faculdade de Direito. Um estudante que estava do lado de fora, na rua, morreu. Eu estava lá, observando como um autêntico “popular”, segurando, não um pacote de pão, mas uma bola de basquete. Não saí em foto nenhuma, não fui entrevistado mas participei vendo tudo.
No ano seguinte, 1969, ganhei um concurso do desenho do cartaz e medalha para os Jogos Universitários Paulistas, um prêmio de “quinhentos dinheiros”.
Naquele ano, a seleção brasileira do técnico João Saldanha estava fazendo bonito na fase classificatória para a Copa do México. Para chegar lá, só faltava o time de Jairzinho, Pelé, Tostão, Gerson e Carlos Alberto, passar pelo time do Paraguai, no jogo marcado para o Maracanã.
Não tive a menor dúvida, peguei o dinheiro do prêmio pensando no jogo do Rio e fui! Naquela tarde carioca de muito sol, 31 de agosto, o estádio do Maracanã, o maior do mundo, recebia o maior público de toda a sua história, 194.603 pessoas. Não fosse eu, o “Gordo Migué” Souza e Silva e o Marcio Martins ― que estava morando em Copacabana, seriam apenas 194.600, um número redondo. Participamos da história!
De lá prá cá, muitas coisas aconteceram e eu, de uma forma ou outra, participei como coadjuvante da minha própria história, ou como “popular” da história maior.
Hoje estou participando do “momento histórico político”. Por enquanto como um mero “popular”.
Laerte Rojo Rosseto é arquiteto e urbanista. Contato: laerterojo@gmail.com