Aliando ciência e saber popular tradicional, a Semana de Fitoterapia de Campinas ‒ Professor Walter Radamés Accorsi, sempre teve como traços marcantes, a vivência prática nas atividades e interação entre os participantes. Mas, em sua 18.ª edição e primeira experiência exclusivamente on-line, os temores da comissão organizadora se transformaram em uma grata surpresa: apesar da ausência do calor humano presencial, as palestras e demais atividades atravessaram fronteiras, alcançando participantes de diversos estados e até de outros países, como Argentina e Portugal. E as quase cinco mil visualizações, nos três dias do evento, atestam a importância da Semana, que se consolida como um dos principais fóruns de debates sobre plantas medicinais e fitoterapia do País. O evento foi organizado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento, por meio da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS) e pela Prefeitura Municipal.
“Com a necessidade de distanciamento social, por conta do momento delicado que vivemos de pandemia, ao superar nosso receio e o desafio de transformar um modelo consagrado, percebemos que a decisão de transferir nosso afeto e aguçar de sentidos para o ambiente virtual foi acertada. Pois, assim, foi possível divulgar conhecimentos sobre as plantas medicinais, em uma ação que entendemos ser mais que um dever; e sim, um ato de amor às pessoas que precisam conhecer a sua importância para uma vida mais saudável!”, comenta Maria Cláudia S. G. Blanco, engenheira agrônoma da Divisão de Extensão Rural (Dextru) da CDRS, que integra o Grupo Saberes à Luz do Sol, responsável pela organização da Semana.
Dando as boas-vindas aos participantes, José Luiz Fontes, coordenador da CDRS, falou sobre a importância do evento e a visão da Secretaria sobre o tema. “Momentos como este, quando a extensão rural se dedica a temas tão relevantes para a qualidade de vida, não só dos produtores rurais, que são nosso público de interesse, mas de toda a população, são muito importantes. Entendemos como salutar incentivar o trabalho na área de plantas medicinais, capacitando técnicos da Rede; mantendo o Horto de Matrizes, instalado na sede, em Campinas; e apoiando a realização de eventos, como a Semana de Fitoterapia, que envolve, além de difusão de conhecimentos na área de plantas medicinais e ervas aromáticas, um modo de vida mais saudável, com consumo de alimentos cultivados pelos produtores rurais”, disse o coordenador.
Durante a abertura, um anúncio feito pelo prefeito municipal de Campinas, Dário Saadi, entusiasmou os defensores da fitoterapia no Serviço Único de Saúde (SUS): a reativação da Botica da Família, em um futuro breve. “O projeto arquitetônico está em elaboração e a farmácia vai ser implantada no antigo Centro de Saúde Boa Vista. É uma obra que estamos acompanhando e que tenho certeza que vai ser implantada. Sou um entusiasta da fitoterapia. Temos no País uma biodiversidade fantástica, plantas medicinais de eficácia comprovada e muitas vezes ficamos na dependência de medicamentos puramente químicos, por isso a prefeitura de se orgulha de ser parceira dessa iniciativa”, anunciou o prefeito, que, enquanto vereador, foi responsável pela criação da lei que instituiu o Programa Municipal de Fitoterapia de Campinas.
Para a farmacêutica Érica Mayumi Tanaka, coordenadora da Farmácia Municipal de Manipulação de Fitoterápicos Botica da Família, a reabertura terá um impacto muito positivo para a população. “A demanda por medicamentos fitoterápicos, principalmente cremes e géis para curativos, é grande nas unidades de saúde, e, por muitos anos, foi atendida pela farmácia da Botica, que produzia milhares de unidades para os Centros de Saúde da cidade. Por isso, a reabertura será um ganho extraordinário para os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS)”, avalia Érica, que também coordena o Programa Farmácia Viva no SUS Campinas, o qual, atualmente, está instalado em 18 unidades de saúde e em implantação em outras 28; tendo sido, em 2019, considerada a melhor experiência no SUS na Região Sudeste, pois possibilita a instalação de hortas de plantas medicinais nas unidades, para garantir à comunidade assistida acesso às plantas medicinais in natura e à orientação, por profissionais capacitados, sobre a preparação e o uso correto de remédios caseiros.
E o anúncio ter sido feito durante a Semana teve um sabor ainda mais especial, segundo Érica, pois no dia 5 de maio foi celebrado o Dia Nacional do Uso Racional de Medicamento. “Foi importante porque contamos com a presença, no evento, da delegada regional da Seccional de Campinas do Conselho Regional de Farmácia, Erika Ferraresso, apoiando o uso de plantas medicinais e fitoterápicos”, disse, sendo complementada por Maria Cláudia. “Além da visibilidade que a Semana tem, nosso grupo mantém o compromisso de compartilhar o valor das plantas medicinais, incentivando seu cultivo e uso seguro, bem como defendendo a fitoterapia no SUS”.
Programação
Sobre o tema deste ano, a comissão organizadora ressalta que ele foi definido para inspirar os profissionais da saúde e a população a conhecerem as plantas medicinais e as utilizarem de forma adequada, com transferência de conhecimentos gerados pela ciência e pelos povos tradicionais. “É preciso sempre lembrar às pessoas que, para se ter uma boa saúde, é preciso cultivar bons hábitos e atitudes, os quais visam à harmonização do corpo, da mente e do espírito, pois entendemos que saúde e doença estão relacionadas com a interação do corpo com a mente e do ser humano com o meio onde vive. Nesse contexto, a fitoterapia permite esse vínculo, pois, além de as ações terapêuticas de diversas plantas utilizadas popularmente serem comprovadas, ela tem sua importância na cultura, visto que faz parte do conhecimento tradicional da humanidade. Por isso, o resgate desses valores culturais aliado aos conhecimentos científicos é recomendado, inclusive, pela Organização Mundial da Saúde (OMS)”, avalia Maria Cláudia, ressaltando que a fitoterapia é uma das práticas integrativas e complementares do SUS, para promoção da saúde de pacientes.
A programação mesclou painéis de palestras com pesquisadores, agrônomos, médicos, farmacêuticos, nutricionistas e representantes de povos tradicionais; rodas de conversa sobre temas como sementes e cultivo de plantas medicinais; e apresentação de trabalhos técnicos e científicos.
Em sintonia com o momento vivido durante a pandemia, um dos painéis que chamaram muita atenção do público foi o que abordou o poder das plantas medicinais e a alimentação adequada e saudável para o fortalecimento do sistema imunológico. Enfocando a Artemísia annua, a palestra do engenheiro agrônomo Pedro Melillo de Magalhães, especialista em plantas medicinais e aromáticas, pesquisador científico, colaborador no Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), consultor e produtor rural na área, traçou a evolução agrícola e a utilização terapêutica dessa planta de origem asiática, com conhecida utilização em tratamento de malária. “A palestra foi enriquecedora, pois o Pedro apresentou sua experiência na introdução e no desenvolvimento de espécies melhoradas da Artemísia annua, mostrando seus estudos com melhoramento da planta na região amazônica, relatando que se obtiveram ótimos resultados, não apenas na parte agronômica, como também na parte clínica”, comenta a nutricionista Beatriz Cantusio Pazinato, diretora da Divisão de Extensão Rural (Dextru)/CDRS, que foi moderadora do painel.
Beatriz destacou que, na área de alimentação, a palestra Fortalecendo a imunidade pela alimentação adequada e saudável ‒ proferida por Nacle Nabak Purcino, especialista em nutrição humana e saúde e educação em saúde para preceptores do SUS, da Prefeitura de Campinas ‒ trouxe informações relevantes sobre os guias alimentares para a população brasileira, disponíveis no site do Ministério da Saúde, que oferecem recomendações alimentares. A palestra também ressaltou a importância de políticas públicas voltadas à promoção da alimentação saudável, tais como o incentivo ao desenvolvimento de comunidades que valorizam o consumo de alimentos mais naturais e menos processados, respeitando a cultura e os hábitos alimentares nas diferentes regiões do País, bem como o equilíbrio entre a quantidade e qualidade dos alimentos naturais, nutritivos e economicamente acessíveis.
Outra atividade da programação que chamou atenção dos participantes foi a que envolveu Rodas de Chá conduzidas pela culinarista Sirley Maiorano e a farmacêutica Michelle Jorge, que apresentaram informações úteis e práticas sobre essas bebidas milenares de grandes benefícios à saúde. Foram ensinadas receitas como a do suchá, um blend de plantas como hibisco, cavalinha, camomila, hortelã; sucos de frutas como limão, melancia, maçã, maracujá; e especiarias como gengibre, canela e cravo.
Avaliação
Fazendo um balanço do evento, Maria Cláudia enfatiza que a resposta dos participantes foi muito positiva. “Entre os profissionais das áreas de extensão rural, saúde, educação e assistência social, bem como interessados, de maneira geral, a avaliação da edição de 2021 nos encorajou a já começar a delinear a próxima edição. Pela participação nos chats e pelos e-mails que temos recebido, o tema ganha cada vez mais adeptos no mundo, como consequência da busca de um estilo de vida mais saudável dos pontos de vista de saúde e alimentação”, diz a agrônoma da CDRS.
Os principais pontos positivos apontados foram o conteúdo das palestras e rodas de conversa, bem como a excelência dos palestrantes; apresentação de temas que abordaram toda cadeia produtiva – da produção da planta ao uso do medicamento fitoterápico; e o formato também foi apreciado, com destaque para a gravação do evento. “Houve uma unanimidade em afirmar que, com as palestras disponíveis, há oportunidade de revê-las, possibilitando consultas e anotações para se aprofundar nos assuntos. Por isso, para 2022, estamos pensando em um modelo híbrido, com atividades presenciais para gerar a interação das pessoas e vivências práticas nas oficinas, mantendo uma programação de palestras on-line”.
A programação completa da Semana de Fitoterapia está disponível no canal: Youtube.com/c/CDRSagricultura
Um pouco sobre fitoterapia
Você sabe o que é fitoterapia? Pois bem, palavra de origem grega resulta da combinação dos termos Phito = plantas e Therapia = tratamento, e, de acordo com dicionários de língua portuguesa, é definido como “tratamento de doenças mediante o uso de plantas”. É uma das mais antigas práticas terapêuticas usadas pelo homem. Sua origem remonta ao ano 8.500 a.C., assentando-se no conhecimento popular (etnobotânica) e na experiência científica (etnofarmacologia).
Outrora considerada uma medicina popular e alternativa, a fitoterapia, hoje, tem sido cada vez mais usada e reconhecida nos meios médicos e científicos, sobretudo devido a produtos com ação terapêutica comprovada cientificamente. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa, 2004), fitoterápico é “todo medicamento obtido empregando-se exclusivamente matérias-primas vegetais com finalidade profilática, curativa ou para fins de diagnóstico, com benefício para o usuário”. “É comum dizer que a fitoterapia consiste na utilização externa ou interna de vegetais in natura ou na forma de medicamentos. Para isso, utilizam-se nas preparações diferentes partes da planta, como raiz, casca, flores ou folhas”, explica a agrônoma Maria Cláudia.