Por volta do século XVI, Nicolau Maquiavel empreendeu um importante esforço de romper com as tradições antigas e medievais. Em suas obras, o pensador passou a atribuir um sentido mais realista ao conceito de política. Ao inaugurar a concepção moderna, isenta dos valores cristãos, o pensador Florentino reconheceu que a própria natureza humana leva os indivíduos a constantes disputas por influência e dominação, podendo essas ocorrer nas diferentes esferas da vida social.
Ao conformarem um novo modelo de organização pública, os indivíduos do século XIV imprimiram no Estado o reflexo de sua própria natureza, confirmando o que Max Weber definiu como uma relação de homens dominando homens por meio da violência legítima. Desde então, o Estado passou a configurar uma arena institucionalizada de disputas que podem se dar, tanto entre os governantes e os governados, quanto entre os governantes e os demais membros do cenário internacional.
Diante disso, é possível entender o que é, propriamente, a política externa, contextualiza o Me. Alan Gabriel Camargo, professor e Coordenador do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF).
A POLÍTICA EXTERNA
Para o internacionalista do UDF, há relativo consenso quanto ao fato de que a política externa é a forma com a qual um Estado, ou um grupo de indivíduos que ocupam as instâncias decisórias do mesmo, projetam seus interesses em relação a outros Estados.
“Dessa forma, a política externa nada mais representa do que a disputa de poder elevada ao nível internacional, onde as incertezas e as ameaças assumem dimensões exacerbadas. Disso decorre que o esforço de formular ações, posicionamentos, discursos e outras iniciativas, deve seguir um criterioso planejamento estratégico, tendo em vista o cenário de incertezas gritantes que decorrem da anarquia internacional. Em outras palavras, o modo como os tomadores de decisão projetam o Estado perante aos demais Estados deve levar em conta um cálculo de forças, oportunidades, desafios e capacidades entre os envolvidos no jogo para que o empreendimento externo seja assertivo”, explica
Quanto à importância da temática, o docente avalia que, muito além de zelar pela sobrevivência dos Estados contra ataques estrangeiros, por exemplo, deve-se pensar, numa abordagem estratégica, como instrumento que, quando bem planejado, potencializa as chances de eficácia daquilo que se coloca como interesse.
“Portanto, tomando como premissa essa visão utilitarista, assim como a máxima maquiaveliana (ainda que nunca expressa em suas obras) de que os fins justificam os meios, toda política externa deve considerar, em seu cálculo, os processos mais pertinentes para se chegar aos resultados esperados. Em algumas situações, é mais vantajoso que o Estado aja de maneira isolada, sem articulação com os demais. Em outras, iniciativas dessa natureza podem ser muito arriscadas, valendo a pena investir em articulações bilaterais”, analisa.
Ainda, Alan explica que, todavia, a depender do desafio, o esforço de ambas as partes pode ser insuficiente, sendo viável partir para estratégias multilaterais. “Estas, todavia, podem implicar em lentidão e desgastes em função das numerosas rodadas de negociação, sendo inviáveis para problemas urgentes, por exemplo. Nesse sentido, é preciso que os tomadores de decisão tenham muito bem claro o objetivo a ser alcançado e avaliem os caminhos mais pertinentes para essa conquista”, contextualiza o mestre e internacionalista do UDF, Alan Gabriel Camargo.
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
O docente explica que, em sentido estrito, as relações internacionais compreendem as diferentes formas através das quais os Estados se relacionam – podendo ser cooperativas, conflitivas, neutras, impositivas, dentre outras. “Foi assim que se concebeu a diferença entre o que é domínio interno (doméstico) e domínio externo (internacional), cabendo à área de Relações Internacionais e aos seus profissionais entender e atuar nesse ambiente de socialização entre os Estados”, indica Alan.
O internacionalista avalia que, com a crescente transformação da arena internacional e a elevação dos desafios humanos, passa-se a reconhecer, cada vez mais, que os Estados não são exclusivamente capazes de resolver os problemas ligados às sociedades.
“Nesse contexto, é preciso reconhecer, considerar e incluir outros atores, dentre eles as empresas privadas, as ONGs, os movimentos transnacionais e até mesmo os indivíduos, como partícipes dos processos de decisão que impactem suas sociedades. Por isso, as relações internacionais, em sentido amplo, passam a considerar todas as formas de relações sociais que transcendem fronteiras envolvendo diferentes atores”, argumenta.
POLÍTICA EXTERNA
“A política externa, por sua vez, designa a projeção estratégica do Estado sobre os demais Estados, com vistas à garantia de sua sobrevivência em um ambiente de incertezas e ameaças internacionais, assim como à busca de seus interesses que, como visto, devem ser racionalmente calculados. Os tomadores de decisão devem, de um lado, reconhecer no ambiente doméstico (interno) quais as forças e fraquezas que o Estado apresenta, podendo ser, por exemplo, a capacidade bélica, o potencial energético e o desenvolvimento econômico. Por outro lado, os líderes devem também olhar para o exterior de modo a reconhecer as oportunidades e ameaças à projeção do seu Estado, de modo a conseguir selecionar com maior clareza os instrumentos para tornar mais assertiva a sua projeção”, pondera.
DIPLOMACIA
“Desse reconhecimento, a diplomacia surge como uma dessas ferramentas ao dispor do Estado. Ela se distingue das demais por ser exercida exclusivamente por servidores públicos responsáveis por planejar, executar e avaliar a política externa a partir das diretrizes traçadas pelo Estado e/ou governo. Os diplomatas, assim, representam verdadeiros porta-vozes dos interesses nacionais, conformando uma carreira educada pelas academias chancelares e habilitada a representar sua nação junto aos espaços de deliberação internacional”, contextualiza e explica o docente do UDF, Alan Gabriel Camargo, mestre em Relações Internacionais.
A IMPORTÂNCIA SOCIAL DE CADA CONCEITO
Para Me. Alan Gabriel Camargo, questões ligadas à Política Externa não costumam receber a atenção por parte dos brasileiros. O internacionalista argumenta que isso se deve a uma notável tradição de comportamento político, que prioriza conteúdos diretamente ligados às condições de existência material do indivíduo.
“Costumamos observar que o grau de importância que o brasileiro atribui às questões políticas está intimamente ligado à capacidade de impactarem em sua empregabilidade, aumento de renda, desenvolvimento social, ampliação do poder de compra, dentre outras questões relacionadas às necessidades socioeconômicas”, analisa.
Outro ponto que o especialista sugere, é que a atenção à pauta externa exige também maior formação política, tendência que não costuma compor a tradição brasileira. “Para a maior parte dos cidadãos, os conteúdos políticos são recebidos através de fontes tendenciosas, que costumam exagerar ou diminuir o tema, distanciando-se da responsabilidade de promover a conscientização e o esclarecimento público. Ademais, reconhecemos também que os assuntos de política externa acabam sinalizando pouca atenção dos veículos de comunicação, restringindo-se a espaços muito tímidos frente aos conteúdos de maior visibilidade. Dessa forma, completa-se um ciclo vicioso em que a baixa demanda pelo assunto desperta pouca veiculação desses conteúdos e essa, por sua vez, também acaba diminuindo o interesse, entre os brasileiros, pelo assunto”, enfatiza. Diante disso, Alan justifica e avalia que os principais resultados são: as questões de política externa permanecem sendo restritas aos ambientes diplomáticos, militares e acadêmicos, o que é reconhecidamente prejudicial a um regime democrático.
Para o docente do UDF, uma maior atenção e o maior envolvimento acerca dessas temáticas fazem cumprir um papel decisivo na consolidação da democracia brasileira.
“O conhecimento sobre a política externa brasileira pode abrir caminhos para maior sofisticação política. Ao se debruçar sobre as formas de projeção externa do nosso país, os brasileiros se capacitarão a compreender os múltiplos aspectos envolvidos nas tomadas de decisão e se reposicionarão, inclusive, diante da escolha de seus líderes. Essa atenção implica na maior conscientização do papel como cidadãos nacionais e globais, que devem se valer dos espaços democráticos para construir estratégias de projeção assertiva, rompendo com o isolamento da diplomacia em relação aos demais setores da sociedade e cobrando seus membros, inclusive, diante das ações ineficazes ou desvinculadas ao interesse público”, enfatiza Alan Gabriel Camargo, internacionalista, professor e Coordenador do curso de Relações Internacionais do UDF.