Depois de uma noite atribulada por um sonho enigmático, Riccardo resolveu sair como de costume para fazer uma caminhada pelo bairro, com a intensão de tentar desvendar algumas visões do sonho que tivera, até então, indecifrável. Passando por uma praça arborizada com um belo jardim, onde já estivera várias vezes, resolveu sentar-se para apreciar a natureza.
Na expectativa de encontrar alguém com mais experiência de vida à dois, que pudesse lhe dar alguns conselhos sobre uma separação recente. Olhando à sua volta, deparou-se com uma garota de aparência jovem, cabelos cacheados e um semblante angelical, tentando tocar de forma aleatória, entre tantas flores, em uma rosa branca. Ao ver a cena, se lembrou de alguém que partiu numa tarde de inverno.
Diante da sua dificuldade em tocar na rosa, Riccardo ficou intrigado, tentando descobrir o real motivo pela qual a impedia de um ato tão simples, uma vez que sua mão, por mais que tentasse se aproximar da rosa, além de não conseguir, passava muito longe da sua haste, como se a rosa não quisesse ser tocada. Que tolice, pensou consigo, ainda com os pensamentos em seu sonho.
Mesmo com receio de ser inconveniente, aproximou-se e perguntou – Você não está alcançando à rosa? Surpreendida, ela se virou como que tentando visualizar de que lado a pessoa estava, e com um belo sorriso no rosto respondeu – Eu sou deficiente visual. Apesar de sentir o perfume da rosa, não consigo tocá-la. Impactado com a casualidade, Riccardo se ofereceu para apanhá-la. Uma vez com a rosa, colocou-a delicadamente em suas mãos.
Ainda sorrindo, perguntou – Qual o seu nome? Riccardo! Como que procurando pela sua mão, estendeu à sua em direção à dele, exclamando – Meu nome é Giovanna! Muito obrigada pela gentileza. Diante de uma pessoa afetuosa, Riccardo se ofereceu para acompanhá-la até um banco onde pudessem sentar-se. Devido ao sonho da noite anterior, que ainda povoava sua cabeça, Riccardo ficou cismado por alguns instantes, sentindo que aquele encontro não foi tão casual, como aparentava.
Sentados em um banco, iniciaram um diálogo amistoso, como se alguma coisa nela lhe fosse familiar, a ponto de tomar a iniciativa de perguntar – Quem trouxe você até aqui? Minha mãe! Respondeu Giovanna. Dizendo estar atarefada, disse que voltaria mais tarde para me buscar. A propósito Riccardo, de que cor é a rosa? Branca! Da cor da sua blusa. Impactado com tanta doçura em suas palavras, se arriscou a perguntar – Você é deficiente visual de nascença?
Com uma clareza incrível, Giovanna explicou – Existem vários motivos que podem causar à cegueira ao ser humano. Na minha infância, diante da minha dificuldade em visualizar, fui levada ao oftalmologista e diagnosticada com glaucoma congênito, que se dá por danos causados ao nervo óptico pelo aumento da pressão intraocular. Por não ter sido identificado e tratado a tempo, fui levada à cegueira irreversível.
Diante da serenidade com que Giovanna descrevera sua deficiência visual, Riccardo ficou sensibilizado. Mesmo diante de ser privada de visualizar o mundo à sua volta, não a fazia ser uma pessoa triste e nem tão pouco revoltada. Por alguns minutos, ficou pensando nos cinco sentidos que todos nós temos, e que na maioria das vezes, não damos o seu real valor.
Segurando a rosa branca em suas mãos, como quem ganhou um presente, Giovanna comentou – Nunca tive a curiosidade de saber como é o jardim desta praça, como um todo. Você poderia descrevê-lo para mim? Diante de um pedido inesperado, para quem podia visualizar tudo ao seu redor, sentiu-se gratificado por poder executar uma tarefa tão simples. Assim, foi descrevendo em detalhes, o que os olhos de sua alma feminina, gostariam de ver.
Neste banco em que estamos sentados, à sua direita, tem um belo jardim com uma infinidade de flores, entre elas, margaridas, crisântemos, dálias, girassóis e rosas. As rosas vermelhas, minhas favoritas, simbolizam a paixão e o amor. As rosas amarelas, expressam um amor platônico ou uma amizade eterna. A rosas brancas, que você tem uma em suas mãos, transmitem a pureza, a paz e a inocência. As clássicas margaridas, representam a flor da pureza e do amor.
Do lado oposto, à sua esquerda, há um bonito lago artificial, formado por pedras e pedregulhos, que junto à uma cascata, decoram e criam uma atmosfera relaxante. No lago, há uma infinidade de peixes ornamentais, de vários espécies e coloração. Percebendo que Giovanna ficara emocionada, diante da explanação e ainda com os pensamentos em seu sonho, exclamou – Preciso ir embora! Se eu pudesse ficaria até sua mãe voltar. Não se preocupe Riccardo! Vou vai ficar bem!
De saída, tocou em suas mãos e desejou-lhe um bom dia, com a premonição de que nunca mais voltaria a revê-la. À alguns metros de distância, resolveu parar e olhar mais uma vez em sua direção. Para sua surpresa, não à viu mais sentada no banco, mas caminhando com sua mãe, como quem está indo embora. Diante ao instinto de que ele estava parado, olhou para traz e acenou, como se pudesse vê-lo.
Neste instante, Riccardo sentiu uma leve brisa em seu rosto e como num flashback, o sonho voltou em seus pensamentos. Desta vez, visualizando com nitidez que a garota do sonho era justamente Giovanna, que partiu numa tarde de inverno.
Carlos R. Ticiano é advogado, romancista e colunista.