Por ter vivido sempre próximo de meu avô Domingos, sempre ouvia de forma nostálgica, suas histórias sobre a imigração. Frequentemente, ele descortinava o passado, revivendo a época em que chegou ao Brasil como imigrante, vindo de navio da Itália. Relatava meu avô, que ao descreverem o Brasil no exterior como um “eldorado”, comparando o café a uma “árvore que dava ouro”, atraia os imigrantes.
Mesmo sem saber o que os esperavam, os povos de diversas nacionalidades, dentre eles italianos, espanhóis, portugueses, alemães, japoneses, entre tantos outros, aportavam no Brasil. Sem saber falar e entender o idioma português e com dificuldades de adaptação, diante de uma nova cultura e costumes, se aventuravam em viagens muitas vezes arriscadas e sem destino certo.
Muito embora, não existisse mais a mão de obra escrava no Brasil, os imigrantes italianos e japoneses, eram explorados e tratados quase como escravos, pelos proprietários das fazendas de café. Os turcos, em sua maioria, tentaram a sorte como caixeiros-viajantes (mascates) percorrendo a cavalo as cidades do interior, vendendo tecidos, sapatos, louças, roupas e centenas de outros produtos.
Outros, como os portugueses, preferiram tentar a sorte no comércio, se estabelecendo nas cidades, vendendo gêneros alimentícios, utensílios domésticos e uma infinidade de produtos. Devido à variedade de idiomas falado pelos moradores, era comum ver fixado na fachada dos estabelecimentos, uma grande peça do produto comercializado, como por exemplo, no caso de uma óptica, uma grande armação de óculos.
Descreve meu avô, que a população mundial de maior poder aquisitivo, vivia radiante e otimista, consumindo de forma exacerbada nos grandes centros comerciais. O Brasil vivia uma fase áurea, com a produção e exportação de café para os Estados Unidos e os países da Europa, quando surgiu de forma repentina, sinais de que iríamos enfrentar uma recessão.
Nos Estados Unidos, em 24 de outubro de 1929, quando o valor das ações da Bolsa de Valores de Nova York (integrada à economia mundial), despencou bruscamente, provocando o “crash” (quebra), desencadeou a Grande Depressão Americana. O desastre financeiro pela quebra da bolsa, levaram indústrias e estabelecimentos comerciais à bancarrota, fortunas foram perdidas em um único dia. A crise se alastrou como um rastilho de pólvora, afetando todos os países de uma forma ou de outra.
O Brasil, possuindo 60% do mercado internacional do café, não conseguia mais exportar o produto, acumulando grandes estoques de sacas de café, nas tulhas de armazenamento. A solução encontrada pelo governo Getúlio Vargas, foi comprar milhares de sacas estocadas em Santos, no intuito de queimar grande parte dela, com o objetivo de elevar o preço.
Nesta época, meu avô Domingos, casado com minha avó Luzia, e seus quatro filhos, Salvador, Lourdes, Anna e Neusa, trabalhava como administrador da Fazenda Santo Antônio, na região de Pompéia. O filho mais velho, Salvador, que estudava para se tornar contador, atividade que cuida das escritas contábil/fiscal, ajudava na parte administrativa. As filhas Lourdes e Anna, no cultivo da lavoura de café. A filha mais nova, Neusa, nos afazeres de casa.
Tempos difíceis, em função dos conflitos desencadeados pela Segunda Guerra Mundial, que envolvia os países classificados como Aliados (Reino Unido, França, União Soviética e Estados Unidos), contra os países denominados de Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Conta meu avô, que
os soldados brasileiros, conhecidos por “pracinhas”, entre eles alguns de Marília, tiveram participação decisiva na batalha de retomada de Monte Castello, na Itália. Na Praça Saturnino de Brito, existe um Monumento ao Expedicionário, em homenagem aos soldados marilienses que demostraram seu patriotismo.
Devido à guerra, faltavam gêneros alimentícios, sendo alguns racionados, em função da escassez disponível para à venda. Segundo meu avô, passou se a plantar mandioca para a extração da fécula (farinha), através da moagem e secagem da mandioca, contornando assim, a carência da farinha de trigo. Para o escoamento da produção agrícola, através das estradas de terra, tidas como péssimas, principalmente quando chovia, era preciso envolver com correntes, os pneus do caminhão Volvo.
Devido à falta de trabalho no campo, mesmo com a substituição gradativa do café pelo algodão, meu avô se mudou com a família para a cidade de Marília. Trabalhou no setor de sacarias, das Indústrias Reunidas Matarazzo (IRFM), que fazia o beneficiamento de arroz e algodão. Seu filho Salvador, foi trabalhar no Escritório Lex de Contabilidade, na época, de propriedade de Sebastião Mônaco.
As filhas, Lourdes e Anna, foram trabalhar na Fiação de Seda Alta Paulista, especializada na fiação de seda. Que se resumia na secagem e no cozimento do casulo, advindos das folhas das amoreiras, matando a larva ainda viva dentro do próprio casulo, amolecendo assim a sericina. Tendo os filamentos esticados e unidos pela sericina, formavam o fio da seda. Neusa, a filha caçula, ainda não tinha idade para trabalhar.
O tempo passou, aos imigrantes de várias nacionalidades, em especial a meus avós maternos Domingos e Luzia (in memoriam), de origem italiana, dedico este artigo em forma de homenagem, por terem ajudado no desenvolvimento deste país.
Carlos R. Ticiano é advogado, romancista e colunista.