Através da porta de vidro, que dá acesso a sacada do apartamento, que fica próximo de uma
reserva ambiental, posso visualizar inúmeras árvores, um lago e uma cachoeira. Talvez, devido
ao contraste da luz, que vem de uma arandela instalada no início do corredor, vejo refletido de
forma nítida no cenário externo, um quadro fixado na parede. De forma involuntária, sinto-me
inserido naquela imagem.
Como se fosse real, esse cenário se repete todos os dias ao amanhecer, quando o sol demora
para surgir por estar o céu parcialmente nublado. Olhando fixamente para a imagem, tenho a
impressão de que a parede está realmente inserida na mata fechada. Ou talvez, que às
árvores, o lago e a cachoeira se enraizaram premeditadamente na sala de estar, com o simples
objetivo de decorar a parede do apartamento.
O detalhe desta imagem é que o quadro retrata você numa manhã primaveril, com toda sua
beleza e juventude, características igualmente apresentadas pela reserva ambiental, tendo ao
fundo um bonito nascer do sol. Está imagem, deixa a nítida sensação de que você está muito
próxima, a ponto de quase poder tocá-la, ao mesmo tempo, a realidade da distância que nos
separa, desde a sua partida.
O quadro com a sua imagem, desconcerta os meus pensamentos, trazendo resquícios de um
relacionamento inacabado. Parece até que estou perdido em um labirinto, sem esperança de
encontrar a saída para desvencilhar-me do passado, ou quem sabe, num golpe de sorte,
reencontrá-la novamente. Diante deste impasse, vivo abraçado à sua ausência, andando
desolado, inquieto e de forma desordenada pelo apartamento.
A imagem da parede, com o quadro inserida na mata fechada, vão desaparecendo aos poucos
como que por encanto, com achegada dos primeiros raios solares. Lentamente, as imagens
sobrepostas, vão se apagando como palavras escritas com giz em um quadro negro, por um
apagador escolar. Deixando a natureza sozinha, como me encontro atualmente, convivendo
com a solidão que você deixou em seu lugar.
Você desapareceu, deixando em seu lugar somente um “holograma”, refletindo apenas
imagens ou ilusões tridimensionais, de certa forma bastante realistas. Mesmo diante do
improvável, eu insisto em continuar cultivando a sua presença, escrevendo minhas memórias
em folhas avulsas de papel. Assim, atravesso as madrugadas, sonhando com a sua volta,
mesmo sabendo que você não passa de uma imagem virtual.
Com o notebook em mãos, começo a escrever o artigo da semana, a ser enviado à Revista
D’Marília. Insisto uma vez ou outra, em enviar-lhe uma mensagem pelo WhatsApp, mesmo
sabendo que não irei obter respostas. Com a gatinha Katy em meus braços, na intenção de
tomar um café, insiro uma cápsula de cappuccino na cafeteira. Quem sabe consigo despertar-
me para à realidade.
Hipoteticamente falando, vou vivendo dia após dia, como se fosse o primeiro e o último. Por
incrível que pareça, já me peguei conversando com o quadro, na esperança de que você
pudesse me ouvir e responder às minhas perguntas. Mas que tolice, em se tratando de ser
apenas um holograma, como pode uma imagem virtual interagir comigo?
Pura imaginação de quem visualiza uma imagem factível, exposta em um quadro onde você
não é real, apenas uma ficção para os meus olhos. Se você pudesse pelo menos se lembrar dos
beijos roubados com gosto de café, devolvidos com juros e correção monetária, que
ocorreram de forma casual, naquela cafeteria do shopping, já seria um alento para mim. Sem
falar do contato físico, que nos fez sonhar acordados.
Saio muitas vezes pelas ruas, confuso e sem rumo, caminhando sem saber exatamente para
onde estou indo. Quando percebo, vejo me voltando para casa, como um refugiado em busca
de abrigo. Seu sorriso no quadro, contradiz com a realidade exposta em que vivo atualmente,
demonstrando claramente um cenário de deserto e solidão. Embora tente esconder, acabo
dando pistas de que ainda gosto de você.
Os dias passam se arrastando, as noites chegam sempre de sobressalto, trazendo lembranças
remotas de um amor estagnado no tempo. À procura de um livro qualquer na estante, que
ainda fale de poesias, percebo o quanto o tempo foi implacável e insensível, ao ouvir à música
“Because I Love You, Girl?” (Porque eu te amo, garota?) interpretada pelo grupo The Stylistics.
Mas a cabeça desconectada da realidade, não percebe que quando o sono chega, o dia já
amanheceu e a noite já se foi. Tantas poesias escritas que você não leu, esquecidas em uma
gaveta qualquer de uma mesinha-de-cabeceira. Que contrassenso, pensar neste amor e nos
planos de vivermos juntos, se naufragaram nas ondas do mar, observado apenas pelas
gaivotas em seus voos rasantes.
Quando revejo o quadro refletido nas árvores, no lago e na cachoeira, vou em busca de um
agasalho, com a sensação de estar com frio, diante da solidão de ter você tão perto e ao
mesmo tempo tão longe. Nesta hora, agarro-me à sua “imagem virtual”, como quem se agarra
à um salva vidas, que mesmo à deriva, diante de um mar bravio, não perde a esperança de
avistar alguém e ser resgatado.
Você bem que podia sair desse “holograma”, que reflete apenas a imagem de um amor
congelado no inverno e descongelá-lo com seus beijos. Você iria visualizar numa dessas
manhãs ensolaradas, que fez parte de um passado não muito distante, uma aquarela
refletindo as cores de um lindo arco-íris.
Você poderia pelo menos tentar…
Carlos R. Ticiano