Artigo por Carlos R. Ticiano
Quando se vê uma pessoa comendo excessivamente, como se estivesse voltado da guerra, inevitavelmente, você não se furta de perguntar – Você come para viver ou vive para comer? Estas pessoas consideradas “boa de garfo”, que não conseguem identificar, se o que sente é fome ou vontade de comer, fiquem alertas.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que trabalha no combate à fome e à pobreza, relata que atualmente dois bilhões de pessoas situadas na Ásia, África e América Latina, incluindo o Brasil, já se alimentam de insetos. Se até por aqui, não é mais um tabu comer insetos, embora muitos ainda relutem, acho que o churrasco de fim de semana, começa a ficar ameaçado. Acredite, os hábitos alimentares estão mudando.
Acostumado a comer uma suculenta carne de caça, Simba ao ver seus companheiros Timão e Pumba, no filme O Rei Leão, ingerindo insetos, como sendo guloseimas gostosas e crocantes, se dá conta que vai ter que se adaptar ao novo cardápio. Diante do inusitado, Simba exclama – Ah! Que nojo! Saboreando as iguarias, Timão e Pumba exclamam – Viscoso, mas gostoso.
Embora para os habitantes do ocidente possa ser embaraçoso alimentar-se de insetos, na realidade, eles já são consumidos há milhares de ano por todo planeta. Em muitos países do mundo, principalmente na Ásia, comer insetos, é uma prática comum, utilizada na alimentação do dia a dia. Em torno de duas mil espécies de insetos comestíveis, são consumidos em diversos países da Ásia, América do Sul e da África.
Mesmo priorizada, a agricultura também faz parte deste rol de vilões, no tocante a perda de biodiversidade do planeta. Neste cenário caótico, relativo à escassez de alimentos, o cultivo de insetos pode colaborar na solução de dois problemas que afetam o mundo – A crise climática e a insegurança alimentar. Apesar da opção de se alimentar de insetos ainda ser uma prática voltada as tribos indígenas, os insetos são considerados um superalimento.
A criação de gado de corte representa 14,5% da emissão global de gases de efeito estufa na atmosfera terrestre, praticamente a mesma quantidade de gases poluentes, se comparado a todos os carros, aviões e navios do planeta. Para a criação de insetos, não há a necessidade de desmatamento para a formação de pastos. Em comparação a alimentação, os grilos precisam de uma quantidade seis vezes menor que à do gado, quatro vezes menor que à da ovelha e duas vezes menor que a dos porcos.
Dentre os insetos, os mais apreciáveis são os grilos, besouros, lagartas, cigarras, vespas, cupins, formigas, gafanhotos, libélulas, abelhas e moscas. Na Tailândia, existem 20 mil fazendas destinadas à criação de insetos, destacando o grilo, com seu popular e inconveniente cricrilar. Aqueles espetinhos de insetos, vendidos nas feiras de rua, na cidade de Bangkok, fazem parte da culinária tailandesa, rica em sabores e texturas. No Japão, a ingestão de larvas de vespa vivas, são uma iguaria.
Como podemos ver, não é uma cena irreal, realmente as pessoas comem insetos na Tailândia e no Japão. Estes insetos, entre eles o grilo, larvas e ovos de formiga, após fritados e adicionados a diversos temperos, são considerados pelos tailandeses como um ótimo tira-gosto. Os insetos possuem aceitável quantidade de proteínas, lipídeos, sais minerais e vitaminas. As formigas da espécie saúva (tanajura), possuem mais proteínas do que a carne de frango ou bovina.
Os insetos são cultivados normalmente no próprio quintal das casas, sendo que parte da produção é vendida em Bangkok, capital da Tailândia e o restante consumida pelas próprias famílias. Em entrevista à repórter da BBC, a vendedora Areerat Jantao, comentou que comem com arroz um determinado tipo de barata com ovos dentro, e grilos cozidos com pimenta e limão. No Sudeste Asiático, África e parte da Europa, os insetos são cada vez mais aceitos sem nenhuma restrição.
Neste quesito, os insetos se sobressaem, com relação aos bovinos e seus congêneres, na comparação entre a quantidade de proteína oferecidos e o consumo acentuado de recursos da natureza. Na cultura ocidental, ainda não é comum ingerir insetos, pelo fato de representarem, esteticamente falando, como sendo sujos, feios e até certo ponto, repulsivos. Comer um grilo com perninhas e antenas, ainda desperta um certo preconceito e uma sensação desagradável. Como se costuma dizer, nos países da África Oriental, em seu idioma Suaíle – Hakuna Matata (sem problemas).
Se consideramos os diversos grupos éticos que se alimentam de insetos, espalhados pelo mundo, vamos encontrar em torno de 1.800 espécies de insetos consideradas comestíveis. Os coleópteros (besouros), em torno de 400 espécies; os himenópteros (formigas), em volta de 300 espécies; os ortópteros (gafanhotos e grilos) e os lepidópteros (lagartas de borboletas e mariposas), em torno de 200 espécies em seus respectivos grupos.
Enquanto na Europa, apenas 10% das pessoas estariam dispostas a substituírem a carne por insetos, no México, foi incorporado mais de 500 espécies de insetos em seu cardápio diário. No Brasil, são encontradas 135 espécies de insetos comestíveis, entre eles, a formiga (63%), o besouro (16%), o gafanhoto e o grilo (7%). Diante do cardápio apresentado pelo maitre, vejo que hoje não temos o cupim, aquele inseto que destrói os armários. Mas temos o grilo, aquele inseto que incomoda à noite.
Convicto a ter uma refeição consciente, exclamo – Garçom! Por gentileza! Uma porção de grilos e um refrigerante diet. De volta, com as iguarias sobrepostas sobre a mesa, deseja-me – Bon appétit!
Carlos R. Ticiano é advogado, romancista e colunista.