Artigo por Carlos R. Ticiano

Ela nunca se ausentou diante dos desafios que a vida lhe impôs, seja em que contexto fosse colocada à prova. Sempre esteve presente apoiando a família, seja com uma palavra amiga, uma orientação pedagógica, um apoio emocional ou um consolo maternal. Constantemente oferecia seu ombro e seu colo de mãe, com a finalidade de aplacar os reveses da vida.
Diante das dificuldades escolares dos filhos, tinha toda a paciência do mundo em declamar junto a tabuada, ajudando assim a decorar os lendários – Duas vezes dois = quatro. Duas vezes três = seis. Duas vezes quatro = oito. Ensinou com maestria, a respeitar os mais velhos, a sermos honestos, a partilhar o lanche com o colega carente e a pensar nos prós e contra, diante de uma decisão a ser tomada. Uma professora da vida em tempo real.
Com sua experiência de vida, adquirida ao longo dos anos, acompanhava atenta à trajetória dos filhos, que ainda não tinham o conhecimento e a vivência necessária para caminharem sozinhos, diante dos desafios que se aportavam no dia a dia. Atenta a tudo que acontecia à sua volta, não permitia que nada pudesse ofuscar seus horizontes. Um anjo da guarda sempre de plantão à serviço da família.
Considerava o trabalho indispensável na vida do ser humano, mas são os estudos, segundo ela, imprescindível na educação e na formação do caráter das pessoas. Apesar da ausência prematura do marido e da perda de um filho, não se deixou abater, nem tão pouco fugiu das responsabilidades, que recaíram sobre seus ombros. Mãe amorosa e rígida, não permitia desvios de rota.
Os filhos, ao seu tempo, uma vez jovens e sonhadores, foram aderindo aos inevitáveis namoricos, um relacionamento mais sério e finalmente ao casamento. Quando chegaram os netos, lhe foi confiada a missão de assumir e exercer o duplo papel de mãe e avó. Sentada no sofá, olhando os netos brincando à sua volta, rolavam muitas vezes de seu rosto, um sorriso mesclado à algumas lágrimas, devido as lembranças de um passado não muito distante.
Os anos foram passando, devido a sua idade avançada, alguns problemas inevitáveis foram surgindo, à ponto de fazê-la partir, devido à fragilidade de sua saúde. Numa forma singela de homenagear aquela que foi a guardiã da família, em uma recente comemoração, seu lugar ficou reservado à mesa, juntamente com seu prato, talheres, copo e guardanapo. Ainda que o tempo passe e nos prive de sua ausência, é uma forma de ainda tê-la presente em nossas vidas.
Numa tarde de outono, procurando por alguma coisa que pudesse acalentar a saudade, abri seu pequeno porta-joias, que fica sobre a penteadeira. Entre anéis, correntes e brincos, encontrei seu relógio de pulso. Que muitas vezes, já próxima da porta da sala, exclamava em italiano – Aspetta un poco! (Espera um momento!) Esqueci de pegar o meu relógio. Outras vezes, por demorar um pouco, eu quem exclamava – Andiamo, andiamo via! (Vamos, vamos logo!)
Através de um vento reverso, no sentido anti-horário, sempre surgem objetos, alguns de uso pessoal, de onde menos imaginamos encontrar. Como que abrindo um baú, sem saber exatamente o que iria encontrar em seu interior, vão aparecendo lembranças que me fazem entrar em conexão com a sua ausência. Dona Anna, era uma pessoa dedicada aos seus afazeres domésticos.
Diante de um convite para sair, lá estava ela no quarto se arrumando, com as roupas de que mais gostava. Aqueles trajes, que todas as mulheres às têm em seu guarda-roupa, como peça curinga. No caso dela, uma saia rodada na cor cinza, uma blusinha azul estampada e seu sapato predileto na cor preta. Quando esfriava, não abria mão de sua blusa de tricô na cor bordô.
Quando menos espero, diante de um universo de possibilidades, ainda sou pego de surpresa. Como abrir uma simples gaveta do armário da copa, e encontrar alguns apontamentos em pequenos retalhos de papel, meticulosamente cortados, agrupados e presos por um elástico, com à sua inconfundível caligrafia. Muitos deles, entre várias anotações, lembretes do tipo – Não esquecer de fazer isso, de comprar aquilo, ou de ir à algum lugar.
No gabinete da pia, em uma das gavetas, deparei-me com inúmeros utensílios de cozinha, que jamais poderia imaginar que ainda existiam. Objetos que foram utilizados diariamente na rotina de uma cozinha e guardados de forma organizada para facilitar o seu manuseio. Como o abridor de latas, descaroçador, peneiras, saca-rolhas, carretilha, espremedor, ralador, pilão…
Andando pelo apartamento, vejo distribuído sobre os mais diversos móveis, inúmeros porta-retratos. Alguns com a família completa, outros apenas com aqueles que ainda estão presentes em nossas vidas. Alguns retratados em preto & branco pelas velhas câmeras fotográficas; à maioria a cores, fotografados pelos modernos celulares. Fotos retratando lembranças de festas de aniversário, natalinas, viagens, casamentos.
Agora, diante de algumas necessidades básicas e urgentes, como pregar um botão em uma camisa, me vejo de posse de uma agulha e um retrós de linha, passando a linha com uma certa dificuldade pelo buraco da agulha. Assim, vou levando a agulha de um lado para o outro do tecido, através dos furos do botão, espetando a ponta do dedo, até fixá-lo novamente na camisa.
Desta forma, enquanto o planeta terra gira em torno do sol, vou girando em torno do planeta Anna. Percorrendo incansavelmente toda a via láctea, com o único objetivo de visualizar o seu sorriso, ganhar o seu abraço e desejar-lhe de coração – Feliz Dia das Mães!

Carlos R. Ticiano é advogado, romancista e colunista.

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Mãe, professora da vida