Artigo por Carlos R. Ticiano
Como toda adolescente que mora em uma metrópole, Rafaela, não via à hora de chegar as suas férias escolares, para passar algumas semanas com seus tios Constantino e Marieta, que moravam em um sítio de uma cidade do interior de São Paulo. Era uma oportunidade de sair daquela rotina diária de escola no período da manhã, curso de inglês e aula de violão no período da tarde.
Quando viajava no mês de julho, a única coisa que preocupava Rafaela, era a constante falta de energia elétrica, que ocorria com frequência naquela região isolada de poucas moradias, onde ficava localizado o sítio de seus tios. Se o tempo virasse de uma hora para outra e trouxesse muita chuva, acompanhada de ventania, raios e trovoadas, com certeza ficariam sem energia elétrica.
Quando isto acontecia, poderia durar apenas algumas horas para o restabelecimento da energia elétrica, como também alguns dias, devido a precariedade da estrada de terra, que não permitia fácil acesso, devido à lama e buracos, para os reparos na rede de transmissão. A solução encontrada, era espalhar velas por cima dos principais móveis, além de ascender lampiões para poderem se locomover dentro de casa.
Isolada de tudo e de todos, abraçada as almofadas espalhadas pelo sofá da sala, Rafaela via naquela escuridão noturna seu medo aumentar, à medida que ouvia os ruídos que vinham da mata entorno da casa, através de sons estranhos e indecifráveis, provavelmente de bichos e pássaros. Além do barulho de galhos de árvores quebrando, pela ação do vento e da própria chuva, batendo na vidraça da janela.
As sombras geradas pela chama das velas, refletidas nas paredes da casa, davam à Rafaela a sensação de imagens destorcidas, à ponto de ficar imaginando a aparência de possíveis fantasmas. Claro, que tudo isso, vinha da imaginação fértil de uma adolescente, que nesses momentos de pavor, procurava ficar sempre perto de sua tia Marieta, como quem procura por um porto seguro.
Para acalmá-la, tia Marieta costumava recordar e narrar fatos de sua infância, como o caso das vassouras. Quando apenas engatinhava, Rafaela, tinha o costume de ficar de pé e se apoiar nos móveis. Ao chegar próximo da porta da cozinha e se apoiar nas vassouras dependuradas, em um suporte de parede, começava a chorar com medo de cair, ao sentir às vassouras balançando.
Em meio às histórias e fatos ocorridos em sua infância, quando o tempo fechava e a chuva vinha em forma de temporal, Rafaela acompanhava sua tia Marieta em busca de folhas de ramos secos, guardados no armário da cozinha. Diante de sua curiosidade, perguntava – Para que servem esses ramos secos? São ramos de palmeiras, benzidas no Domingo de Ramos, para serem utilizados em dia de tempo bravo.
Vou queimá-los para virarem cinzas, fazer uma oração à Santa Bárbara e jogá-los ao vento pela fresta da porta ou da janela, com a finalidade de acalmar o tempo. Tenha fé, dizia tia Marieta, para sua sobrinha Rafaela. Todas essas simpatias que sua tia realizava, mais às inúmeras histórias que contava, não só à distraia, como também ficavam guardadas em sua memória de adolescente.
Atualmente cursando Psicologia Social, na Universidade de São Paulo (USP), Rafaela raramente têm tempo de ir ao sítio, como fazia em suas férias escolares. Em compensação, por ser adulta,
não têm mais medo dos apagões, que também acontecem com frequência na cidade de São Paulo, principalmente em dias de chuva intensa, acompanhada de ventanias, que costumam derrubar árvores, ocasionando não só apagões como também prejuízo para os proprietários de veículos.
Como que buscando consolo nessas horas, Rafaela liga para sua tia Marieta, na ilusão de ainda tê-la do seu lado, como antigamente. Conversa vai, conversa vêm, ficam tricotando diversas e longas histórias, como a de seu tio Constantino, que certa vez, num dia de apagão geral, ao pisar no rabo do gato, deitado no tapete da sala, se assustou mais que o próprio felino.
Depois de acender várias velas, e deixá-las sobre os principais móveis, se refugia no sofá da sala, com um livro qualquer em mãos, na tentativa de conseguir ler, iluminado precariamente pela chama de uma vela, sobre uma mesinha de canto. Como a energia demora para voltar, se dirige até à cozinha com a intenção de preparar alguma guloseima, no intuito de ver as horas passarem mais rápida.
Utilizando um caixa de fósforo para acender o fogão a gás, começa a preparar a massa de um bolo de fubá. Enquanto isso, vai tirando um cafezinho à moda antiga, utilizando a chaleira para ferver a água, filtro de papel para filtrar o pó e o velho bule para servir o café. Na penumbra da cozinha, sobre à mesa, pires com suas respectivas xícaras, bolo assado sobre a boleira e café coado no bule. Hora de saboreá-lo, como fazia com sua tia Marieta no sítio.
Quando se prepara para deitar, cansada e já bocejando de sono, pensando no aconchego de sua cama, no travesseiro macio e no seu pijama estampado floral, percebe à luz do abajur da sala acesa. Aliviada, exclama – A energia voltou! Como fazia no sítio com sua tia Marieta, era hora de sair apagando às velas, espalhadas por todo apartamento.
Deixando acesas, apenas as velas aromatizadas, que Rafaela não dispensa, por achar que além de trazer bons fluidos, segundo a sua crença, decoram o ambiente.
Carlos R. Ticiano é advogado, romancista e colunista.
cr.ticiano@gmail.com