Em tempos de decisões, em que os campeonatos de futebol vão chegando em suas últimas rodadas, um único jogo pode ser decisivo para dois times. Ao time vencedor, festejar o título de campeão e ao time perdedor, se consolar com vice-campeonato. Na pior das hipóteses, o temível rebaixamento para uma série inferior.
Para que o gramado, pudesse ficar nivelado e demarcado, foi dispensado um cuidado todo especial, independentemente de ser de grama natural ou sintético. Com o objetivo de permitir aos jogadores, que a bola deslizasse redondinha de um lado ao outro do campo. Nessas horas angustiantes, o gramado diria aos jogadores – Na vitória ou na derrota, vou ser sempre solidário a vocês.
Em campo, vinte e dois jogadores estrategicamente posicionados pelo técnico; um árbitro com toda a sua autoridade; dois bandeirinhas para assinalar, entre outras funções, se o jogador estaria em posição de impedimento; diversos gandulas para repor a bola em jogo e os árbitros de vídeo (VAR), para analisarem as jogadas mais polêmicas, no intuito de ajudar o juiz a tomar uma decisão correta.
O estádio, literalmente tomado pelos torcedores, aguarda o início da partida agitando a bandeira de seus times. O juiz após checar todos os detalhes, apita, dispara o cronômetro e o espetáculo finalmente têm início. A bola começa a rolar de pé em pé, sobre o gramado que os recebem de braços abertos, disposto a ajudá-los nos passes, nos dribles e nas finalizações ao gol adversário.
Mesmo sabendo, que a chuteira muitas vezes, chuta mais grama do que a bola, o gramado não reclama. Sendo um terreno neutro, aceita e entende os carrinhos e as entradas mais bruscas, como parte do espetáculo, onde o jogador adversário acaba muitas vezes estirado no chão. Solidário, o gramado tenta a seu modo, ampará-lo, massageá-lo e acariciá-lo. Como quem diz – Levanta, ajeita a bola e bate a falta com capricho.
Noventa minutos de ansiedade, tensão e expectativa, pelo gol que não sai, pela desvantagem no placar e pelo fato do seu time não estar jogando bem. Sem falar nos inevitáveis acréscimos e de uma possível prorrogação, deixando os torcedores com o coração acelerado. Tudo isso, na tentativa de se fazer um gol para igualar o placar, ou simplesmente passar à frente, deixando o adversário em desvantagem.
Nesses momentos, às horas parecem não passar, ou passam rápido demais, para quem precisa fazer um gol, vencer a partida e levantar a taça de campeão. Posicionada de forma neutra, à grama, como um tapete macio, de forma acolhedora, convida os jogadores para um vai e vem de dribles, de empurrões e até de discussões mais acaloraras. Muitas vezes, à grama molhada proporciona uma falta mais próxima da área.
Neste momento, a bola é acariciada e acomodada com todo carinho sobre o gramado. Numa jogada ensaiada, mais uma tentativa de se fazer um gol e levantar a torcida, apreensiva nas arquibancadas do estádio. O chute saí mascado, a bola sobe e desce em forma de arco, acertando o travessão e indo embora pela linha de fundo. Por todo estádio, aquele eco de – Uh!
Em outro lance o goleiro voa literalmente e consegue interceptar a trajetória da bola, que iria entrar onde a coruja faz o ninho, como diria alguns narradores esportivos, espalmando-a para escanteio. Não há controle emocional nestes momentos. Alguns torcedores respiram aliviados
e outros decepcionados, diante do enigma pragmático – Os deuses do futebol não permitiram a concretização da jogada.
A grama imune a qualquer reação, às vezes seca, molhada, lisa, áspera, macia, dura, se deixa moldar aos pés calçados pelas chuteiras. Em parceria com o vento, à bola muitas vezes, toma à direção oposta para desespero do jogador. A grama se ajusta e se reinventa, para facilitar o vaivém da bola. De alguma forma tudo é um mistério.
A quanto tempo a grama faz parte daquele gramado? Quantas vezes secou e revivesceu ao longo da temporada? Quantos jogadores de diversos times conheceu? São pétalas mágicas, que às vezes somem, como aquelas que ficam à frente do gol, mas nunca desaparecem. Basta uma chuva ou ser regada constantemente, se for natural, que ela renasce aos olhos de quem à comtempla.
Diante de um jogo, que será definido na cobrança de pênaltis, o gramado se molda às superstições dos jogadores, que ajeitam a bola com todo capricho na marca de cal, sobre o pouco de grama que ainda existe. Tomam distância, se benzem, olham para o gol, catimba um pouco, ensaiam uma corrida e finalmente disparam o chute.
Nesta hora crucial, alguns jogadores vão fazer o gol, deslocando goleiro para um canto e a bola para o lado oposto. Para desespero da torcida, alguns vão errar chutando à bola para fora ou acertando o travessão. Enquanto outros, permitindo que o goleiro defenda o chute e abrace à bola de forma fraternal, sobre a grama acolhedora.
Ao final do jogo, o vencedor festeja, o perdedor chora e o gramado surrado se pudesse falar, diria nessas horas – Senti em suas pisadas, muitas vezes desorientadas, o coração acelerar, a garganta secar, os olhos anuviar, as pernas fraquejar e o cansaço bater. Sem dúvida, foram momentos angustiantes e de esperança.
Mas outros campeonatos virão, e com ele, uma nova oportunidade de serem campeão. Vou estar aqui esperando por vocês.

Carlos R. Ticiano é advogado, romancista e colunista.

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Artigo por Carlos R. Ticiano – Permitido pisar na grama