A sociedade brasileira ainda está visivelmente perplexa, porquanto desguarnecida de objetivo entendimento e desassistida de límpido discernimento pelo fato de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal terem benevolentemente revogado anterior decisão e, por consequência reconstituído e revigorado o impedimento da imediata prisão de agente condenado em segunda instancia. E a controvérsia está reacendendo, agora, porquanto o Congresso Nacional tem pauta para discussão e votação de possível emenda constitucional visando a alteração do artigo 5• da Constituicao Federal que considera inocente o condenado até que não ocorra o trânsito em julgado. Porém, a incerteza do cidadão de votação justa e equanime reside no fato de que entrarão no palco para contracenar, por um lado, políticos à beira da porta de entrada da Justica para responderem por incriminacão de atos ilícitos e, por outro lado, aqueles parlamentares que tem o compromisso de defender colegas já condenados por corrupção.
À propósito do tema, tem renomados jurisconsultos defensores tanto da possibilidade quanto da impossibilidade. Os de opinião contrária sustentam que a impossibilidade da prisão antes do transito em julgado da sentença condenatória tem suporte no princípio constitucional da presunção de inocência e da necessidade de esgotamento de todas as instâncias do Poder Judiciário. Entretanto, os jurisconsultos remarcando a legitimidade e necessidade da prisao antes de esgotadas todas as fases recursais estão se apoiando na tese de que a imposta proibição cerceia a ultima fase da persecução pela imediata prisão, além de estimular o avanço da criminalidade e, bem assim o aumento do combustível da impunidade.
Pois bem. Em principio, sem sombra de dúvida, é fundamental ressaltar que a polêmica persiste porquanto a compassiva decisão da maioria dos ministros da Corte Suprema se deu, precisa e sintomaticamente num extraordinário cenário social e politico do Pais. É que naquele momento um lider político se encontrava preso, por força de sentença condenatoria imposta pelo então juiz Sérgio Moro, confirmada em segunda instancia, inclusive com majoração da pena aplicada. E, justamente neste interstício a maioria dos ministros reexaminando a matéria, inusitadamente decidiram pela revogação.
Com efeito, o temático assunto comporta perquiricão por antagônicos aspectos. Por um extremo, sob a ótica jurídica da legalidade constitucional, tem-se que argumentação de proibição da prisao em segunda instância seria correta, pois a lei estabelece que ninguem será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória e esgotamento dos recursos cabíveis com o transito em julgado. Contudo, por outra margem, sob a visão panorâmica da tese da imprescidibilidade da concretização da imediata efetivação da persecução estatal da punição pela prisão do condenado, seria a medida legítima e justa considerando que duas instâncias reconheceram e declararam a culpa do condenado, cuja liberdade de locomoção fica impedida pela pena aplicada.
Destarte, em desfecho do complexo e polêmico tema, sem embargo de tese divergente, sopesada a sintética análise da possibilidade da prisao em segunda instancia, posiciono-me a favor da tese da necessidade de, por emenda constitucional alterar a norma impeditiva insculpida no artigo 5•. da Constituição Federal para autorizar ou permitir a prisão do condenado, cuja sentença receba confirmação pela segunda instancia, portanto sem o transito em julgado. E este entendimento parte do pressuposto que já há permissão para prisão preventiva e temporária, sem culpa formada e, ademais a relativização do princípio da inocência depende de caso concreto. E, por fim, que a não possibilidade de imediata prisão do condenado por força de sentença confirmada, além de privilegiar, por assim dizer, a liberdade do criminoso, lamentavelmente desprestígia a imposição da pena; e, ademais alem de deixar desprotegidas a vítima e a sociedade, enfraquece a ação do Estado-Judiciário no combate do crime do colarinho branco e impulsiona a impunidade.
Emílio Gimenez – Juiz do TJ de São Paulo, paletrista e colunista jurídico.