• Por Ivan Barboza

Caros investidores,

Uma máxima no mundo dos negócios é que toda empresa planeja crescer. Na maioria dos casos, o objetivo é bem justificado: traz economias de escala, melhora a posição competitiva, facilita a atração de pessoas competentes em todos os níveis e gera valor para os acionistas. Nesse último ponto, a relação é direta não só com o histórico de expansão da empresa, mas também com a expectativa de crescimento nos anos futuros, uma vez que a estimativa de valor de um negócio depende, fundamentalmente, de sua taxa de crescimento e rentabilidade esperadas. Porém, essa ambição expansionista sempre faz sentido?

Segundo uma antiga lenda da mitologia grega, o rei Minos, de Creta, encarregou o inventor Dédalos de construir um labirinto para aprisionar o Minotauro, criatura mítica metade homem, metade touro. Para que o segredo do labirinto nunca fosse revelado, após o término de sua construção o rei Minos aprisionou Dédalo e seu filho, Ícaro, em uma torre fortemente vigiada. Determinado a escapar, Dédalo construiu asas feitas de penas de pássaros e cera para que Ícaro e ele pudessem fugir.

Antes de partirem, Dédalo instruiu Ícaro a não voar alto demais, pois o calor do sol poderia derreter a cera e, assim, destruir as asas. No início, tudo ocorreu conforme planejado e ambos escaparam da torre pelo ar. Porém, a euforia de poder voar fez com que Ícaro subisse cada vez mais alto, ignorando os avisos de seu pai sobre o perigo. Já alto demais, a cera que unia as penas começou a derreter e as asas de Ícaro se desintegraram, provocando sua queda do céu para o mar Egeu, onde morreu afogado.

Essa metáfora sobre o risco existente em se deslumbrar com o próprio sucesso, se guiar pela ambição e ignorar a prudência, caindo no erro de tentar ultrapassar os limites impostos pela própria realidade, era tão válida na Grécia antiga quanto é hoje. Discutiremos o tema aplicado ao contexto de negócios e investimentos.

Por que o crescimento dos negócios é limitado

O crescimento de receita de uma empresa em um determinado setor econômico vem de dois possíveis fatores: aumento da demanda, seja através do aumento de volume ou preço, ou ganho de market share. Este último é sempre um acelerador temporário do crescimento, pois não é possível ganhar market share para sempre. No limite extremo, não haveria mais crescimento a capturar quando a empresa conquistasse todo o mercado e se tornasse uma monopolista pura. No mundo prático, o limite chega muito antes disso, devido a ação de competidores ou dos órgãos antitruste, que impedem a formação de monopólios e estimulam a concorrência. Já a demanda pode crescer para sempre, mas não tão rápido.

O crescimento da demanda pode ser decomposto em alguns fatores: o crescimento demográfico, o aumento da renda per capita e o aumento da representatividade do produto ou serviço no consumo total (share of wallet). Como o avanço demográfico e de renda per capita são necessariamente lentos, as histórias de crescimento acelerado são sempre associadas ao aumento da adoção, pelo público de consumidores, do produto ou serviço ofertados diretamente pela empresa ou pelo elo final da cadeia produtiva da qual ela participa. Esse tipo de crescimento rápido pode se estender por longos períodos em setores embrionários, mas dificilmente será visto em setores tradicionais, que já atingiram um ponto de equilíbrio estável entre oferta e demanda.

Arriscando dizer o óbvio: nenhuma empresa pode crescer aceleradamente para sempre em uma mesma atividade econômica, pois o ganho de market share e share of wallet são inerentemente limitados e o crescimento populacional e de renda são lentos. A expectativa de manter altas taxas de crescimento indefinidamente, fazendo apenas “mais do mesmo”, é irrealista. A partir do ponto em que não há mais espaço para uma empresa crescer rápido em seu segmento econômico, seus acionistas estão sob risco.

O que acontece quando um negócio atinge seu limite

Há algumas alternativas para o que um negócio que não consegue mais crescer de maneira eficiente pode fazer: A primeira delas é não reconhecer que seu mercado está saturado e continuar tentando encontrar alguma forma de acelerar seu crescimento, ato que costuma levar ao desperdício de capital em investimentos, visando aumentar a qualidade ou o volume da oferta sem que haja demanda para ela. Em um exemplo simples, imagine que o setor alimentício insistisse em tentar vender mais do que a humanidade é capaz de consumir ou tentasse convencer as pessoas a gastarem uma parcela cada vez maior de seu orçamento com alimentos. O erro não é tão simples porque o ponto a partir do qual o crescimento é ineficiente não é bem definido. Costuma ser encontrado empiricamente, quando os esforços para continuar crescendo deixam de gerar resultados, sempre dependendo da interpretação de seus acionistas e executivos atribuir essa dificuldade de crescimento a falhas de estratégia ou de execução, que são problemas solúveis, ou à intratável saturação do mercado.

A segunda alternativa, é expandir as atividades do negócio para novos setores ou segmentos econômicos em que ainda haja espaço para crescer rápido. Quando é um segmento próximo da atividade na qual a empresa historicamente teve sucesso, que aproveita seu posicionamento de mercado e competências, pode ser uma estratégia com boas chances de sucesso. Porém, há casos  de empresas que expandiram para setores completamente diferentes de sua atividade original, formando conglomerados de negócios sem qualquer sinergia operacional entre si. A maior parte dos grupos empresariais que seguiu esse curso de ação não trouxe bons retornos para seus acionistas.

A terceira opção é reconhecer que as tentativas de expansão não são mais eficientes e passar a distribuir o caixa gerado pelo negócio aos seus acionistas sob a forma de dividendos ou recompra de ações. Essa é a rota de ação mais prudente, tendo em vista o objetivo de manter um alto retorno sobre o capital dos investidores, entretanto não costuma ser a alternativa escolhida por executivos e acionistas.

A dificuldade de não buscar crescer

Abandonar o objetivo de crescer rápido não é uma escolha fácil para pessoas com um histórico de sucesso a frente de seus negócios. Executivos profissionais naturalmente querem estar envolvidos em grandes empresas, com planos de negócios sofisticados e ambiciosos, cuja execução bem-sucedida tenha grande potencial de alavancar suas carreiras. Além disso, suas remunerações individuais não necessariamente têm grande correlação com o retorno sobre o capital investido, então pode ser objetivamente mais lucrativo para eles que a empresa continue crescendo mesmo que a rentabilidade do negócio se deteriore no processo.

Acionistas estão em uma posição um pouco diferente, já que são diretamente impactados pela menor rentabilidade que um plano de expansão ineficiente pode causar, entretanto ainda assim a ambição de crescer o negócio até seu potencial máximo está igualmente presente como incentivo. No caso de acionistas controladores que fundaram o negócio, e às vezes tem até mesmo sua própria identidade associada à empresa, o ímpeto de buscar crescimento pode ser ainda maior. Pessoas muito bem-sucedidas no mundo dos negócios costumam ser altamente competitivas, ambiciosas e confiantes. Essas características são desejáveis na maior parte do tempo, mas são fatores de risco para cair na cilada da lenda de Ícaro: se deslumbrar com o próprio sucesso, se deixar levar pela ambição e ignorar a prudência.

O mercado contribui negativamente para esse dilema. A maior parte dos analistas de ações querem ouvir histórias de crescimento, sobre líderes talentosos que conduzirão seus negócios a campanhas expansionista em que o céu é o limite. Sob essa cultura que coloca o crescimento acima de tudo, por vezes até da rentabilidade, dizer que o plano é crescer a taxas vegetativas, mesmo que seja para manter o negócio altamente rentável, soa quase como uma admissão de fracasso.

O caso da Sees Candies

Para ilustrar como o tema não é trivial, até Warren Buffett e Charlie Munger tiveram sua curva de aprendizado a respeito. Em 1972, compraram a Sees Candies, uma tradicional fabricante de chocolates e doces artesanais da costa oeste dos Estados Unidos. Fundada em 1921, a empresa mantém até hoje a reputação de alta qualidade em todos os seus produtos, o que torna a Sees uma das marcas preferidas da região para presentes e situações especiais. O prêmio de qualidade também se traduz em um prêmio de preço que torna a operação bastante rentável.

Tendo em mãos um negócio simples de administrar e altamente lucrativo, a dupla lendária traçou um plano de expansão nacional para os produtos da Sees Candies e iniciou um movimento de abertura de lojas em vários estados americanos. Apesar das mesmas características que tornaram a marca tão famosa na Califórnia terem sido preservadas em outras regiões, a Sees nunca alcançou a mesma penetração fora da costa oeste. Enquanto na Califórnia há hoje cerca de 230 lojas, os estados próximos (Washington, Oregon, Nevada e Arizona) tem ~55 lojas e todo o restante dos Estados Unidos conta com apenas ~40 lojas.

A razão exata pela qual a Sees Candies não conseguiu crescer tanto em outros estados não é bem determinada. Seja pela falta de tradição da marca em outras regiões, maior presença de competidores, hábitos de consumo diferentes ou outro motivo qualquer, o fato é que o negócio, extraordinário na Califórnia, se mostrou não tão replicável quanto inicialmente se esperava. Após várias tentativas frustradas de expansão, Buffett e Munger abandonaram a ambição de tentar fazer a Sees crescer e passaram a distribuir todo o caixa gerado pela operação como dividendos, para que fosse alocado em outras oportunidades de investimento. A empresa se tornou um caso emblemático, comentado com frequência nas famosas assembleias de acionistas da Berkshire Hathaway, como exemplo tanto dos benefícios de manter um bom negócio em portfólio por longos períodos quanto das limitações do crescimento.

O caso da Sears, Roebuck and Co.

Apesar do nome parecido, o desfecho da história da Sears foi bem diferente da que acabamos de contar. Na década de 1950, a Sears era a maior varejista do mundo. Apesar da posição já dominante, a Sears continuou buscando crescer agressivamente ao longo de décadas, abrindo uma grande quantidade de lojas em todo o território americano e diversificando seus investimentos para várias outras atividades, incluindo seguros, corretores de imóveis, desenvolvimento de shopping centers e serviços financeiros.

Na década de 1990, a Sears entrou em declínio. Enquanto a empresa continuava sua estratégia de investir em negócios diversificados, competidores como Walmart e Target colocavam toda a sua energia na otimização de suas operações de varejo, o que lhes permitiu atingir maior eficiência e, assim, a capacidade de oferecer preços mais baixos aos consumidores finais, o que lhes permitiu ir conquistando espaço no mercado.

Em 2005, a Sears foi adquirida pelo Kmart, outra varejista que enfrentava dificuldades, e as operações de ambas foram fundidas em uma tentativa de salvação para ambas. Após a fusão, a nova empresa tentou retomar a rentabilidade fechando lojas com resultados fracos, vendendo imóveis e outros ativos da companhia e realizando manobras financeiras focadas em gerar caixa. Porém, o foco na engenharia financeira foi tão grande que a qualidade da operação de varejo foi deixada em segundo plano, com as lojas ficando cada vez mais antiquadas, com problemas de estoque e serviços de baixa qualidade.

Os anos 2000 também foram quando o e-commerce começou a ganhar tração, com empresas como a Amazon tomando mercado dos varejistas tradicionais. A Sears até tentou competir no varejo online, mas não teve sucesso na iniciativa e continuou apresentando prejuízos até entrar em falência em 2018, após 126 anos de operação.

Esse caso ilustra bem como, até uma empresa que é líder em seu setor, pode ir do ápice ao fracasso absoluto devido à ambição e autoconfiança exacerbadas. Escolhemos um caso de varejo intencionalmente. O setor é repleto de planos agressivos de expansão baseados na premissa de que acelerar o ritmo de aberturas de novas lojas resultará simplesmente na aplicação da rentabilidade média da operação existente às novas unidades. É raro que o plano funcione conforme esperado. Ao abrir um grande número de lojas às pressas, a escolha da localização é menos cuidadosa, as equipes menos treinadas e os executivos perdem a atenção aos detalhes que fazem tanta diferença no varejo. Por querer crescer rápido demais, o negócio perde qualidade, rentabilidade e consequentemente clientes.

Como lidar com o risco do crescimento em investimentos

Apesar da expansão de um negócio ser sempre desejável para seus investidores, qualquer iniciativa em busca de crescimento acelerado ou em segmentos distintos da atividade original da empresa representa um risco extra, pois os investimentos relacionados ao plano estão sob o controle da empresa e certamente se materializarão, enquanto a receita e lucros adicionais esperados dependem da evolução da demanda e do ambiente competitivo, fatores incertos e incontroláveis. Isso não quer dizer que planos ambiciosos tornam uma tese ruim, apenas significa que é necessário cautela.

A primeira questão que nunca tem uma resposta definitiva, é julgar a chance de sucesso do plano. Um ponto de partida é avaliar a natureza da rota planejada. Quanto mais próxima da atividade central da empresa, alavancando conhecimento e experiência que seus executivos já possuem, ativos que a empresa já detém e habilidades em que seus funcionários já são proficientes, maior é a chance de sucesso. O problema de ousar desbravar novos territórios é que os fatores desconhecidos são muitos e a causa do fracasso pode vir de riscos sequer identificados de antemão.

Um segundo ângulo, é avaliar a alteração do ritmo de crescimento planejada. Quanto mais súbita for a intenção de acelerar o crescimento – por exemplo, uma empresa crescendo 5% ao ano querer crescer 30% no período seguinte – maior é o risco. A capacidade de execução exigida para expandir rápido não é trivial. Pessoas demoram para se tornar proficientes em suas funções, processos demoram para ser implementados de forma eficiente e a compressão do tempo disponível para atingir essas metas torna tudo mais difícil.

O prognóstico é mais favorável quando a intenção de crescimento acelerado deriva de uma clara e franca expansão de demanda que a empresa é capaz de suprir. Mesmo assim, ainda há de se avaliar o ambiente competitivo, pois, quando uma oportunidade de crescimento é grande e evidente demais, o número de pretendentes à sua captura pode ser igualmente grande e a dinâmica competitiva se tornar destrutiva. Tipicamente, a soma dos planos de crescimento de receita de todos os participantes leva a uma receita agregada diversas vezes maior do que é concebível para o tamanho de mercado mesmo nos cenários mais otimistas. Ou seja, a maior parte dos negócios será frustrada, e é difícil determinar quem será o competidor vitorioso antecipadamente.

Quando essa expansão de demanda não está em curso e a empresa decide tentar acelerar seu crescimento estimulando o consumo ou conquistando market share, o risco é substancial. Seus clientes e competidores nem sempre se comportam da forma prevista e os planos que pareciam bons no papel podem falhar completamente.

Por fim, é necessário estimar quanto vale a pena pagar pela chance de crescimento. Como iniciativas assim são consideravelmente mais arriscadas do que manter o negócio em velocidade de cruzeiro, o retorno potencial implícito no preço das ações deve ser suficiente para compensar o risco extra. Esse conceito é básico e amplamente conhecido, mas é comum encontrarmos no mercado preços que assumem crescimentos não óbvios como praticamente garantidos, especialmente quando há executivos eloquentes explicando os planos para analistas.

Por que estamos falando disso agora

Pode parecer estranho falar sobre riscos do crescimento enquanto ainda estamos sob uma política monetária contracionista, mas o cenário mais difícil nos coloca justamente na situação em que não há expectativa de grandes saltos de demanda no horizonte, o que torna arriscado ter ambição demais. No anseio de agradar um mercado ainda pouco interessado em ações, apesar dos preços atrativos de várias delas, algumas empresas têm ficado criativas e buscado desenvolver planos de crescimento não óbvios.

Quando a demanda é incerta, preferimos as empresas que decidem focar em otimização operacional e nos preparativos para a próxima onda de oportunidades do que as que embarcam na tentativa de gerar receita extra justamente quando fazer isso é mais difícil. Em um exemplo simples, não é eficiente intensificar os investimentos em marketing durante recessões econômicas, pois é mais difícil realizar vendas extras quando os consumidores finais têm menos dinheiro. Além da taxa de sucesso ser reduzida, as vendas extras tendem a ter baixo valor e o retorno sobre o capital investido em marketing costuma ser insatisfatório.

Com esse pano de fundo, recentemente rejeitamos algumas teses de investimento em empresas com bons negócios por causa de planos de crescimento que julgamos inadequados. Assim, aproveitamos para compartilhar o alerta aos riscos dessa natureza e para informar nossos investidores que, mesmo estando otimistas com os preços baixos das ações na bolsa brasileira, continuamos atentos para não cometermos o erro de Ícaro, de nos aproximar demais do sol.

Confiram os comentários de Ivan Barboza, gestor do Ártica Long Term FIA, sobre a carta desse mês no YouTube ou no Spotify.

* Ivan Barboza é mariliense, gestor e co-fundador do Ártica Long Term FIA

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O preço da ambição