Apesar de mais de 30% da população ser declarada negra na cidade,
Câmara possui apenas 8% de representação desta raça

Oficialmente instituído em âmbito nacional pela lei nº 12 519, de 10 de novembro de 2011, o Dia da Consciência Negra é celebrado como feriado em cerca de mil cidades em todo o país, incluindo a capital do Estado de São Paulo e mais de 100 municípios paulistas.
Apesar de uma população que contabilizava 70 mil negros pelas estatísticas do IBGE em 2019, ou o equivalente a 32% da população total, a data nunca foi instituída como feriado em Marília.
Uma desproporção que talvez possa justificar a ausência de mobilização nesta data é observada na representatividade desta população em cargos públicos: a Câmara Municipal, composta por 13 cadeiras, teve apenas um vereador negro no período de 2017-2020 (Maurício Roberto, do PP).
Após as eleições, novamente uma única cadeira será ocupada por um representante da comunidade negra, o jovem Ivan Negão, eleito com 1.606 votos para o mandato 2021-2024, o que significa apenas 8% de nosso Legislativo.
A realidade se mostra ainda mais desigual quando se avalia o Poder Executivo Municipal, como nos cargos de prefeito e vice-prefeito, jamais ocupados por negros na história do município, e em Secretarias Municipais onde há décadas não há representantes da etnia.
De acordo com Sugar Ray Robson Gomes, coronel da Polícia Militar, cientista social e também presidente do Conselho Municipal da Promoção da Igualdade Racial, o fato de não haver celebração da data com um feriado deixa de evidenciar aspectos como a desigualdade e a violência resultantes do racismo.
“À medida que temos um feriado como data festiva, naturalmente há uma mobilização de maior amplitude e cria-se uma consciência da importância desta causa em razão de uma data de sensibilização nacional. A não inclusão da data como feriado municipal deixa a cidade apática à questão. É ignorado que Marília possui uma expressiva comunidade negra, bem como sua vulnerabilidade, além da violência policial contra o negro e outros problemas raciais que existem na cidade, mas não são percebidos na maioria das vezes por estarem restritos à periferia, longe do olhar da mídia e da sociedade em geral”, pontua Gomes, que também é secretário do Instituto Uncora (Unidos Contra o Racismo).
O presidente do conselho destaca que, ao se falar da etnia negra, é comum que a sociedade a vincule a determinadas mazelas históricas, como a violência, a favela e indivíduos mais vulneráveis, sendo necessário agir para modificar essa mentalidade.
“É preciso evidenciar que somos sim atuantes, capacitados, envolvidos em questões sociais, trabalhos voluntários, cultura, entre outros segmentos relevantes na sociedade. O negro deve ser valorizado da mesma forma como as demais etnias são valorizadas na cidade de Marília, assim como a japonesa, por exemplo.”
No entanto, apesar de a cidade contar com uma expressiva comunidade de afrodescendentes, essa parcela ainda não conseguiu se organizar, se mobilizar ou se articular politicamente.
“Basta olharmos pelo processo eleitoral o quanto o negro ainda não se faz representado na política municipal. Então é muito importante que, por meio da mobilização do afrodescendente, do negro, da negra, seja possível participar do processo político da cidade e, com isso, passar outra imagem de nossa capacidade e participação no processo histórico do país.”
O quadro começa a se redesenhar com a presença de movimentos como o Conselho Municipal da Promoção da Igualdade Racial, aprovado há dois anos, e também a com a recente criação do Instituto Uncora, ambos em busca de mecanismos para que haja a articulação política e social dos afrodescendentes.
“São organizações da sociedade civil que buscam ser mediadoras dos anseios da comunidade junto ao poder público municipal. Há esse desafio de se aproximar dos grupos mais vulneráveis para dialogar e se tornar porta-voz de toda a deficiência e fragilidade que permeia a sociedade em todas as suas temáticas. Essa discussão é urgente e esse é o grande desafio destas entidades. Precisamos desenvolver um trabalho de sensibilização e mediar anseios para que as demandas de fato cheguem até o poder público e possamos encontrar soluções que não sejam apenas um alto gasto do dinheiro público com resultados inexpressivos”.

Políticas públicas
O secretário do Uncora pontua que atualmente não há políticas públicas desenhadas específicas para a parcela negra da população e ressalta que é preciso reavaliar algumas das medidas atualmente estudadas. “Não adianta estabelecer uma política pública que terá resultados ínfimos. É preciso dialogar, é preciso que se escute quais são os anseios e dificuldades enfrentadas por essa população para então tomar decisões estratégicas que sejam realmente capazes de transformar a vida dessas pessoas, que hoje acordam sem perspectiva alguma.”
Sugar exemplifica a situação com sua crítica à criação da Guarda Municipal do município.
“Não precisamos de um sistema a mais de segurança pública na cidade, até porque a Polícia Militar e a Polícia Civil são as instituições constitucionalmente elencadas para essa finalidade. O que nós precisamos realmente é de ações eficazes na área social, nas periferias de nossa cidade. Por meio de políticas públicas envolvendo o segmento mais vulnerável, a começar pelo morador de rua, da favela (segmento que percebemos ser crescente na cidade e que é composto, em sua maioria, por pessoas negras), mas que não choca por não estar em evidência como no Rio de Janeiro, por exemplo, que têm favelas em áreas mais nobres.”
Diante dessa realidade, Sugar acredita ser muito mais eficiente investir em políticas públicas preventivas do que pensar num projeto de criação de mais uma ferramenta de força policial para se combater um problema sociocriminal.
“Devemos combater o problema com ações que chegam até a ponta da linha, que atinjam realmente aqueles que mais necessitam. Não somente com doação de cestas básicas, que não passa de clientelismo, apenas atenuando pontualmente um problema diário. O que precisamos são políticas capazes de transformar essa realidade. E esse é será um grande desafio para o poder público municipal”.
Dia da Consciência Negra
Ainda que a data não seja considerada pelo calendário municipal e que exista uma grande dificuldade na articulação do movimento negro a se firmar, Sugar Ray afirma que há sim o que se comemorar.
“Sou de uma época em que questões como o racismo e a intolerância religiosa não eram discutidas. E hoje vemos que muito mudou. Esperamos que datas como esta contribuam como agentes de transformação de comportamento. É preciso haver debate, discussão e visibilidade para estas causas, que repercutem na sensibilização da sociedade como um todo e consequente modificação da realidade econômica e até mesmo da representação simbólica do povo afrodescendente. Esperamos que muito contribua para a reflexão e mudança de comportamento do cidadão. Numa sociedade multirracial, todos nós temos muito a ganhar com isso”, finaliza.

para transformar a data em feriado
Sem apelo
O vereador Maurício Roberto (PP) destacou que não existe apelo social para que a Câmara Municipal transforme a data em feriado municipal.
“Durante meu mandato, essa pauta nunca foi discutida e nenhuma solicitação foi trazida a mim pela população. O apelo social é fundamental para que as alterações sejam feitas”, disse. O vereador acrescenta que, independentemente de ser feriado ou não, é um momento para discutir questões do racismo, sobre as cotas e a necessidade de reparos históricos. “Mas a sociedade, de uma maneira geral, ainda não se debruçou sobre esses temas”, pontuou.

civis dos negros nos EUA
Ícone
O americano Martin Luther King Jr. foi um dos grandes ícones do século 20. A sua grande popularidade deveu-se à liderança que exerceu na luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, nas décadas de 1950 e 1960.
King possuía uma grande capacidade de discursar em público e de agregar um grande número de pessoas em manifestações pacíficas contra as leis de segregação racial dos estados do Sul dos EUA.
Por tal característica, ele chegou a receber o prêmio Nobel da Paz em 1964. Quatro anos mais tarde, sua vida foi interrompida.
Em 4 de abril de 1968, Luther King estava na sacada de um apartamento no Hotel Lorraine, na cidade de Memphis, estado do Tennessee, quando foi atingido por um tiro de espingarda que o matou.
O autor do disparo foi James Earl Ray, um presidiário fugitivo. As investigações da polícia à época seguiram a pista de que Ray teria sido contratado por políticos e outras pessoas de grande influência social para matar King. No entanto, com o tempo, não houve provas que comprovassem isso. O mais provável é que Ray, que era declaradamente racista, tenha agido por convicção própria.
I have a dream (Eu tenho um sonho)
No dia 28 de agosto de 1963, Luther King discursou para um público de 250.000 pessoas em Washington, capital dos Estados Unidos. Foi nesse discurso que ele expressou o desejo de ver seu país sem a segregação racial, como fica claro no trecho abaixo:

“Eu tenho um sonho que um dia essa nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro significado da sua crença. Consideramos essas verdades como autoevidentes que todos os homens são criados iguais. Eu tenho um sonho que um dia, nas montanhas rubras da Geórgia, os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes de donos de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade.”