Em 1217, o monge Buchard, abade da cidade de Ursberg na Alemanha, fez uma anotação curiosa sobre suas observações celestes: por um tempo, uma estrela tênue brilhou com grande luz. Ele não sabia, mas havia acabado de testemunhar uma rara, mas recorrente explosão estelar, que poderá ser vista novamente em 2024 – pelo menos é o que os cientistas esperam.
Com intervalos de cerca de 80 anos, esse grande brilho é emitido pela T Corona Boralis (T CrB), uma sistema relativamente próximo, a 3 mil anos-luz de distância, localizado na constelação da Coroa Boreal. Se trata de uma nova, uma grande explosão desencadeada por eventos de fusão nuclear em estrelas binárias.
“Não se pode confundir com supernovas, que são explosões dos núcleos de estrelas muito massivas e que marcam o final de seu ciclo evolutivo”, afirma a VEJA o astrofísico e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), Roberto Dell’Aglio Dias da Costa.
Qual a importância desse evento astronômico?
Novas são consideravelmente frequentes, mas essa em específico chama muito a atenção dos amantes da astrofísica por acontecer em uma estrela próxima e poder ser observado a olho nu. A última vez que ocorreu foi em 1946, quando a maioria das tecnologias disponíveis hoje ainda não existiam.
A próxima explosão, portanto, será uma grande oportunidade de estudo desse fenômeno. “Normalmente, esses eventos são tão fracos e distantes que é difícil identificar claramente onde a erupção de energia está concentrada”, disse Elizabeth Hays, astrofísica da Nasa, em comunicado. “Este será realmente próximo, com muitos olhos estudando os vários comprimentos de onda e, espero, nos dando dados para começar a desvendar a estrutura e os processos específicos envolvidos. Mal podemos esperar para ter uma visão completa do que está acontecendo.”
De fato, desde já, muitos telescópios já estão apontados para o sistema estelar, o que permitiu observar que os mesmos comportamentos vistos nos dias que antecederam a explosão de 1946 já estão acontecendo. A expectativa – que, nota-se, pode ser frustrada – é que a nova ocorra já em setembro de 2024.
Ela poderá ser observada do Brasil?
A T CrB se localiza em uma constelação vista mais facilmente a partir do hemisfério norte. No Brasil, portanto, a visualização será muito difícil, próxima ao horizonte, e apenas nos estados do Norte e do Nordeste. “Ocorrendo a explosão, estima-se que ela fique tão brilhante como uma das Três Marias por algumas semanas”, diz Costa.
O que são Novas?
Diferente das supernovas, que marcam o fim da vida de uma estrela, as novas ocorrem com alguma frequência, em sistemas binários compostos por estrelas muito próximas. A T CrB é um desses sistemas, composta por uma anã branca (um corpo muito denso, com massa semelhante ao nosso sol, de tamanho equivalente ao da Terra) e por uma gigante vermelha que está sendo devorada pela parceira.
Esse tipo de relação faz com que a superfície da anã branca seja submetida a uma alta pressão e a uma alta temperatura. Após um tempo, que nesse caso é de cerca de 80 anos, esse acúmulo causa uma fusão nuclear que provoca uma explosão capaz de expelir a energia extra – provocando o que nós chamamos de nova, um brilho repentino e passageiro no sistema em desequilíbrio, que curiosamente é responsável pela produção de boa parte do lítio presente no universo.
A previsibilidade desses eventos, no entanto, não é tão confiável. Embora ocorra com certa frequência, é possível que esses padrões mudem de repente, sem muita preocupação de dar explicações para a humanidade – comportamento igualmente desagradável e fascinante dos objetos celestes.
Revista D Marília / Fonte: Diário do Brasil Notícias