
A presença cada vez maior de brasileiros em Portugal está provocando impactos importantes na demografia do país. Estudo elaborado pelo Banco de Portugal, intitulado Demografia em Portugal: Cenários para o Século XXI, mostra que, desde o início do atual fluxo de cidadãos do Brasil cruzando o Atlântico, em 2017, a curva populacional em território luso começou a inverter, registrando, em 2019, o primeiro aumento depois de uma década em retração.
Um dos reflexos mais importantes dessa nova realidade pode ser visto no perfil dos bebês nascidos em Portugal. Em 2023, o último dado disponibilizado pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE), 10% (8.583) de todas as crianças registradas no país (85.699) eram filhas de mães brasileiras. Quando avaliado somente o grupo de estrangeiros que vivem em Portugal, os bebês de mães brasileiras representaram 34,3% do total (25.034). Em 2019, essa proporção era de 26,2% (4.537 de 17.335). Em cinco anos, o número de bebês de mães brasileiras nascidos anualmente em Portugal quase dobrou.
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Na avaliação da demógrafa Simone Wajnman, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Portugal deve comemorar os resultados desse movimento migratório, que ela considera subestimados, pois não computam os filhos de pais brasileiros casados com portuguesas. “As estatísticas contam apenas a nacionalidade da mãe”, frisa. Para ela, a imigração tem um efeito multiplicador, não apenas na economia, mas, também, na demografia.
A advogada Francieli Francisquini com os filhos Mateus e Lucas, e o marido Pablo Bertoloze Patrícia Carvalho
“Com a população do país envelhecendo rapidamente e uma taxa de natalidade muito baixa, os filhos de imigrantes significam força futura de trabalho para bancar a dependência de idosos”, explica a especialista. Sem o reforço populacional dos imigrantes, o país veria a população encolher continuamente nas próximas décadas, risco que ainda não está descartado, segundo o Banco de Portugal.
Governo apoia
Para a demógrafa, não é à toa que o Governo português vem estimulado a imigração, sobretudo, de brasileiros — em fevereiro, quando esteve no Brasil, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, fez um convite claro a eles. “Quanto mais velha for a população, maiores serão os custos fiscais. Um idoso pesa mais para o Estado do que uma criança. Sendo assim, é preciso rejuvenescer a população para que os mais jovens gerem riqueza”, afirma.
Ela reconhece, contudo, que toda imigração cria um certo incômodo junto à população local, seja do ponto de vista cultural, seja por meio dos preços relativos, como é o caso da habitação. Os aluguéis e o valor de compra dos imóveis têm aumentado sistematicamente ante a demanda maior. Cabe ao Governo, contudo, conter os danos por meio de políticas públicas que corrijam as possíveis distorções de mercado, insiram os imigrantes na sociedade e deem acesso a eles a serviços fundamentais como saúde e educação.
A paulistana Lívia Simanauskas com o filho Bento e o marido, Victor Abussafi: ela quer dar um boa educação ao menino Arquivo pessoal
Pelos cálculos do Banco de Portugal, a taxa de natalidade do país tem girado entre 1,5 e 1,6, muito baixa para uma nação que, na visão dos especialistas, pode estar caminhando para o suicídio demográfico. “Os imigrantes, no geral, são mais jovens do que a média da população local. Ao terem filhos, reforçam o piso da pirâmide etária”, destaca Simone.
Dores e delícias
A paranaense Michelly Serotnik, 27 anos, teve as duas filhas em Portugal: Sofia, de 2 anos e meio, e Laura, de 7 meses. Como a maioria dos expatriados, ela e o marido, o capixaba Luís Felipe Costa, 39, queriam uma qualidade de vida melhor. Principalmente, quando resolveram aumentar a família. O casal, que vivia na cidade de São Paulo, hoje mora em Setúbal. “Acho maravilhosa a rotina daqui. Tudo é mais simples”, ressalta Michelly, que chegou ao país em 2020.
Ela reconhece, porém, que nem tudo são flores na vida de mães imigrantes. E isso se explicitou com o nascimento de Sofia, quando sentiu falta de parentes e amigos, a chamada rede de apoio que tinha no Brasil. Para não viver a experiência de ser mãe de primeira viagem sozinha, ela criou o site maisquemaes.com, há três anos. “Claro que tem o meu marido, mas eu queria alguém para desabafar e trocar informações sobre a maternidade. Com o site, passei a ter contato com mulheres grávidas ou que tiveram bebês, que, assim como eu, chegaram a Portugal sem conhecer ninguém”, conta.
Tamarys Nalesso e Leonardo Schlichting esperam o primeiro filho, que nascerá em Portugal Arquivo pessoal
Michelly rebate o discurso, às vezes político, de que muitos brasileiros planejam ter filhos em Portugal para obter a dupla nacionalidade. “Vejo que a maioria das pessoas que têm vindo para o país reúne boas condições financeiras e querem, mesmo, mais segurança para criar seus filhos”, assinala. Formada em recursos humanos, atualmente, ela dedica 100% de seu tempo a Sofia e Laura. “Sei que sou privilegiada. Meu marido ainda trabalha em home office, na área de TI (Tecnologia da Informação), o que torna a nossa rotina com as meninas mais tranquila”, acrescenta.
Futuro das crianças
A advogada mineira Francieli Francisquini, 39, é mãe de Lucas, 8, e Mateus, 3. Ela e o marido, o também advogado mineiro Pablo Bertoloze, 39, avaliaram que viver na Europa seria a decisão mais acertada para preparar a prole para o futuro. “Eles terão uma visão de mundo muito maior”, destaca ela, que ficou grávida do caçula em território português. Adaptada a Cascais, onde mora, Francieli também gostaria de ter o suporte que encontra em Minas Gerais. “Meus sogros e minha mãe vieram passar um tempo comigo quando dei à luz, porque isso é complexo mesmo”, diz, diante da perda da agenda médica. “No início, bate aquela insegurança, mas os meninos, agora, têm uma ótima pediatra”, elogia.
A paulistana Lívia Simanauskas, 38, não tinha planos de morar e ter filhos em Portugal. Ela se mudou para Lisboa, em 2017, apenas para fazer um MBA em administração. No segundo dia em solo luso, porém, conheceu o marido, Victor Abussafi, 36, num churrasco com amigos brasileiros. Hoje, eles residem na Trafaria, em Almada, e são pais de Bento, de 1 ano e 4 meses. “Viver no exterior sempre tem prós e contras, mas o acesso a uma boa educação para o Bento pesou muito na decisão”, conta Lívia.
Camilla Fernandes optou pela dedicação total ao filho Manoel neste momento. O marido, Bruno, apoia Arquivo pessoal
Ela e o marido, que é de Campos de Jordão e, atualmente, faz um curso de TI, não pensam em voltar para a terra natal. E conhecem conterrâneos com o mesmo propósito. “As pessoas se sentem seguras em Portugal. E, com formação qualificada, elas também acabam sendo valorizadas no mercado de trabalho e resolvem ficar de vez”, destaca Lívia. Formada em gestão ambiental, ela já pensava em ter um cotidiano menos agitado. Vivendo na cidade de São Paulo, levava duas horas para ir e duas para voltar do emprego, em Taboão da Serra. “E estava infeliz, sem qualidade de vida nenhuma”, assinala
Mães dedicadas
Mãe de Manoel, de apenas 1 aninho, Camilla Fernandes, 37, a exemplo de Michelly, hoje vive exclusivamente para a maternidade. “Se ele tem febre na creche, tenho de sair correndo”, relata. Ela, que trabalhava como gestora de uma loja de cosméticos, e o marido, o personal trainer e ex-policial militar Bruno Fernandes, 36, trocaram a cidade de São Paulo por Cascais, em 2023. “Como nós somos de Curitiba, ainda pensamos em voltar para lá. Mas acabamos escolhendo Portugal porque queremos dar uma infância mais segura para o nosso filho, que poderá ir sozinho à escola, e, quando crescer, terá a Europa para desbravar”, planeja ela.
Nicole Araújo é mãe de Aurora. Ela e o marido, Diego Ibanez, têm uma escola de surf em Cascais Arquivo pessoal
Tamarys Nalesso, 37, e Leonardo Schlichting, 36, também curitibanos, serão pais pela primeira vez. À espera de um menino, ela cruzou o Atlântico em setembro passado. Ele desembarcou antes, há nove meses, para encontrar um imóvel para a família morar, no distrito de Lisboa, e resolver questões burocráticas comuns aos imigrantes. “Creio que, no Brasil, ficamos cegos, não vemos como o mundo é grande”, analisa Leonardo, que, como a mulher, é do ramo de TI. “A Europa pode nos trazer muitas oportunidades”, emenda ele. Sobre o crescimento do número de bebês estrangeiros em Portugal, o curitibano avalia que “a Europa é um continente que, de uma maneira geral, está envelhecendo há algum tempo”. Por isso, acredita ele, “a imigração dá um up na taxa de natalidade”, reflete.
Mãe de Aurora, de 1 ano e 5 meses, a mineira Nicole Araújo, 26, se mudou com toda a família para Cascais. “A ideia, aliás, foi do meu padrasto”, conta ela, que estava na faculdade de direito quando ganhou um novo endereço há seis anos. Ela conheceu o marido, o carioca Diego Ibanez, 26, em Portugal, mais especificamente na praia. Hoje, eles têm uma escola de surfe, onde Diego dá aulas. “Nós crescemos juntos, porque a vida de imigrante não é fácil, mesmo para quem tem familiares por perto”, alerta. “Sei que nós ajudamos a aumentar a taxa de natalidade de Portugal. E acho que é algo muito positivo, porque os jovens portugueses preferem emigrar”, avalia.
Fonte: publico.pt
Fonte: Diário Do Brasil