
No município de São José, na Grande Florianópolis (SC), um condomínio transformou-se em protagonista de uma história que atravessou os limites da vizinhança e se espalhou pela internet. Entre as paredes do prédio surgiu uma norma curiosa: a proibição de relações sexuais após as 22h.
A regra foi resultado de 18 reclamações formais de moradores que se diziam perturbados por gemidos, batidas de móveis e conversas em tom elevado durante a madrugada. O episódio foi apelidado nas redes sociais de “toque de recolher do amor”.
A medida, no entanto, não tem validade legal. Segundo o portal especializado em gestão condominial SíndicoNet, não cabe ao condomínio proibir atividades íntimas dentro das unidades privativas. “Barulho por lei é proibido após as 22h pela lei do silêncio, mas isso não quer dizer que relações sexuais possam ser proibidas”, explica a síndica profissional Joice Honório.
“O síndico é responsável pela área comum, da porta para dentro a responsabilidade é do dono da unidade.”
Marcelo de Souza Sarmento, advogado especialista em direito imobiliário do escritório RCT Advogados, considera a norma criada pelo condomínio em Santa Catarina equivocada e desnecessária. Para ele, não havia motivo para citar especificamente a relação sexual, já que o problema não está no tipo de ato em si, mas no ruído que pode prejudicar a coletividade.
Sarmento destaca que bastaria a assembleia condominial ter definido limites gerais de barulho, sem restringir apenas um comportamento: “Pode ser hoje uma relação sexual, amanhã uma música clássica enquanto um condômino estuda, ou até mesmo alguém socando alho na cozinha. O que precisa ser regulado é o ruído como um todo, independentemente da origem. Ao focar apenas no ato sexual, o condomínio acabou adotando uma medida extremista, mais para chamar atenção do que para resolver de fato a questão.”

Até onde vai a liberdade dentro do apartamento?
Moradores podem agir à vontade em suas unidades, mas barulho excessivo, exposição ou atos que prejudicam vizinhos podem resultar em multas e sanções, alertam especialistas. Veja
Entre quatro paredes — principalmente dentro das pagas com o próprio dinheiro — tudo é permitido? A princípio, em um apartamento individual inserido em um condomínio, a individualidade e a expressão pessoal são garantidas — exceto quando extrapola o limite do vizinho.
Foi o que aconteceu com uma técnica de laboratório que
recebeu um pedido de um “Conselho de Mulheres do Condomínio” para não andar nas áreas comuns do prédio usando “roupas de academia e shortinhos”. A solicitação, registrada no Sudoeste em 2021, foi justificada por um suposto constrangimento de casais pelas vestimentas.
Mas até onde os vizinhos podem interferir no que os outros moradores fazem? No caso do DF, o presidente da Associação Brasileira de Síndicos e Condomínios do Distrito Federal (Abrassp), Paulo Melo, destaca que “as pessoas podem circular livremente com roupas de academia pelo condomínio”, e não existe qualquer regimento interno que preveja um conselho de mulheres.
Entre quatro paredes — principalmente dentro das pagas com o próprio dinheiro — tudo é permitido? A princípio, em um apartamento individual inserido em um condomínio, a individualidade e a expressão pessoal são garantidas — exceto quando extrapola o limite do vizinho.
Boa convivência
Advogado especialista em direito imobiliário do escritório RCT Advogados, Marcelo de Souza Sarmento explica que regras condominiais devem abranger situações que afetem o condomínio como um todo, tratadas como condutas antissociais. “Um condômino que, embora esteja dentro do seu apartamento, prejudica o sossego do condomínio, pode sim sofrer sanções, advertências, multas e, no limite, até ser expulso mediante processo judicial”, frisa.
O limite jurídico, no entanto, é o equilíbrio entre o direito individual e o direito da coletividade, conforme o especialista — ou seja, o direito dentro de um apartamento acaba quando começa a prejudicar outros condôminos. O regimento interno pode ser um aliado na restrição de comportamentos relacionados ao coletivo e ao ruído.
“Se for realizada uma festa, uma prática religiosa ou uma relação sexual muito barulhenta que extrapola os limites da residência, o condomínio pode sim restringir, porque está visando o bem comum”, argumenta Sarmento. “Um condomínio que não toma atitudes diante de barulhos extremos pode acabar desvalorizando a região ou o imóvel.”
O especialista ainda alerta para excessos: “A instalação de medidores de decibéis para medir o som de relações sexuais realmente já é levar a situação ao extremo.” A dificuldade prática de identificar a origem do barulho também é um empecilho invasivo. “Pode ser que a unidade acima, ao lado ou embaixo não seja a responsável. Nem sempre é fácil identificar de onde vem o ruído.”
Diante de reclamações reiteradas, Sarmento afirma que é essencial prová-las — caso contrário, o síndico pode ser acusado de perseguir alguém. “Inicialmente, é preciso diálogo, notificação, advertência e, se necessário, aplicação de multa”, diz o especialista, sendo que o valor da multa não é definido por uma assembleia.
Segundo o advogado, o condômino punido pode pedir a nulidade da norma ou da multa se considerar que houve invasão da sua esfera íntima. “Mas se ele efetivamente prejudicou outros condôminos, as chances de sucesso judicial são mínimas”, acrescenta.
O limite jurídico, no entanto, é o equilíbrio entre o direito individual e o direito da coletividade, conforme o especialista — ou seja, o direito dentro de um apartamento acaba quando começa a prejudicar outros condôminos. O regimento interno pode ser um aliado na restrição de comportamentos relacionados ao coletivo e ao ruído.
“Se for realizada uma festa, uma prática religiosa ou uma relação sexual muito barulhenta que extrapola os limites da residência, o condomínio pode sim restringir, porque está visando o bem comum”, argumenta Sarmento. “Um condomínio que não toma atitudes diante de barulhos extremos pode acabar desvalorizando a região ou o imóvel.”
Nudez privada
Seja em roupas íntimas ou completamente nu, o famigerado vizinho pelado gera opiniões controversas. O Código Civil brasileiro garante ao morador o direito de usar o interior do imóvel como quiser, mas a nudez deve ser praticada em locais sem possibilidade de ser vista por terceiros.
O problema surge quando o morador se expõe em varandas, janelas ou áreas visíveis para outros condôminos.
No contexto condominial atual, Sarmento disserta não existir mais a caracterização de atentado ao pudor ou importunação sexual. Segundo ele, hoje, situações que envolvem exposição ou constrangimento podem, dependendo do caso, ser enquadradas como estupro ou violação do direito coletivo.
“Uma pessoa está nua no próprio apartamento, com a janela voltada para a área comum da piscina, da entrada da portaria ou do salão de festas. Nesse caso, pode-se reclamar, a pessoa pode ser notificada e, por se tratar de um ato libidinoso, até ser expulsa do condomínio”, ilustra o especialista.
“Se a pessoa fechar a cortina, pode andar à vontade. Mas se deixar a janela aberta com a intenção de se expor, aí sim podem ocorrer multas e até expulsão, dependendo da gravidade e da frequência da situação.”
Sarmento esclarece que andar nu dentro do apartamento não gera problemas legais, desde que não haja intenção de se expor. De acordo com o artigo 1.336, inciso IV, do Código Civil a pessoa deve utilizar a sua unidade de forma que não prejudique o sossego, a salubridade e a segurança dos demais condôminos.
Fonte: Correio Brasiliense
Por: Bianca Lucca