Impressões agradáveis da nova fronteira vitivinícola do Brasil
Recentemente fui recebido na cidade de Poços de
Caldas, sul de Minas Gerais, pelo médico ginecologista Marcos Arruda
Vieira, que, de modo espetacular guiou-me pela região, apresentando-me pessoas,
empresas e instituições ligadas ao setor vitivinícola local e regional.
Destaques especiais vão para o engenheiro agrônomo
Murilo Albuquerque Regina, para a Vinícola Estrada Real, para a EPAMIG de Caldas
(MG) e para a empresa Vitacea Brasil. Fiquei impressionado! Tentarei colocar
nestas duas páginas todas as brilhantes impressões que tive desta
visita-passeio extremamente agradável.
VINÍCOLA ESTRADA REAL
“Onde se faz café bom, se faz vinho
bom”, afirmou Murillo de Albuquerque Regina. Assistindo uma das palestras
do agrônomo, o médico Marcos Arruda arguiu: “É possível fazer um vinho
destes em Três Corações?”. “Sim”, respondeu Murillo. “Desde que
seja com a inversão do ciclo natural da videira”. Reticente, replicou
Marcos Arruda: “Mas isso é possível?”. Já em tom de desafio, retrucou
Murillo. “O que se precisa é de um maluco para apostar neste projeto”.
Desafio aceito, Marcos Arruda cedeu a Fazenda da Fé, localizada em Três Corações (MG), e, no ano de 2001, a EPAMIG, tendo Murillo à frente, iniciou os estudos da “Dupla poda” em Três Corações. Uma poda é feita no mês de agosto e outra em janeiro.
Com a poda em janeiro, o ciclo da videira recomeça com a planta florescendo em abril e maio, e as uvas colhidas no final de julho e início de agosto. A parceria de sucesso estava montada. Assim foi criada a premiada Vinícola Estrada Real.
UVA SYRAH
A uva Syrah foi a que melhor se adaptou ao sistema
de dupla poda. Inclusive hoje já com videiras próximas a 20 anos, o que
esclarece uma das dúvidas iniciais do projeto. Não se sabia se estas videiras
com “dupla poda” produziriam uvas por muito tempo.
As uvas são produzidas na Fazenda da Fé e a
vinificação agora fica por conta da enóloga chilena Betzabé Galaz Escanilla, na
vinícola montada no Distrito Santana de Caldas (MG). Nos anos anteriores, a
vinificação era realizada na EPAMIG de Caldas, com supervisão da enóloga
Isabela Peregrino.
Também estão sendo realizados testes com as uvas
tintas Cabernet Sauvignon, Malbec, Petit Verdot e Tempranillo, e com as brancas
Chardonnay e Sauvignon Blanc, além de vários projetos, como o de produção de
espumantes. Merece destaque especial dentro destes projetos, a realização da
vinificação dos vinhos dentro da própria Fazenda da Fé.
Com os resultados obtidos até agora, pode-se
afirmar que, com as atitudes destes verdadeiros “bandeirantes” do
mundo vitivinícola, foi sacramentada uma nova fronteira do vinho no Brasil,
agora na região sudeste do país. Isto já é uma realidade de sucesso! Parabéns
a todos vocês !
EPAMIG – Caldas
A cidade de Caldas (MG) tem o Programa Estadual
de Pesquisa em Vitivinicultura da EPAMIG. Este Programa age diretamente no
desenvolvimento de novos polos vitícolas, técnicas de manejo da videira, tanto
de uvas finas, como de uvas de mesa, variedades viníferas tintas e brancas,
seleção de porta-enxertos para as cultivares Syrah, Merlot e Cabernet Sauvignon
em manejo de dupla poda caracterização das regiões produtoras e técnicas de
vinificação. Suas principais linhas de pesquisa são o manejo do vinhedo,
fisiologia da videira, metabolismo da uva, propagação e enologia.
Fui muito bem recebido pela enóloga do setor de
vitivinicultura Isabela Peregrino, que muito atenciosamente mostrou-me toda a
estrutura da instituição, que somando-se à competentíssima condução técnica por
parte das pessoas que lá dedicam seus conhecimentos em prol da vitivinicultura,
produzem resultados extremamente satisfatórios. Parabéns a todos!
VITACEA BRASIL
Criada em 2003, pelos sócios Murillo de
Albuquerque Regina, Patrick Arsicaud e Thibaud de Salettes, com o propósito de
produção de mudas clonadas de videira obtidas de material vegetal com garantia
de pureza genética e sanitária, a “Vitacea Brasil” localiza-se no
município de Caldas (MG), e é hoje o viveiro vitícola líder no mercado
nacional.
Produz atualmente mais de 2 milhões de enxertos
e porta-enxertos enraizados, fornecendo mudas de qualidade em todos os
segmentos da viticultura, sejam eles, uvas de mesa, suco, vinho comum e vinho
fino. Possuem licença para multiplicação das variedades e clones dos principais
obtentores e selecionadores mundiais, tais como ENTAV (França), Sun World
(EUA), Grappa (EUA), SNFL (Espanha) e Embrapa (Brasil).
A empresa produz ainda estacas lisas e gemas
produtoras, e as seguintes uvas de mesa: Niágara Rosada- Seleção Guarani,
Niágara Rosada, BRS Vitória, BRS Núbia, BRS Ísis, Crimson Seedless e Thompson
Seedless. Para o vinho comum e suco de uva, destacam-se : BRS Violeta, BRS Carmen,
BRS Magna, Bordô Paco (EPAMIG clone 13), Bocaína (EPAMIG clone 16), BRS Concord
(clone 30) e Isabel Precoce.
Destaque especial vai para as seguintes uvas
para a produção de vinhos finos: Chardonnay, Pinot Noir, Cabernet Franc,
Cabernet Sauvignon, Merlot Noir, Malbec, Tannat, Marselan, Viognier, Syrah,
Grenache, Riesling, Gewurztraminer, Mourvèdre, Muscat Petit Grains, Petit
Verdot, Sauvignon Blanc, Touriga Nacional e Marsanne.
No ano de 2018, associando-se à empresa Brasil
Uvas, montou em Juazeiro (BA) a Vitacea Nordeste, para a produção de mudas de
videiras das variedades modernas de uvas sem sementes, tudo sob licença das
principais empresas de melhoramento mundiais.
A Vitacea Brasil também apresenta um setor,
criado em 2019, que é a Vitacea Enológica, equipada para a vinificação de
rótulos próprios e também de terceiros. Atua na elaboração de vinhos finos
tranquilos (tintos, brancos e rosés), além da elaboração de vinhos espumantes
pelo método Champenoise e prestação de serviços para terceiros, inclusive com
análises físico-químicas dos vinhos.
A empresa atua na interpretação e recomendação
de análises de solos, emissão de Certificado Fitossanitário de Origem (CFO),
emissão de Permissão de Trânsito de vegetais (PTV), visitas técnicas para laudos
de viabilidade vinícola de propriedades, assessoramento para implementação e
manutenção de vinhedos, dentre outros.
Tive a oportunidade de visitá-la e, através das
explicações feitas, no local, pela enóloga chilena Betzabé Galaz Escanilla, que
faz parte do time de experts, fui capaz de certificar-me da excelência com que
executam seu trabalho.
O JANTAR
De modo a coroar esta agradável
visita, tive a oportunidade de participar de um jantar, no restaurante Touro
Grill, na cidade mineira de Poços de Caldas, onde, entre amigos apreciadores de
vinhos, passamos horas extremamente agradáveis, entre carnes e vinhos
especialmente escolhidos.
Nesta noite fui apresentado ao muito bom vinho da
vinícola Estrada Real, o “Primeira Estrada Syrah”, exemplar da safra 2010,
com passagem por 12 meses em carvalho francês, seguidos por mais 12 meses
envelhecendo em garrafas em uma cave com temperatura controlada, teor alcoólico
de 13,5% e produção limitada a 10.000 garrafas.
Aspecto visual muito bonito, escuro e brilhante,
aromas remetendo a frutas negras e vermelhas (com predomínio das primeiras),
madeira muito bem integrada ao vinho, um pouco de pimenta, taninos finos/médios
persistentes, bem equilibrado, bom corpo, elegância (apesar da acidez
destacada) e boa persistência. Muito bom vinho!
Grata surpresa que reafirmou e consagrou todas as excelentes impressões que tive nestes dias extremamente agradáveis!
MURILLO DE ALBUQUERQUE REGINA
Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de
Agricultura e Ciências de Machado(1983), Murilo Albuquerque Regina é mestrado
em Viticultura e Enologia pela Université de Bordeaux II(1990), doutorado em
Viticultura e Enologia pela Université de Bordeaux II(1993) e pós doutorado
pela Establissement National Techinque pour L´améliorationde La
Viticulture(2000).
Ele também é pesquisador da Empresa de Pesquisa
Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) e coordenador do Núcleo Técnico Uva e
Vinho da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, professor visitante
da Universidade Federal de Lavras, Revisor Científico da Universidade Federal
de Lavras e Revisor Científico da Sociedade Brasileira de Fruticultura. Tem
experiência na área de Agronomia, com ênfase em Fitotecnia, atuando em
Viticultura e ecofisiologia vegetal.
Em sua formação na França, Murillo sempre ouvia
que, nas melhores regiões vitícolas do mundo, o clima, no período que antecede
a colheita, é de dias quentes, noites frias e solo seco. Isto coincidia com os
meses de maio, junho, julho e agosto na região de onde vinha. O problema é que,
o ciclo natural das videiras, no Brasil, ocorre nos meses de janeiro, fevereiro
e março. Precisaria então, para que isto acontecesse, inverter o ciclo
natural da videira.
TÉCNICA DA DUPLA PODA
A partir deste raciocínio, e também tendo como referência as anotações do botânico francês Auguste de Saint-hilaire que, no ano de 1819 andou por Minas Gerais e escreveu sobre “a notável superioridade das uvas colhidas no inverno com relação às do verão”, e, aliando ciência, tecnologia, sabedoria, dedicação e muito trabalho, o Núcleo Tecnológico Uva e Vinho da Epamig, de Caldas (MG), por iniciativa e coordenação de Murillo, desenvolveu a “Técnica da Dupla Poda das videiras”.
“A técnica desenvolvida pela EPAMIG objetiva inverter o ciclo da videira, para que a colheita possa ser feita nos meses de inverno. Ao invés de podar a videira em agosto e colher a uva em janeiro, como tradicionalmente é feito no Brasil, poda-se em janeiro/fevereiro e colhe-se em julho/agosto. Desta forma, desvia-se o ciclo da videira do verão para o inverno. Assim, o processo de amadurecimento e colheita da uva ocorre em condições de seca, dias ensolarados e noites frias, caracterizando grande amplitude térmica. Com isso, consegue-se melhores índices de maturação da uva e melhor qualidade da matéria prima, condições estas indispensáveis para se ter qualidade nos vinhos”, afirmou o agrônomo.
João Bono